LIVRO MÚLTIPLOS OLHARES DE UMA CAMINHADA PEDAGÓGICA – PEADS – PG 97-107
6.4. A IMPLEMENTAÇÃO DA PEADS COMO POLÍTICA PÚBLICA DA EDUCAÇÃO EM VICÊNCIA
“Se você quer construir um navio, não reúna as pessoas só para tarefas e trabalhos: ensine-as almejar a infinita imensidão do mar”. (Antoine de Saint-Exupéry)
INTRODUÇÃO
Durante todo o processo de sistematização procuramos visualizar, refletir e analisar de forma crítica como a Gestão da Educação foi se instituindo nos municípios a partir da implementação da PEADS: quais as mudanças na participação da comunidade na escola, quais os mecanismos criados pelo poder público para assegurar a democratização da educação municipal, como os diferentes sujeitos escolares foram participando e contribuindo para essa nova forma de fazer a escola do campo.
A luta dos educadores/as e dos movimentos sociais do campo e da cidade, ao longo da nossa história, foi possibilitando – a chamada “democratização do acesso” das camadas populares a escolarização. Hoje mais de 90% dos brasileiros de 06 a de 16 anos estão matriculados na escola, a maioria na rede pública. No entanto, não basta ter acesso, é preciso permanecer com sucesso, e de forma crítica na escola, por isso torna-se premente refletir sobre a democratização das relações dentro da escola, das políticas educacionais no município.
A cultura do paternalismo presente nas instituições públicas, a hierarquização do poder, a concentração das informações, a ausência de uma política de financiamento para assegurar uma escola de qualidade no campo, o processo de desprofissionalização dos docentes[1], e a inexistência de uma escola de qualidade em todos os níveis e modalidades contribuíram para a exclusão do povo do campo da escolarização, e a construção de uma escola descontextualizada[2] e precária em infraestrutura e material didático.
Durante muitas décadas as nossas escolas rurais, em geral, multiseriadas, com a existência de apenas um ou dois professores/as por turno, apenas cumpriam as determinações político-pedagógicas das secretarias municipais de educação, ficando tanto o professorado quanto à comunidade alheios ao processo de construção coletiva da sua proposta pedagógica quanto da gestão administrativa e financeira centralizada pelos órgãos públicos, e seu corpo de técnicos.
O Estado garantiu uma política autoritária, e, com isto, a educação pública se desenvolveu descontextualizada da realidade da maioria da população. Estas são razões palpáveis que, impregnadas na mentalidade do nosso povo e das instituições educativas, associadas à falta de uma visão de sociedade que compreenda os fatos e as políticas educacionais no conjunto das políticas macroeconômicas, em nosso entendimento, constituem mais fortes fatores impeditivos de mudanças nas relações de poder nas instituições educativas.
A vivência da PEADS, enquanto uma concepção de fazer escola tem suscitado nos municípios uma mobilização das comunidades para participar de todas as dimensões da escola: elaboração da proposta pedagógica, encaminhamentos administrativos e políticos, participação em sala de aula, nas aulas de campo, nos seminários de devolução das pesquisas realizadas na escola.
Essa prática político-pedagógica possibilita uma participação ativa, e uma gestão compartilhada da educação, além disso, possibilita uma relação de poder entre sociedade e poder público onde a reivindicação, a proposição e a negociação por uma política educacional para o campo brasileiro tornem-se presentes em todos os municípios.
A escola, como instituição social educativa, assume assim uma função de formação do cidadão/ã para participar conscientemente da sociedade em que vive, de construção de um projeto político pedagógico, que cumprindo a sua finalidade social, resgate a credibilidade do ensino público, contribuindo para a efetiva emancipação humana, tanto social quanto individual, desenvolvendo e estimulando as potencialidades do educando/a, o que não se dará sem o resgate da realidade social, política, econômica e cultural em que estão inseridos.
Nesse sentido, democratizar a Gestão da educação requer, fundamentalmente, que a sociedade possa participar no processo de formulação e avaliação, e na fiscalização da execução da política educacional por meio de conselhos, comissões, fóruns, etc. Essa presença da sociedade materializa-se através da incorporação de categorias e grupos sociais envolvidos direta ou indiretamente no processo educativos e que, normalmente, estão excluídos das decisões (pais, alunos/as, funcionários/as, professores/as, movimentos sociais). Ou seja, significa tirar dos governantes e dos técnicos da área o monopólio de determinar os rumos e as diretrizes da educação no município. Implica também construir uma política educacional que tenha como referência os povos do campo enquanto sujeitos de direitos.
É necessário que os mecanismos de democratização da Gestão da Educação alcancem os níveis do sistema de ensino. Devem existir instâncias de participação popular junto à Secretaria Municipal de Educação, as escolas e, onde for o caso, em nível regional em qualquer instância, os mecanismos institucionais criados devem garantir a participação do mais amplo leque de interessados possível. Quanto mais representatividade houver, maior será a capacidade de intervenção e fiscalização da sociedade civil.
A prática democrática da gestão da escola na elaboração, execução e avaliação do projeto político-pedagógico decorre da “natureza” e do caráter fundamental do processo educativo, que é o objeto da relação pedagógica: o conhecimento como processo, como construção, como ampliação do saber e produção de estruturas mentais, exigido para a inscrição competente no novo mundo que emerge e para a efetiva emancipação humana.
A gestão democrática se referencia no projeto político-pedagógico da Escola, e em políticas sociais que melhorem a qualidade de vida no campo. A especificidade do campo exige um conjunto de politicas específicas, que não se restringe apenas à educação, mas se articula com um projeto de desenvolvimento e de nação.
Sendo assim, neste capitulo buscamos resgatar como a implementação da PEADS foi mudando a gestão da educação[3], evidentemente, a construção e consolidação da democracia na escola, não são tarefas muito fáceis, pois temos uma cultura política centralizadora, com práticas autoritárias e clientelistas, que não possibilitam um empoderamento dos sujeitos escolares e de uma plena participação na construção de um projeto político pedagógico das escolas, portanto, é um processo permeado por tensões e contradições nas condições de participação da sociedade. E com o intuito de socializar as inovações e contradições vivenciadas nesse processo que lhe convidamos para a leitura deste capítulo.
Maria do Socorro Silva
A IMPLEMENTAÇÃO DA PEADS COMO POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO EM VICÊNCIA[4]
I – GESTÃO DO SISTEMA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
A implantação de uma proposta educacional inovadora, naturalmente exige um planejamento que se apoie e se referencie em princípios que visem à humanização e a emancipação dos sujeitos a quem ela se destina. Nesse sentido, desde o início o planejamento da implementação da PEADS, enquanto uma política de educação municipal sempre procurou se pautar por esses referenciais, e não se restringir apenas aos técnicos e aos especialistas, mas também, a uma construção dialógica com os sujeitos e as dimensões do processo educacional.
É nesse cenário de conflitos e de empoderamento dos pares, que a PEADS foi se implementando. Esse processo teve como o seu maior desafio à construção de uma proposta educativa que servisse para:
- Redefinir o papel social da escola rural: da concepção e prática de uma escola rural que antes era tida como isolada, sem identidade, sem definições e objetivos específicos, para a nova concepção social e pedagógica, que resgate a multiculturalidade dos sujeitos, a realidade do campo e o planejamento estratégico.
- Solidificar as identidades culturais e sociais dos sujeitos da escola e da comunidade contribuindo para transformá-los em protagonistas de sua história.
- Transformar a escola em centro de produção de conhecimentos, garantindo aprendizado contextualizado e crítico articulando os saberes científicos e populares.
- Garantir ensino de qualidade e dinâmico disponibilizando-se como um espaço de troca de experiências, cujo processo de ensino-aprendizagem, seja significativo e comprometido com o desenvolvimento social e humano.
Portanto, do que inicialmente era uma política de governo e de cunho educativo escolar, fora ampliada para além dos limites pedagógicos, tornando-se mais do que uma instituição que trabalhava os saberes sistematizados para uma instituição que promovia pela apropriação crítica de saberes estratégias de sustentabilidade para a comunidade, a PEADS transformou-se em uma política pública para área educacional como um instrumento de apoio ao desenvolvimento sustentável, conforme os depoimentos, abaixo:
“A metodologia utilizada, tais como, aplicação dos censos, a devolução à comunidade e os desdobramentos a partir das análises pela comunidade escolar gerou todo um repensar da escola e da organização dos sujeitos naquelas comunidades. As famílias voltaram a plantar, a criar, enfim a gerar renda e garantir sua subsistência. Toda essa nova forma de mobilização da comunidade resultou num repensar o desenvolvimento do próprio município que definiu seu planejamento a partir das novas demandas e estudos produzidos pela escola”. (Sara Lima, Secretária de Educação de Vicência-PE, 1997/2003).
O município começou a perceber a importância da escola para o seu desenvolvimento, e consequentemente a necessidade de mudar com a forma de gestão da educação, conforme depoimento abaixo:
“O Município de Vicência desenvolve a PEADS (Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável), desde outubro de 1998, tendo incorporado ao seu Projeto Político Pedagógico. Foi com esta consciência, que a Gestora do Município pensou a educação na relação com o desenvolvimento sustentável, pensando a partir da ideia de que o local, território, pode ser reinventado através das suas potencialidades. Uma das formas de trazer à tona essas potencialidades está na revitalização da importância do coletivo como método de participação popular de gestão das políticas e das comunidades onde vivem. A educação deve pensar o desenvolvimento levando em conta os aspectos da diversidade, da situação histórica particular de cada comunidade, os recursos disponíveis, as expectativas, os anseios e necessidades de seu povo. Diante do exposto, temos a plena convicção de que o município de Vicência desenvolveu de forma absolutamente correta políticas públicas educacionais e sociais de maneira sustentável, buscando uma lógica de desenvolvimento que privilegia o ser humano na sua integralidade, possibilitando a construção da sua cidadania e inclusão social, colocando os sujeitos do campo de volta ao processo produtivo com justiça, bem-estar social e econômico “(Silvio Moura, Secretário de Educação de Vicência-PE, 2003-2004).
A implementação dessa proposta foi formulada dentro de uma estrutura organizativa do sistema municipal de educação, cujas normas, leis e planejamento estratégico se dão a partir da Secretaria Municipal de Educação. A PEADS foi implementada a partir desse clima organizacional.
Essa estrutura teve seu nascedouro na proposta de governo da Prefeita Eva Maria de Andrade Lima e da Secretaria de Educação Sara de Oliveira Silva Lima. Seu lançamento público aconteceu durante a I Conferência Municipal de Educação, em outubro de 1997, sendo assumida coletivamente como uma política a ser desenvolvida pelo município.
II – MECANISMOS DE ASSESSORAMENTO/ACOMPANHAMENTO PEDAGÓGICO
Na implementação da PEADS, a coordenação se deu a partir do Departamento de Ensino, articulado com os demais organismos da estrutura da Secretaria: de planejamento, avaliação e apoio pedagógico. Aquele setor foi o responsável pela coordenação interna da política com as escolas rurais.
A equipe desse Departamento era formada pela Diretora de Ensino e as Coordenadoras Pedagógicas, que foram selecionadas num concurso público específico para as escolas rurais, o que possibilitou discussões sobre o perfil e o papel dessas profissionais.
As coordenadoras pedagógicas desempenharam nesse processo um papel de:
- Assessoria e monitoramento, quanto à implantação e implementação dos princípios e práticas, e possíveis ajustes, à luz da perspectiva;
- Colaboração, quanto à participação efetiva nos rumos e nas dimensões do currículo e das atividades da ER, contribuindo com a organização de cada escola;
- Formação, apoio conceitual e científico quanto à fundamentação científica no campo da educação, implementação dos princípios e das práticas;
- Orientação educacional, quanto ao acompanhamento, ao desenvolvimento do aluno/a, participação da família no acompanhamento ao desempenho dos filhos/as e sobre a organização dos estudos dos alunos/as;
- Avaliação do desenvolvimento das etapas de implementação, da qualificação dos trabalhos e das relações interpessoais entre a equipe escolar e famílias, no processo de aprendizagem dos alunos/as;
- Colaboração nas ações administrativas da secretaria, assegurando a veiculação das informações entre as escolas, encaminhamento de documentos.
O trabalho da Coordenação Pedagógica, no acompanhamento às escolas era modificado bienalmente, para possibilitar um maior conhecimento da rede e das diferentes formas das escolas se organizarem, no entanto, possuíam espaços de socialização e discussão para garantir unidade da proposta, conforme podemos ver no depoimento abaixo:
“Como Coordenadora Pedagógica das ER, conheço a realidade da maioria delas, pois o rodízio entre nós proporcionou uma visão mais ampla dos trabalhos que estavam sendo desenvolvidos com a PEADS em cada escola, e dessa forma pude dar maiores contribuições no desenvolvimento pedagógico das atividades escolares. Além disso, o trabalho de acompanhamento pedagógico é feito a cada visita na escola, a cada oficina realizada com os pais, e nos encontros pedagógicos é sempre revisto a metodologia da proposta. Compreendo que o papel do Coordenador é ser articulador entre a PEADS e a Escola e a conduzir o trabalho de maneira que todos compreendam a sua importância enquanto sujeito desse processo” (Marta Monteiro, Coordenadora Pedagógica das ER).
Esse trabalho de assessoria e acompanhamento da coordenação juntamente com o SERTA teve como estratégia:
- Formação continuada para gestores e professoras, pais e equipe administrativa, com temáticas específicas da realidade do campo e conteúdos pedagógicos para cada etapa de ensino.
- Visitas permanentes às escolas para acompanhamento em serviço e orientação do planejamento.
- Realização de aulas atividades, quinzenalmente, para estudos e alinhamento conceitual e planejamento coletivo.
- Exercício do registro sistemático dos encontros de formação.
- Discussão reflexiva sobre os índices de acesso e permanência dos alunos e da família às atividades escolares e sobre qualidade da participação.
- Articulação de parcerias com outras instituições para subsidiarem as atividades escolares, tais como: Secretaria de Saúde – Programa Saúde Família (PSF) e os Agentes Comunitários de Saúde (ACS); o Proprietário e/ou o Administrador do engenho para aquisição de áreas para plantio ou aulas de campo;
- Fortalecimento do Conselho escolar discutindo com a comunidade sua representatividade.
- Reuniões com as famílias para discutir sua participação na elaboração do currículo escolar.
- Contribuir na análise quantitativa e qualitativa dos dados dos censos e organizar a devolução da comunidade, de indicadores de transformação da qualidade de vida e do investimento produtivo.
- Garantir a formação na área da formação agropecuária com a presença de um técnico do SERTA nas escolas.
A Coordenação Pedagógica, além das suas atribuições e relações já explicitadas, assume outros desafios: o de ser mediadores político e intelectual entre os sujeitos da escola, a comunidade escolar e o poder executivo, esse trabalho traz desafios pessoais e profissionais, porém,
“As aprendizagens compensam todos os desafios, pois o crescimento intelectual é notório e o sentimento do dever de compreender e o de socializar conhecimentos; acreditar em si mesma e no potencial dos outros; repensar a escola, na perspectiva da contribuição à transformação social, presente no pensamento do educador Paulo Freire quando diz que: a educação não transforma tudo sozinha, mas sem ela não se transforma”.(Alda Marques, Coordenadora Pedagógica)
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O município com essa prática possibilitou a existência de uma equipe local que coordenasse e monitorasse a política, construindo uma interlocução permanente entre as diferentes secretarias do município para se integrar às políticas públicas destinadas a área rural do município.
III – DO PONTO DE VISTA DA GESTÃO ESCOLAR
A perspectiva de mudar a cultura política existente nas escolas rurais e a concepção da comunidade sobre o papel da escola tornaram-se elementos centrais na construção da gestão escolar, sendo construídas diferentes iniciativas, tais como:
3.1. PARTICIPAÇÃO DOS PAIS E COMUNIDADE
A escola começou a partir das pesquisas do censo, das reuniões para discussão da organização escolar, do envolvimento dos pais nas aulas de campo e na devolução dos resultados da pesquisa a valorizar os saberes da comunidade, socializando os conhecimentos que antes eram ignorados e evidenciando o papel da escola dentro da comunidade rural.
Essa prática estimulou um sentimento de pertencimento da comunidade à escola, na formação dos conselhos escolares, nos mutirões e aulas de campo.
Durante as reuniões do Conselho Escolar, abertas a todos da comunidade, os debates ultrapassaram as dimensões pedagógicas e de convivência intraescolar para a discussão sobre o papel político da escola na construção do desenvolvimento sustentável de seu entorno e do Município. Dessa forma, a mesma enriquece e aprimora seu processo de gestão democrática, mostrando que a escola sozinha não pode tudo, mas quando trabalhada coletivamente consegue contribuir para uma nova prática pedagógica.
3.2. CONSELHOS DE GESTÃO DA EDUCAÇÃO
Nesse contexto, a implantação do Conselho Escolar, como modelo de Gestão compartilhada, foi facilitada pela ação de adesão e de voluntariado por parte dos pais e comunidade civil do entorno da escola. Os pais participam efetivamente impelidos pela necessidade de aprofundamento da participação direta na escola de seus filhos, e em muitos casos na sua própria escola[5], chegando até a se auto organizarem para a escolha de seu representante nas deliberações do Conselho Escolar.
“Antes a escola era isolada porque os pais não tinham o contato que está tendo agora. De primeiro eu vinha à escola pra fazer a matricula e também quando eu recebia um bilhetinho… agora não, as coisas estão muito mudadas. Eu como mãe, me sinto como se estivesse em casa… tanto aprendo como ensino”. (D. Luiza, mãe de aluno da EMDAL – Granja Sossego)
Por sua vez, o Conselho é um órgão colegiado, construído por representatividade da comunidade escolar onde são discutidos e detalhados assuntos da dinâmica interna e externa da escola – pedagógico e administrativo, na busca de solução às problemáticas de como inserir a escola na política do desenvolvimento local, assim a participação foi redimensionada, pois,
“Antigamente a gente não tinha nada disso, a escola só ensinava a ler, escrever e contar. Hoje os pais estão participando mais da escola. A gente vem pra reunião, a gente fala, a gente trabalha na horta, a gente participa e se sente importante porque a escola precisa de nós. Sou do conselho e sei que a escola precisa de união porque “uma andorinha só não faz verão””. (Sr. Odon, Conselheiro da EMMB – Eng. Canavieiras.)
Dessa forma, não é a direção sozinha que toma decisões, mas sim, o coletivo da escola. Com essa prática pode-se afirmar que o poder começa a se descentralizar. Todos participam do planejamento, acompanhamento e da avaliação do processo pedagógico-administrativo, nos seus variados aspectos, visando melhoria do ensino e da aprendizagem.
O protagonismo dos sujeitos da escola teve na participação do Conselho escolar um espaço privilegiado de definição e controle das políticas escolar.
A escola é o ponto de encontro dos vários profissionais envolvidos na ação educativa, para uma constante troca de informação e conhecimentos. Existindo assim a preocupação de buscar coisas novas e de um ajudar o outro com a troca de experiências buscando uma educação de qualidade.
O trabalho coletivo foi escolhido como a forma onde todos pudessem permanentemente refletir sobre a sua ação, participando, cooperando e respeitando mutuamente as decisões a serem tomadas.
Essa forma possibilita que a comunidade participe dos eventos e ações realizados pela escola. Pois, trabalhar coletivamente não implica todos estarem juntos o tempo todo, dependendo dos objetivos que se tem é possível dividir as responsabilidades, desde que se garanta a definição coletiva do que será realizado, a troca constante de informações e a continuidade do trabalho na direção dos objetivos desejados.
3.3. O GESTOR ESCOLAR E O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO
O Projeto Político Pedagógico da EC pretende definir entre outros problemas e assuntos como a EC vai trabalhar a realidade(s) local e global? Em que período realizará eventos e como vai acontecer? Que tipo de formação educativa oferecerá para seus pais?
Além do mais, o Projeto Político-Pedagógico define o papel do novo gestor escolar[6]. O papel é redimensionado, não esquecendo de suas atribuições administrativas, descentraliza e desconcentra seu poder de representação e de governabilidade, colocando-se a serviço da organização e da prestação de serviços públicos através de articulações e parcerias com a comunidade em que se encontra e também com a rede escolar municipal, assim,
“O projeto político pedagógico na PEADS destaca-se como uma ferramenta importante, onde foram traçados metas e objetivos com a participação de pais, alunos, funcionários e comunidade. E assim, valorizando cada ser como construtor do conhecimento e contribuindo para o desenvolvimento da instituição e da comunidade local.” (Josinele Ferreira, Professora responsável, da EMAC – Eng. Beleza)
O gestor escolar, no contexto da PEADS, é aquele que não só pensa na perspectiva administrativa, mas, apreende também as ações pedagógicas, assumindo o caráter da liderança. E como líder propõe uma facilitação, uma mediação do processo administrativo na busca sistemática da reflexão e do atendimento com sucesso dos sujeitos da escola.
“Ao observar que os alunos/as e professoras saiam para pesquisar e fazer o desdobramento, percebi que, as ideias iam fervendo e precisavam de apoio e encaminhamento. Logo, me identifiquei com o entusiasmo dos professores. Nesse processo, como líder, era uma facilitadora, mobilizando os pais e alunos que ainda não entendiam a importância desse trabalho, viabilizando encontro, oficinas e levantando a autoestima, dando assim o significado social ao que eles faziam”.(Neide Rafael, ex-diretora da EMBA – Usina Barra).
Nesse contexto, permeado por relações dialógicas, a circulação e socialização de informações fluem com muita facilidade. E o processo de comunicação, é mais claro e compreensível, mesmo que, a escola ainda não esteja plenamente no uso da informática.
3.4. AS PARCERIAS
O fortalecimento da PEADS deu-se ainda mais, pelo estabelecimento de parcerias extraescolares. Como por exemplo, o trabalho do PSF (Programa de Saúde na Família) e ACS (Agente Comunitário de Saúde) na escola e na comunidade.
Em algumas comunidades até o dono do engenho deu uma contribuição para o desenvolvimento do trabalho de campo, pois,
“Antes da proposta o dono do Engenho não tinha um envolvimento com a escola, agora colabora doando terreno e ajudando a escola com outras contribuições” (Queiroz, Professora responsável da EMMB – Eng. Canavieiras)
Outras instituições, organizações e profissionais também começaram a se envolver com a escola,
“Temos também parceiros como Associações, Igreja, Membros do MST, Sindicatos Rurais, Agentes Comunitários, Juiz e outros que contribuem para desenvolvimento e fortalecimento da PEADS com visitas, palestras, encaminhamento de nossas propostas. A escola sozinha não pode tudo, por isso tem que buscar parcerias”. (Queiroz, Professora responsável da EMMB – Eng. Canavieiras).
A parceria foi fundamental para a articulação de outras políticas dentro do município, para aprofundamento de temáticas relacionadas à saúde, direitos humanos e sociais, história da comunidade e do município, questões ambientais e assuntos relacionados à arte, cultura e agropecuária.
IV – FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO
Essa temática remete a alguns períodos distintos da implantação e implementação da proposta. Num primeiro momento, com a chegada do PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), os recursos financeiros para manutenção das escolas tinham sua origem no programa e do próprio FUNDEF (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental).
Depois, além desses recursos, tivemos por meio do SERTA, um financiamento do FAT (Fundo de Apoio ao Trabalhador), para o trabalho com as famílias do PETI, na intenção de formar competências gerenciais e produtivas em membros da família com subsídios de bolsas federais, para despertar nos sujeitos envolvidos a capacidade de serem agentes empreendedores.
Num terceiro momento, em que o PETI, apenas subsidiava o pagamento das bolsas às famílias, para os monitores e a manutenção dos núcleos educativos com materiais didático-pedagógicos. O SERTA colocou um técnico para que a assistência técnica em agropecuária pudesse ter continuidade, depois essa relação foi efetivada através de um termo de cooperação técnica entre o SERTA e a Prefeitura Municipal.
“Não houve aplicação específica de recursos para a PEADS. Pagamento de professores, manutenção da escola, capacitação de professores, alunos e pais eram incluídos no orçamento geral da educação. Como conseqüência do sucesso do trabalho escolar com a PEADS, outros parceiros foram surgindo e ampliando os recursos, como por exemplo, as outras secretarias municipais, especialmente a de Assistência Social e Agricultura. E outras instituições como o BNB/BNDES/PNUD, que contribuiu com a formação sobre desenvolvimento sustentável” (Sara Lima, Secretária de Educação de Vicência-PE – 1997/2003).
No âmbito da escola, os custos, em sua grande maioria, eram subsidiados pelo FUNDEF. Porém, para vários eventos as famílias apresentavam-se como parceiras da prefeitura, contribuindo de forma solidária com mão-de-obra para pequenos serviços de consertos na escola, de orientação no plantio da horta,
Nesse período foi constituída a unidade executora em algumas escolas, para repasse direto de recursos públicos. A unidade executora era composta por representantes de pais, sociedade civil, escola e direção, que se reuniam para definição do uso dos recursos, prestação de contas e avaliação do que fora realizado, levantamento de demandas e socialização com a comunidade escolar e prestação de contas para as instituições públicas de controle e acompanhamento dos recursos públicos.
IV – AS INOVAÇÕES NA GESTÃO ESCOLAR
A PEADS envolvia o cotidiano da escola. Pensar a escola como produtora de conhecimento era desconstruir o instituído e novamente reconstruir cada relação que a EC traçava para si, como o novo, em que, não descartando a história, queria-se ver acontecer. Pode-se destacar como inovações:
- Com relação ao planejamento didático – pedagógico: as mudanças aconteceram em diferentes dimensões. Geralmente, os planos de curso e de aula eram elaborados somente pelo professor/a, às vezes com alguma observação da coordenadora e organizado por disciplinas – perspectiva individual, solitária e disciplinar. Agora, os planos são os resultados de intenso diálogo entre o coletivo da escola e a coordenação pedagógica de forma reflexiva e multidisciplinar. A ficha pedagógica, que organiza os censos, tornou-se o ponto de partida para a organização do planejamento. Os saberes produzidos pela escola ultrapassam os muros escolares, primeiro pela pesquisa, e depois para a devolução sistematizada dos dados, análise e planejamento da ação.
- Com relação à gestão escolar: da condição unilateral da gestão escolar para uma gestão compartilhada com uma organização coletiva de governabilidade sem se confundir os papéis e as atribuições da administração escolar.
- Com relação à participação da família: da situação “passiva” à condição de partícipe do desenvolvimento da escola de diferentes formas: presença individual no acompanhamento dos filhos/as, e presença coletiva participando das discussões na escola, contribuindo nas aulas de campo.
- Projeto político-pedagógico das escolas: cuja função primordial é provocar a escola pensar coletivamente sobre sua função, seu papel na sociedade, sua autonomia, definido ações a serem realizadas. O projeto organiza a gestão escolar no formato e na concepção colegiada e descentralizada, quando antes a “escola” se resumia ao seu gestor, que se configurava numa espécie de mandatário do Poder Executivo, e não a favor da autonomia da escola e do desenvolvimento social e sustentável.
- Com relação ao financiamento: criação de unidades executoras nas escolas com participação dos pais e comunidade escolar nas tomadas de decisões, como PDDE (Programa de Dinheiro Direto na Escola) e a Autonomia Financeira (parceria do município com as escolas).
- Com relação aos estudantes: assumiram-se como protagonistas dos seus próprios conhecimentos e da sua cidadania, para firmarem-se como críticos da sua escola, do governo, de todas as formas de repressão da liberdade e da autonomia. A EC tornou-se um celeiro de oportunidades ao exercício real e concreto da cidadania, da democracia e da formação ética, vejamos o depoimento abaixo:
“Antes da PEADS eu era um dos piores alunos só tirava nota baixa, repetia o ano e não gostava de estudar. Com a proposta fui me interessando porque agora o estudo era sobre as coisas da comunidade, coisa que agente faz… Hoje me sinto outra pessoa, um novo Joel!” (Joel, aluno da EMBA – Usina Barra).
V – AS TENSÕES E CONTRADIÇÕES NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO
Todo processo de transformação numa instituição há décadas estabelecida traz consigo um conjunto de ações provocadoras de diversas reações, expectativas, medos e incertezas. Conseqüentemente, geram-se ritmos e intensidades diferentes de tensões no interior de cada grupo e/ou escolas, envolvidos direto ou indiretamente com o movimento de re-criação da ER. Portanto, compreende-se como tensões os momentos de confronto entre as etapas de implementação da PEADS, e a concepção de gestão democrática da educação, podemos destacar desse período:
- a) O confronto entre a decisão política do Poder Executivo de horizontalizar a discussão sobre as potencialidades e as debilidades da comunidade rural, e a cultura dominante de centralidade do planejamento e das tomadas de decisões quanto à organização social, política, cultural e educacional;
- b) A fragmentação da ação governamental com relação à necessidade do planejamento estratégico para o desenvolvimento da gestão democrática de forma articulada e apoiando as ações da educação com outras políticas sociais e estruturais necessárias a qualidade de vida, ao desenvolvimento econômico, a preservação ambiental a universalização do ensino, qualificando a oferta, o acesso e a permanência dos estudantes com sucesso na escola.
- c) A resistência dos pais e da escola, quanto à nova forma de participação da família na escola: no trabalho de campo, na gestão administrativa e financeira da escola.
- e) A oposição político-partidária, que se alimentava dos acertos com as oligarquias rurais, que por sua vez produzia o voto de “cabresto”, portanto, sem interesse de desenvolver a autonomia das pessoas e a luta pela cidadania.
O que nós aprendemos com esse processo é preciso juntar objetividade e sonhos para que se possa ver cada estudante com um olhar novo, percebendo – o como alguém que está hoje conosco, mas pertence ao futuro. E é neste contexto em que a PEADS se encontra no sentido de trabalhar a coletividade de compartilhar nossos desejos e anseios uma visão democrática e participativa no sentido de formar cidadãos críticos e conscientes no mundo em que está inserido.
[1] Entendemos como processo de desprofissionalização a ausência de formação inicial e continuada, falta de condições de trabalho, de remuneração digna e do direito a associação e a organização do professorado rural.
[2] Segundo Antuniassi a escola construída no campo tem um modelo urbanocêntrico, pois tem como ponto de partida e de chegada dos conhecimentos e das práticas sociais a cidade.
[3] Neste texto entendemos por Gestão da Educação, o processo político-administrativo que define, organiza, orienta e viabiliza a prática social da educação no sistema de ensino e na unidade escolar, que implica uma ação do sujeito na construção de algo novo.
[4] Esse texto foi escrito pelos educadores/as José Edson de Oliveira Lima, Alda Marques de Araújo e Dalva de Moura Vieira
[5] Muitos pais voltaram a estudar mediante sua participação na escola sendo ofertadas no noturno, salas de educação de jovens e adultos.
[6] A partir da PEADS a figura do responsável único da escola – o diretor (a) – foi ampliada para muitos responsáveis pela mesma escola. Isso se deu pela horizontalização das informações e da compreensão do papel social da escola por todos os participantes. As eleições da escolha do diretor foram um grande exercício democrático que possibilitou a todos da escola a aprenderem juntos.