LIVRO MÚLTIPLOS OLHARES DE UMA CAMINHADA PEDAGÓGICA – PEADS 64-67
TRAJETÓRIAS DAS ESCOLAS DO CAMPO: UMA NOVA IDENTIDADE SENDO CONSTRUÍDA.
Esse capítulo retrata as trajetórias das escolas públicas municipais do campo, como foi sendo produzida a escola, o seu desenvolvimento organizacional, e como os sujeitos escolares foram se organizando, se constituindo nesse espaço com a implementação da proposta educacional de apoio ao desenvolvimento sustentável.
Essa caminhada buscou reconstruir uma prática escolar, que historicamente foi estruturada numa base social, cultural e educacional de desvalorização do campo, como lugar de vida, de produção e de saberes, e que durante muitas décadas, não foi assumida pelo poder público como direito dos povos do campo.
Nessas experiências, o debate e a luta pela escola pública de qualidade e socialmente referenciada na realidade dos povos do campo, assumem grande importância, pois se espera uma escola de renovação e inovação da realidade pessoal e coletiva, de respeito à heterogeneidade cultural dos sujeitos, de ação para transformação da qualidade de vida dos educandos/as e suas famílias.
Essa nova situação pedagógica implica novas atitudes do professorado, dos estudantes, das famílias e dos gestores públicos, de decisão e reflexão política e pedagógica, de uma ação coletiva no espaço educacional pela garantia do acesso e permanência com sucesso das crianças, adolescentes, jovens e adultos do campo, de enfrentamento do fracasso escolar, da desmistificação da inabilidade cognitiva dos estudantes, portanto, de uma escola que se percebe, como responsável para ensinar os códigos da escrita, da leitura, dos cálculos e das ciências, e também como uma provocadora do pensar e do agir crítico e criativo, do protagonismo dos sujeitos da escola dentro e fora dela.
Certamente, toda mudança na educação encontra no “chão da sala de aula”, a realidade concreta do cotidiano, de perceber as diferentes perspectivas, de reinventar as alternativas disponíveis, de indagar as possibilidades de aprender com os erros, de investigar as evidências conflituosas, de refletir sobre a forma de melhorar os passos já dados, de retomar de forma crítica e analítica as informações trabalhadas, enfim de construir um repertório de conhecimentos que contribuam para uma prática pedagógica libertadora.
Então, esse buscou registrar a caminhada da implementação da PEADS nas escolas do campo dos municípios de Vicência, Orobó e Pombos. É uma tentativa de aproximação com o que foi vivido, concretamente assumido, e é extremamente desafiador, pois, “cada escola tem uma cara”, e consequentemente, vivenciou essa experiência com tonalidades e ritmos diferenciados, contudo, sistematizar o processo da PEADS na escola, significa reportar ao passado com o objetivo de buscar insumos que contribuam na reflexão do presente e projetem o futuro da ação escolar, os desafios que precisa superar para continuar se fortalecendo institucionalmente, enquanto um paradigma de educação provocadora do pensar e do agir crítico, consciente e comprometido com a emancipação humana.
Essa caminhada não é linear, nem fácil, pois, trata-se de construir uma nova institucionalidade política pedagógica para as escolas, tem dificuldades, contradições e tensões que são fundamentais para a aprendizagem individual e coletiva, que é permanente e inconclusa, não sabemos se na escrita conseguimos resgatar o desafio e a riqueza desse processo e dessa busca de fazer a escola cumprir seu papel social no campo.
Todavia, nos arriscamos e fizemos um resgate dessa trajetória, na perspectiva de revelar os olhares que as escolas tiveram com a vivência da proposta. E, da mesma forma e intensidade, incentivar à satisfação e a necessidade do compartilhamento e da socialização das diferentes experiências vividas e inovadas, com tempos e maneiras peculiares em cada Município, pelos atores sociais de cada Escola, é uma tentativa de aproximação, pois a vida é muito mais intensa, com o que concretamente foi assumido e feito com relação:
- a) Ao contato com a proposta e as primeiras iniciativas para implementá-la na escola;
- b) A identidade da escola que está sendo construída;
- c) Os princípios que dão sustentação a esse projeto da escola e seus aspectos inovadores;
- Identificação das dificuldades e sua superação possível
Embora, esse texto, seja resultado de uma construção coletiva, do registro de várias vozes, mãos e práticas, a reflexão é de que existem referenciais que marcam todas as práticas, e que tem pontos de encontros e singularidades, portanto, para sua escritura vivenciamos os seguintes momentos:
- A elaboração com a equipe de sistematização de um roteiro mínimo, que teve como finalidade orientar os procedimentos de discussões e registros de cada escola.
- A discussão com a equipe de cada escola sobre as questões do roteiro, incorporando as sugestões. A importância deste momento consistiu em propiciar uma reflexão coletiva da equipe escolar sobre sua experiência, e consequentemente, que os sujeitos resgatassem sua autoria na proposta cada um com seu tempo e seu jeito.
- Leitura em grupo dos textos produzidos por cada escola e reflexão sobre os mesmos.
- Oficina com todos os professores/as, gestores/as e equipe de sistematização para elaboração de um único texto por município, que resgatasse elementos comuns no que se refere às suas escolas.
- Encaminhamento dos textos individuais de cada escola para divulgação em outras publicações.
- Os textos finais de cada etapa foram resultantes de diferentes contribuições (das professoras, pais, diretoras e estudantes), depois foram lidos e apreciados pelos outros municípios envolvidos na sistematização em oficinas e seminários de validação, por meio dos quais foram levantados os elementos para a conclusão do capitulo.
No entanto, estas sínteses não têm a pretensão de esgotar a riqueza e a diversidade de cada escola, nos seus limites e possibilidade, que a cada dia buscam reinventar sua identidade, no compromisso com as crianças, adolescentes e famílias do campo.
Certamente, muitas coisas escritas aqui são vividas em outros lugares, com outros atores sociais, com outros instrumentos, isso é a riqueza da educação do campo, saber que nunca caminharemos sozinhos/as, e que em várias partes de nosso país, educadores/as, gestores/as e os movimentos sociais estão reinventando a escola, para que ela possa se tornar realmente uma escola do campo que ajude no desenvolvimento cognitivo, social e ético dos povos do campo. Por isso, com satisfação lhe convidamos para conhecer um pouco de nossa história.
Boa leitura! Maria do Socorro Silva
A RECONSTRUÇÃO DA ESCOLA DO CAMPO COMO PROPULSORA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: AS ESCOLAS DE VICÊNCIA[1]
“Falar da implantação da PEADS é reconstruir o processo de renascimento da Escola Rural. De escola isolada, sem identidade, sem objetivos claros, destinada a fazer cópia malfeita da escola urbana; a escola rural renasce com uma proposta clara de ser a articuladora e organizadora do conhecimento da comunidade, de se inserir no seu meio, de ser propulsora do desenvolvimento local. Enfim, reconhecer o que diz Paulo Freire: “a educação não transforma tudo sozinha, mas sem ela nada se transforma”. (Sara Lima, ex-Secretária de Educação de Vicência-PE)
O diagnóstico das Escolas Rurais do Município de Vicência, realizado pela Secretaria Municipal de Educação em 1997, revelou um quadro de sucateamento da base material das escolas rurais existentes no município, a inexistência de escolas em várias comunidades devido à ausência de um planejamento político-pedagógico-financeiro para prioridades de construção, de uma prática pedagógica descontextualizada da realidade dos estudantes e a ausência de políticas de profissionalização (formação inicial e continuada, remuneração digna e condições de trabalho) para os docentes que atuavam nestas escolas.
Em várias escolas tínhamos a vontade de fazer, e fazer bem feito, apesar de não existir um acompanhamento pedagógico periódico, nem uma proposta educacional que parecesse conosco, e com nosso povo, trabalhávamos com muito afinco, mas ignorávamos nosso meio, suas potencialidades e dificuldades, no que se refere ao potencial humano, aos saberes, as culturas, a valorização do trabalho ali existente, afinal não fomos formadas para questionar o que estava estabelecido, e algumas coisas pareciam naturais, íamos ensinando, pensando estar fazendo o melhor para nossos educandos/as.
Sentíamos que a situação social da área rural era muito difícil, pessoas desmotivadas, sem perspectiva de vida, sem infraestrutura, políticas sociais e agrícolas, cada vez mais se esvaziando e aumentando o desejo dos jovens de ir morar na cidade, de ir para São Paulo, enfim sair dali, pois não era lugar de viver.
A escola parecia alheia e incapaz de fazer algo, além disso, alguns pais não viam importância na escola, algumas crianças não a frequentavam porque trabalhavam no canavial, outras entravam somente com oito anos, sem ter frequentado a educação infantil, e sentiam dificuldades em acompanhar as aulas, que não eram planejadas para esse grupo, que ainda não estava alfabetizado, as aulas também eram repetitivas, monótonas e seguiam rigidamente o que estava previsto no livro didático para cada série, assim, muitas crianças que tinham acesso à escola, não permaneciam, pois a repetência, causava uma ideia de incapacidade para continuar nesse espaço, enfim de incapacitados intelectualmente para permanecer estudando.
A preocupação, a necessidade e o dever do órgão público de elaborar e propor uma política de educação que superasse esse cenário, nos colocou numa busca incessante por conhecimentos e experiências que nos ajudasse nesse processo, então:
“Descobrimos, que alguém já se preocupava, como nós, com estes problemas aqui em Pernambuco – era o SERTA. O encontro com ele se deu num momento de grande inquietação da nossa equipe. Vínhamos, há algum tempo, discutindo a situação de nossas escolas rurais “isoladas”, como eram chamadas; não concordávamos com as condições físicas e pedagógicas dessas escolas, mas não sabíamos claramente como mudar. Uma questão era clara, queríamos construir uma escola rural que trabalhasse as especificidades dos sujeitos do campo. (Sara Lima, ex-Secretária de Educação de Vicência-PE)
Essa descoberta acentuou o desejo da equipe da secretaria de educação, de elaborar e executar uma política educacional que superasse as dificuldades existentes, e redimensionasse o papel da escola dentro da comunidade rural, que conseguisse manter com sucesso as crianças e adolescentes na escola, e que produzisse conhecimentos que ajudassem essa comunidade a se desenvolver.
Nos dias 09 e 10 de outubro de 1998, numa sexta e sábado, na Escola Municipal Jacy Estelita Guerra, Engenho Imbu, distante 09 Km da sede do município, realizamos o 1º encontro entre as escolas rurais e o SERTA. É importante destacar que além dos 60 professoras das escolas rurais foram convidadas as monitoras que estavam iniciando o trabalho com o PETI, as Coordenadoras Pedagógicas que foram selecionadas para acompanhar as escolas, a equipe da secretaria de educação: Diretora de Ensino e a Secretária Municipal de Educação e a Prefeita do Município, quando o SERTA começou a coordenar os trabalhos fomos percebendo logo as diferenças entre os cursos que tínhamos anteriormente, pois,
“Os trabalhos foram bastante dinâmicos. Ficamos maravilhados e nos perguntávamos: quem são esses? O que eles são… psicólogos? Filósofos? Agrônomos? Pois eles falavam coisas muito interessantes sobre o campo, a produção, a escola do campo, sobre os estudantes e as famílias. Moura que coordenou os trabalhos provocando-nos, instigando-nos a refletir, a indagar a respeito do papel que a escola do campo vem desenvolvendo e pode desenvolver nas nossas comunidades”. (Geuza Gomes, Diretora da EMJEG – Eng. Imbu).
Com esse encontro começou a reflexão sobre a implementação da PEADS, e qual a função social da escola na comunidade conforme nos mostra o relato abaixo:
“O momento que mais nos chamou a atenção foi durante a construção de uma maquete, para distinguir a zona rural da zona urbana. Daí, após a conclusão da maquete detectou-se que a comunidade estava representada, mas faltava [na maquete] a escola. O espanto foi geral. E as indagações como: porque a escola não está presente? Onde está a escola que não participa da comunidade? Qual a função social da escola? Para que serve a comunidade? Para que serve a escola? Esse momento foi fantástico! E, a partir daquele dia, começamos a enxergar nossa comunidade, percebemos que ela [a comunidade] precisava de ajuda e que poderíamos ser úteis para esse trabalho. Que era necessário levantar a autoestima dos nossos alunos, das famílias e até a nossa” (Geuza Gomes, Diretora da EMJEG – Eng. Imbu).
A PEADS foi se configurando como uma nova identidade da ER. Uma escola possível e diferente, uma nova proposta de educação e de metodologia, conforme nos mostra a fala abaixo:
“Uma nova proposta de educação para as ER, que partiria da pesquisa para uma construção do conhecimento, baseada na realidade do aluno. Objetivando modificar a prática pedagógica; resgatar e valorizar a comunidade rural, assegurar a nova ER o papel conscientizador das pessoas a preservar o meio ambiente, o seu meio, a sua vida, a sua cultura” (Carmelita Silva, Professora e Diretora da EMMR – Chã do Fogo).
Ao redimensionar o papel da escola da função meramente instrumental de ler, escrever e contar, essa proposta provocou os sujeitos para que exercitassem a sua criatividade, que buscassem novas possibilidades, que reconstruíssem o seu “repertório de conhecimentos para ensinar”, e por isso, gerou inicialmente insegurança e medo, pois nos tirava do lugar comum e conhecido do livro didático, das cópias no quadro de giz e das listas repetidas de exercícios, nesse sentido a PEADS representou no início de sua implementação,
“Uma forma duvidosa, embaraçosa, me dava insegurança… uma vez que trazia grandes mudanças para a prática de sala de aula e desafios em todas as dimensões: pessoal, profissional, intelectual e social de todas nós” (Sueli Jorge, professora da EMBA – Usina Barra).
“Hoje a escola rural começa a ocupar um espaço diferente na comunidade, resgata a autoestima de professores/as, alunos/as e de toda comunidade rural. Foi preciso romper os muros da escola e os preconceitos dos gestores. Professores, pais e alunos, sentem-se capazes de produzirem mais do que a sociedade julga. Mostra que inteligência, conhecimento e capacidade estão presentes no mundo rural e não apenas no urbano. Contribuir para que os sujeitos do campo resgatem sua cultura, sua própria história e tenham uma consciência transformadora de sua realidade de uma forma ética” (Valdenice Honorato, planejadora escolar, EMJEG – Eng. Imbu).
Para nossa satisfação começamos a ter capacitação específica para as escolas rurais, o SERTA nos provocava o tempo todo quanto a valorização dos sujeitos do campo, e do lugar onde eles viviam. A escola deixou de ter a cara triste, começou a ser um espaço movimentado, onde os alunos tinham vontade de ficar, os pais começaram a participar e a necessidade de um projeto político pedagógico foi se tornando premente, atualmente todas as nossas escolas rurais vivenciam essa proposta e tem projeto político pedagógico elaborado.
II – A ESCOLA QUE ESTAMOS CONSTRUÍNDO: O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA ESCOLA DO CAMPO
O Projeto Político-pedagógico da escola, após a PEADS, significou um exercício coletivo de discussão, elaboração e planejamento didático-pedagógico da caminhada da escola em cada comunidade. Consequentemente, fez das ER um espaço de aprendizagem e de experimentação dos princípios do compartilhar as decisões, no repensar dos papéis de cada sujeito da comunidade escolar, do tempo escolar, dos espaços e instrumentos de aprendizagens que podiam ser reinventados, e principalmente dos objetivos e metas que deviam ser alcançados pela escola.
A nova concepção dos saberes que precisam estar presente na escola, a ideia de partir da realidade, dos conhecimentos dos estudantes e das famílias, buscando promover a articulação dos saberes científicos e populares, tem trazido grandes contribuições para a prática de todos os profissionais da escola, para a elevação da autoestima dos pais e estudantes, bem como tem feito surgir um novo interesse da comunidade pela escola, seja voltando a sala de aula como educando/a na EJA, seja participando de diferentes atividades no espaço escolar.
Assim, os usos dos espaços da escola pela comunidade foram redimensionados, na participação na sala de aula, nas reuniões, nas festas, na horta, no entendimento de um espaço de direito e exercício da cidadania, isso também influenciou a prática do professorado, que começou a perceber a sala de aula do campo numa perspectiva muito mais ampla. A fala abaixo vem atestar que,
“Com a implantação da PEADS houve um redimensionamento na prática pedagógica escolar. Os professores passaram a utilizar vários espaços para dar suas aulas, a escola, a horta, a roça, a mata, os rios foram se tornando salas de aula, não ficando presos a sala de paredes como acontecia antes”. (Josina Leno, Professora da EMMR – Chã do Fogo).
Um outro procedimento metodológico para elaboração e para a sistematização do Projeto Político Pedagógico da ER, surgiu como resultado/produto do novo movimento dialógico entre as ER e a sua comunidade, mediante a ação de requalificação da importância da participação dos sujeitos escolares e sociais, nas tomadas de decisões sobre problemas e demandas da escola no decorrer do ano letivo, portanto, os pais foram chamados para participar de diferentes momentos de socialização de informações, de avaliação do trabalho escolar, do desempenho dos seus filhos/as, de encaminhamentos administrativos, financeiros e pedagógicos da escola.
A inovação do Projeto de Escola no atual contexto da filosofia educacional para o campo, tem como referencial a discussão do papel social e político da ER, cujo objetivo passa a ser de:
- Tornar a escola do campo um centro de produção do conhecimento, capaz e disponível aos debates da promoção do desenvolvimento sustentável.
- Realizar uma escola aberta, cujos parceiros são os seus sujeitos participativos, criativos e críticos.
- Difundir e fomentar valores da pessoa humana, da cultura e do trabalho como direitos subjetivos do cidadão.
- Articular a ética, a estética, o diálogo na formação, elaboração, planejamento e avaliação do processo pedagógico.
- Considerar imprescindível as condições da elevação da autoestima como elemento propulsor dos fazeres e saberes dos sujeitos da escola.
- Garantir a participação ativa dos sujeitos da escola na perspectiva de proposição para a situação escolar e da comunidade.
- Garantir a construção da identidade sociocultural dos sujeitos escolares e da comunidade como um todo.
- Organizar o cotidiano escolar de forma a que os sujeitos e parceiros da escola produzam conhecimento; valorizem o meio rural, descubram potencialidades.
- Incentivar outros espaços de aprendizagem como formadores dos estudantes e contribuindo para o trabalho escolar.
- Promover a tomada de decisão como resultante do debate e enfrentamento e da avaliação detalhada, respeitando-se diferentes olhares e experiências.
Com isso, os sujeitos envolvidos (pais, alunos, professores e membros da comunidade), perceberam o diferencial que as escolas rurais conseguiram conquistar, inclusive no ambiente escolar e na alimentação, conforme podemos ver nas falas abaixo:
“A escola hoje está mais bonita e a gente sente feliz com tudo de bom que ela tem… vem até gente de fora, conhecer a escola da gente, o que estamos fazendo aqui”. (Odon, pai da EMMB – Eng Canavieiras)
“Antes não tinha nada, mas agora tem. Agora plantamos frutas e verduras, nas nossas roças, todo mundo tem que comer, pois é bom pra saúde, isso tudo aprendi na escola, nas pesquisas.” (Tiago, aluno da EMMB – Eng. Canavieiras)
Para organização do trabalho pedagógico utilizamos como principal instrumento orientador do planejamento do nosso trabalho, as fichas pedagógicas, cujo objetivo é trabalhar através de censos com temáticas da realidade do nosso município. O ponto de partida para realização do trabalho é a pesquisa feita pelos estudantes nas comunidades, diagnosticando e obtendo informações sobre diferentes dimensões das temáticas. O levantamento das informações, o aprofundamento em sala de aula, a sistematização dos dados ocorrem por meio de diferentes atividades individuais e coletivas dentro e fora da sala de aula, envolvendo outros profissionais e os pais, quando se faz necessário o aprofundamento de determinados assuntos, o que vem estimulando a participação, o envolvimento com a escola, a repercussão no município dos trabalhos desenvolvidos a partir das ações encaminhadas.
Assim, podemos apontar como etapas para a implementação da PEADS nas escolas, as seguintes atividades e/ou ações:
- Discussões sobre a realidade das escolas rurais;
- Planejamento das ações e atividades a serem realizadas com os estudantes, equipe escolar e comunidade;
- Momentos de estudos e de aprofundamento teórico-metodológico na escola e no município;
- Mobilização e sensibilização da comunidade escolar, dos pais, dos estudantes e das professoras;
- Enfrentamento do desafio de “aprender e ensinar juntos com os outros [pais e comunidade] como protagonistas do desenvolvimento, de sua escola, de sua comunidade.” (Queiroz, Diretora da EMMB – Eng Canavieiras)
- Desvincular a PEADS de concepções, tais como: pesquisa do IBGE e do Governo Federal para a desapropriação das terras pelo INCRA; fiscalização para aumento de impostos, e perceber a importância da pesquisa desde o início da escolarização (Josinele Ferreira, Diretora da EMAC – Eng Beleza)
Esses momentos tornaram-se formativos para toda a equipe escolar, que vem buscando cada vez mais, continuar sua formação inicial e uma formação continuada, nos cursos, leituras, estudos em grupo, participação em seminários, e intercâmbios político-educativos entre professores, estudantes, comunidades, como também na organização e acolhida de visitantes de outros estados e países, que veem conhecer nossa experiência, o que nos dá muita satisfação pelo reconhecimento do que estamos fazendo, nas nossas escolas.
Nossa prática foi redimensionada de uma proposta curricular arraigada culturalmente (com base na repetição do livro didático e na imitação da vida da cidade), para uma prática pedagógica, que a cada momento que realiza uma pesquisa, aprofunda, sistematiza e socializa com a comunidade – reinventa a escola e o jeito de fazer, gerando novos conhecimentos para toda a equipe escolar, estudantes e comunidade.
Cada resistência e dificuldade nessa vivencia tornaram-se desafios, motivos de estudo e de reflexão para nossa formação continuada e nossos planejamentos. A seguir colocaremos um quadro que resgatamos as principais dificuldades que vivenciamos nesse processo de implementação da PEADS em nossas escolas.
III – DIFICULDADES ENFRENTADAS E ESTRATÉGIAS DE SUPERAÇÃO
Dificuldades
| Estratégias de superação |
§ Conteúdos pré-estabelecidos e unificados
§ Conteúdos desarticulados entre si e com um projeto de escola
§ Escola descontextualizada da vida do campo | § A elaboração de um planejamento didático-pedagógico baseado em pesquisas e censos em diferentes áreas temáticas, como, por exemplo, meio ambiente, agropecuária e populacional como forma de conhecer a realidade rural, de ter um diagnóstico em suas diferentes dimensões. § A pesquisa da realidade como estratégia metodológica da construção e validação do currículo escolar. § Participação dos pais em atividades escolares como forma de dar uma nova configuração ao trato dos saberes. § Trabalho com projetos didáticos[2]
§ O trabalho escolar está direcionado por um projeto didático que articula saberes e sujeitos E os resultados passam a refletir na vida da comunidade. |
§ Infraestrutura precária e falta de equipamentos e materiais didáticos | § A partir da PEADS as escolas rurais passaram a ser vistas como espaço de construção de conhecimento e para tanto a comunidade passou a requerer uma estrutura física mais adequada. § A construção de materiais didáticos foi uma marca, da PEADS. O professor só enxergava os materiais vindos da Secretaria de Educação. Agora constroem e/ou ressignificam os materiais existentes no campo. |
§ Professorado sem formação inicial completa
§ Formação entendida como capacitação eventual e descontínua
| § Com o programa de formação continuada em serviço surgiu o incentivo à graduação e à pós-graduação. Hoje das 44 professoras 35% tem curso superior ou está cursando. § Formação em serviço nos estudos de grupos e reuniões de planejamento. Construção da biblioteca do professor para facilitar e estimular a leitura. § Discussão em grupo sobre as leituras realizadas e socialização da participação em seminários e eventos realizados por outras instituições. |
§ Professorado como repassador de conteúdo. | § A ER inovava-se e o professor junto com ela. De meros repassadores a condição de pensadores e produtores de conhecimento; § A PEADS significou uma pedagogia do sucesso tendo a produção do conhecimento uma ação compartilhada. |
§ Desconhecimento por parte dos professores do trato com o saber específico do campo | § O aluno, o professor e a família passam a ser o centro e o motivo da produção do conhecimento que se renovam constantemente. § Aulas de campo com a orientação dos pais, dos estudantes e de outros profissionais especialistas em temáticas agrícolas e agrárias. § Torna a pesquisa como principal instrumento de observação e de sistematização do saber. § O desdobramento multidisciplinar e interdimensional do trato com a sistematização das informações coletadas nos censos. |
§ Trabalhar em escola rural era tido como forma de: § Punição política § Acesso ao serviço público para depois se transferir para a sede do município § Local de Professores/as sem qualificação. . | § A realização de um concurso público específico para professor de ER compunha o novo cenário que favorece a sustentação da identidade profissional. § Com a PEADS os professores da ER passaram a ter uma nova identidade, hoje considerados como agentes de mudança. |
§ Estudantes desmotivados § Alto índice de evasão e repetência | § A avaliação permanente de todos os sujeitos da escola. A autoavaliação como ação que possibilita a (re) inversão dos sujeitos no trabalho escolar. |
§ As famílias não frequentavam a escola
§ Não participação dos pais e alunos às reuniões de mobilização e de sensibilização para realização das pesquisas | § Mobilização e sensibilização da comunidade escolar, dos pais, dos alunos e das professoras para as atividades realizadas pela escola. § Discussão da nova proposta envolvendo todos os setores da escola e as famílias. § Realização do planejamento das ações da escola com a comunidade de forma coletiva. § Formação de classe de alfabetização e de escolarização de jovens e adultos nas comunidades e mobilização dos pais para frequentar as turmas. § Formação de grupos de trabalho, do Conselho escolar e da Unidade Executora (Caixa escolar). § Enfrentamento do desafio de “aprender e ensinar juntos com os outros [pais e comunidade], que se tornaram protagonistas do desenvolvimento, de sua escola, de sua comunidade.” (Queiroz, Diretora da EMMB[3]) § A articulação e a parceria entre escola e família como indissociáveis na formação integral dos estudantes e no desenvolvimento comunitário. |
§ Falta de manejo com a aplicação da pesquisa censitária | § Das sessões de estudos e de experiências suscitavam as formas operativas dos itens do censo; § Os alunos aprenderam a significar cada dado levantado, contextualizando e construindo uma proposta de superação. |
§ Desintegração das ações das secretarias municipais | § Os trabalhos entre as secretarias passaram a ser integrados, pois visavam uma ação coletiva onde todos contribuíam ativamente para a concretização do mesmo ideal: uma escola de qualidade. |
§ Escola neutra sem compromisso com a história política, cultural e educacional da comunidade e do município. | § A PEADS propõe a cada dia a corresponsabilidade social para transformação da comunidade. Era preciso saber desde a origem aos movimentos da atualidade. |
§ A ER desarticulada da discussão e do movimento do desenvolvimento local, integrado e sustentável.
§ Escola isolada e desacreditada | § Sem descaracterizar a escola como instituição do ensino e da aprendizagem formais, as ER tornaram-se local de reuniões que discutiam os rumos da comunidade. § A devolução das informações coletadas na forma analítico-crítica e propositiva para a comunidade escolar. § Articulação entre as escolas e com outros municípios § Participação em eventos com apresentação de trabalhos para divulgação. § Participação em intercâmbio de experiências estaduais, nacional e internacional para troca de conhecimentos e práticas pedagógicas. § Promoção de visitas nas escolas de gestores públicos municipais, estaduais e federais, de universidades e de organizações da sociedade civil. |
§ A Escola do Campo não tinha acompanhamento e monitoria da coordenação pedagógica | § A elevação da autoestima da escola se entende até a coordenação pedagógica, tanto que acontecia mais atenção e acompanhamento. |
IV – PERSPECTIVAS DAS ESCOLAS DO CAMPO EM VICÊNCIA
Os resultados com relação ao desenvolvimento da proposta sinalizam com as seguintes perspectivas no que se refere:
- Aos impactos no atendimento quantitativo escolar, com o aumento das matriculas, a diminuição da evasão e da repetência;
- A melhoria significativa na organização material e do ambiente físico e afetivo das escolas;
- Os dados sistematizados pelos censos têm contribuído com informações relevantes para a comunidade e para a escolha dos caminhos para resolução dos problemas;
- Mudança de visão de mundo, quanto à função social da escola, a sua importância para a vida dos estudantes e da comunidade;
- A elevação da autoestima dos atores envolvidos, ao afirmarem, por exemplo, que “a escola faz parte de suas vidas”, que “vamos voltar a estudar, porque sempre é tempo de aprender”, e que podem “interferir no coletivo para pensar conjuntamente os melhores caminhos”.
[1]Este texto foi elaborado pelos educadores (as): Alda Marques de Araújo, Dalva de Moura Vieira e Jose Edson de Oliveira Lima.
[2] O projeto didático visa uma metodologia voltada para temas da realidade dos alunos propondo desta forma um trabalho sistemático envolvendo todos no processo de ensino aprendizagem.
[3] EMJEG – Escola Municipal Jacy Estelita Guerra, EMDAL – Escola Municipal Deoclides de Andrade Lima, EMAC – Escola Municipal Ana Coutinho, EMMB – Escola Municipal Methodio Barroso, EMBA – Escola Municipal Benjamin Azevedo, EMMR – Escola Municipal Miguel Ramos.