A PEDAGOGIA DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (PEADS)

 Dra Andréa Alice Cunha Farias – Professora na UFRPE

I. Uma FORMULAÇÃO em permanente construção....

Durante cinquenta anos de dedicação diária à construção de um mundo mais justo e fraterno, especialmente a partir de sua inserção junto às dinâmicas e problemáticas do mundo rural, inúmeras foram as produções, materiais e imateriais, de Abdalaziz de Moura. Dentre elas estão, desde singelos programas de rádio, até palestras em conferências internacionais, passando pela publicação de livros e artigos, dentre outras que não nos cabe aqui, enumerar. Cabe-nos sim, evidenciar ao leitor que todas essas produções foram expressando e constituindo uma formulação pedagógica inovadora, denominada PEADS, reconhecida nacional e internacionalmente.

Mas, o que vem a ser a PEADS?

No pensamento de Paulo Freire – educador brasileiro que dispensa apresentações – há um conceito em especial que neste momento, nos ajuda a expressar, em poucas palavras, o que vem a ser a PEADS. Trata-se do conceito de INACABAMENTO, ou seja, do reconhecimento e da percepção de que nada, nem ninguém se encontra “acabado”, “completo”, “concluído”. Tal conceito nos ajuda a perceber que “somos o MOVIMENTO de ESTAR SENDO” e que, portanto, nem o mundo, nem as coisas, nem as pessoas SÃO; todas elas ESTÃO SENDO...

Fruto de um contínuo processo de ação-reflexão-ação, instituinte de uma genuína práxis reflexiva, a PEADS vem sendo considerada hoje, por seu autor e pelos que a conhecem ou a desenvolvem, como uma PEDAGOGIA para a ação transformadora das pessoas, das circunstâncias e de grupos humanos organizados. No entanto, esta compreensão é fruto de um longo processo de construção e amadurecimento....

Inicialmente, ainda nos anos 1993, a Peads nasce como uma proposta para a Educação do Campo, especialmente voltada para o Ensino Fundamental I (etapa da Educação Básica mais comum nos espaços rurais). Depois, foi evoluindo e sendo adotada no Ensino Fundamental II, Educação Infantil, Ensino Médio Profissional, Educação de Jovens e Adultos, dentre outros níveis e modalidades educacionais. O êxito alcançado e sua fundamentação pedagógica levaram a Peads também para o meio urbano, rompendo fronteiras espaciais e afirmando sua consistência política e pedagógica na promoção de ações transformadoras dos sujeitos e de suas circunstâncias.

As pessoas que entraram em contato e conheceram esta formulação pedagógica foram percebendo que não se tratava apenas de uma Pedagogia para o ensino escolar e formal. A Peads passou a ser adotada nos programas de extensão rural, assistência técnica às comunidades rurais, e assim, passou a orientar programas e projetos que desenvolvem políticas públicas em diversas áreas do conhecimento, mas que assumem a sustentabilidade como eixo central de suas ações.

O Serta (Serviço de Tecnologia Alternativa), ONG fundada em 1989 pelo próprio Abdalaziz de Moura e outros/as companheiros vem adotando a Peads como programa orientador de suas ações institucionais - denominado de Programa Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável - o que certamente exerce papel fundamental na constatada ampliação do espectro de sua abrangência.

No entanto, a Peads enquanto formulação pedagógica vem progressivamente extrapolando a área de atuação do Serta, orientando ações educativas em diversos espaços de educação formal e não formal, no campo e na cidade, instituindo-se assim, a partir desta verdadeira construção coletiva, como uma Pedagogia da Sustentabilidade.

II. Um pouco de História

Tudo começou quando o autor que já atuava na Educação Popular aproximouse mais das escolas rurais que existiam nas comunidades e foi percebendo que a professora ensinava para os estudantes saírem do campo, terem vergonha de sua identidade camponesa e até mesmo, se sentirem constrangidos pela origem de seus pais. Era comum ouvir frases do tipo: “Menino, estude, porque senão você vai ficar como seu pai, no cabo da enxada!”. Ou seja, o campo era apresentado, inclusive pela escola, como o lugar da pobreza, da falta de oportunidade e a cidade, como o lugar da promoção social e da riqueza.

Desta forma, ao estudante do campo não se apresentava a possibilidade de estudar para melhorar o seu lugar, investir no campo, acreditar no potencial da terra, do solo, das plantas, do bioma, nem das pessoas, nem das instituições locais. O campo deveria ser abandonado por quem quisesse se promover na vida, encontrar trabalho digno e realização pessoal. O campo ficaria apenas para os acomodados com a pobreza, mas não para os que quisessem mudar de lugar. Em síntese, “a Escola preparava o estudante para mudar de lugar, mas nunca para mudar o seu lugar”.

O autor da Peads e educador popular, Abdalaziz de Moura, ou simplesmente, Moura atuava no campo com outra perspectiva, a de valorizar o campo, como espaço de oportunidade, de riqueza, de reprodução da vida. Espaço este que demandava conhecimentos técnicos, científicos e profissionais para ser transformado, cultivado, valorizado e reconhecido. Para alcançar estes objetivos, as pessoas precisavam não só ter conhecimentos científicos e técnicos, mas também e principalmente, acreditar em valores capazes de inspirar a transformação do campo em lugar de Vida.

 

Portanto, se a Escola do Campo quisesse valorizar o mesmo, preparar o estudante para investir seus conhecimentos na transformação das propriedades rurais, ela teria na Educação Popular uma grande aliada e inspiradora. O que faltava na Escola do Campo, a Educação Popular tinha em abundância. E esta, por sua vez, poderia se enriquecer com as contribuições da Educação Escolar. É importante entender a contribuição da Educação Popular para esta Pedagogia transformadora. Esta é fruto de uma interação entre os dois sistemas educacionais, que quase sempre andaram em paralelo.

III. A Educação Popular e a PEADS

Algumas interrelações entre Educação Popular e PEADS podem ser aqui evidenciadas:

Partir da realidade, da vida, do cotidiano dos educandos e educandas

A Educação Popular forma as pessoas discutindo a própria realidade que elas estão inseridas. No caso do campo, qual é a realidade e o cotidiano das pessoas? O trabalho, o sustento da família, dos animais, o solo, a água, a produção agropecuária, o meio ambiente, a agregação de valor aos produtos, a venda dos produtos, a doença dos animais e das plantas e seu tratamento. Esta realidade vai sempre se ampliando e incluindo novas temáticas, como os consumidores, os vendedores dos produtos, a legislação, as políticas para o campo e assim por diante.

Ter o objetivo de mudar a realidade indesejada em desejada

Na Educação Popular a Ação Transformadora das pessoas e das suas circunstâncias é sempre um objetivo imediato e, ao mesmo tempo, estratégico. Uma comunidade que se encontra sem saúde, transporte, escola, trabalho, por exemplo, e tem alguém participando da Educação Popular nesta comunidade, esse alguém logo vai querer ver estas situações transformadas. Se não conseguir a mudança destas situações, é como não alcançar o resultado esperado. Ou seja, o objetivo maior não está sendo alcançado.

A Educação Popular destina-se, portanto, à mudança, à transformação de uma realidade, ou uma situação que não está fazendo bem à comunidade, nem às pessoas e que, portanto, precisa ser transformada. Esta transformação da ação, da questão externa que incomoda, passa também pela transformação das pessoas.

Ter como objetivo maior a Humanização

“A Educação não transforma o Mundo. A Educação muda as pessoas e as pessoas transformam o Mundo”, nos ensina Paulo Freire. A Peads fundamenta-se por uma concepção filosófica Humanista e por isso, tem na pessoa humana a centralidade de sua ação pedagógica. Pessoa esta compreendida em sua multidimensionalidade: emocional, afetiva, racional, intelectual, econômica, social...

Ter o DIÁLOGO como elemento instituinte da prática pedagógica

Diálogo, jamais entendido como “concessão” ao outro, como permissão de fala àquele supostamente pré-condenado ao “mutismo”. Mas sim, diálogo como prática e principalmente, como práxis instituinte da dialogicidade, ou seja, do desejo, da intenção e da capacidade de promover e de vivenciar processos de troca, dialogados e interpenetrados por diferentes e diversas formas de ver o Mundo. O diálogo é para a Peads, o caminho para que a diversidade humana seja admirada, desejada, reconhecida como condição humana e como alimento para a construção de um mundo mais humano, solidário e justo.

IV. Concluindo....

Esta breve descrição sobre a PEADS é principalmente um convite para que você, leitor deste site, adentre nos seus fundamentos, princípios, perspectivas e experiências. Aqui você encontra todo o acervo das produções de seu autor, Abdalaziz de Moura, em mais um gesto de partilha generosa e amorosa do

legado de toda uma Vida dedicada a construção de um mundo mais justo e fraterno! Como ele sempre nos diz: a Peads é um espírito!!! Aproprie-se dele!!!

Rolar para cima