6.2. A PEADS em Vicência — Transformando o Município em Sala de Aula

A experiência da Peads em Vicência consolidou-se como um dos marcos mais significativos do processo de construção da Pedagogia de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável. O município se tornou um verdadeiro laboratório vivo de aprendizagem, onde a escola ultrapassou seus muros e passou a dialogar com a realidade local, integrando saberes, práticas e valores do cotidiano da comunidade.

Quando a proposta chegou ao município, a rede escolar enfrentava desafios comuns a muitas outras regiões rurais do Nordeste: evasão, desmotivação, baixa autoestima dos estudantes, dificuldades de aprendizagem e ausência de relação entre o que se ensinava e o que se vivia. A escola estava distante da vida das famílias e da cultura do campo. A Peads chegou para provocar essa mudança.

A chegada da Peads

O trabalho iniciou-se com a formação dos educadores. O primeiro passo foi desconstruir a ideia de que ensinar é simplesmente transmitir conteúdos. Nas formações, os professores eram convidados a refletir sobre o papel social da escola e sobre o sentido do conhecimento. As reuniões e oficinas tornaram-se espaços de diálogo, escuta e partilha de experiências. Cada educador era chamado a reconhecer-se como sujeito de transformação.

Em pouco tempo, as escolas começaram a desenvolver projetos de estudo voltados à realidade das comunidades. As crianças e os jovens passaram a investigar temas do seu entorno: a agricultura familiar, a produção artesanal, o saneamento, o meio ambiente, as tradições culturais e as histórias das famílias. O currículo se transformou em uma rede de significados, conectando o conteúdo escolar à vida.

O município como sala de aula

Uma das principais inovações da experiência foi a concepção de que o município inteiro poderia ser entendido como uma grande sala de aula. Isso significava que cada espaço — a feira, o engenho, o rio, o posto de saúde, o sindicato, a praça — era potencialmente educativo. Os alunos deixaram de aprender apenas nos livros para aprender com as pessoas e com os lugares onde viviam.

Essa ampliação do espaço educativo trouxe mudanças profundas nas relações entre escola e comunidade. Os pais, agricultores, líderes comunitários e agentes públicos passaram a participar ativamente das atividades escolares. A escola começou a planejar junto com a comunidade, e o conhecimento passou a circular de forma horizontal, valorizando os saberes locais e o diálogo entre diferentes formas de conhecimento.

Transformações visíveis

Os resultados começaram a aparecer rapidamente. A motivação dos alunos aumentou, o índice de evasão diminuiu e o envolvimento das famílias cresceu. As crianças passaram a se ver como pesquisadoras e protagonistas do aprendizado. Os professores, por sua vez, descobriram novas formas de ensinar e aprender. O ambiente escolar ganhou sentido, energia e vida.

Um exemplo marcante foi o trabalho com o tema da agricultura sustentável. Os alunos investigaram as práticas agrícolas de suas famílias, compararam com técnicas estudadas na escola e propuseram melhorias. A partir dessas atividades, muitas famílias passaram a adotar novas formas de cultivo, de aproveitamento da água e de preservação do solo. A escola tornou-se um centro de inovação e de disseminação de práticas sustentáveis.

Outro exemplo foi o estudo sobre o patrimônio cultural do município. As crianças entrevistaram moradores antigos, coletaram histórias, músicas, receitas e costumes, e organizaram uma exposição chamada “Vicência conta sua história”. O projeto envolveu toda a comunidade e despertou orgulho pela cultura local. Os alunos descobriram que aprender também é valorizar suas raízes.

Os educadores como protagonistas

Os professores foram os grandes articuladores dessa transformação. Com o apoio do Serta, aprenderam a planejar as aulas de modo interdisciplinar e participativo. As formações oferecidas pela equipe pedagógica da Peads tornaram-se momentos de estudo, análise e sistematização das experiências. Cada educador era convidado a refletir sobre sua prática, escrever sobre ela e compartilhá-la com os colegas.

Essa atitude gerou uma nova cultura profissional: o professor pesquisador, o professor reflexivo, o professor que aprende com a própria experiência. As reuniões pedagógicas deixaram de ser burocráticas e se transformaram em espaços de produção coletiva de conhecimento. A cada encontro, novas ideias surgiam e novas práticas eram testadas nas escolas.

Aprendizagens e desafios

O processo de implantação da Peads em Vicência também trouxe desafios. Foi necessário romper com velhos hábitos e resistências, superar a insegurança diante do novo e enfrentar a pressão de um sistema escolar ainda muito centrado em resultados quantitativos. Porém, o compromisso dos educadores e o envolvimento da comunidade foram fundamentais para sustentar a mudança.

A principal aprendizagem dessa experiência foi compreender que a escola pode ser um espaço de transformação social quando se reconecta à vida e assume seu papel político-pedagógico de formação integral do ser humano. O município de Vicência mostrou que é possível construir uma educação contextualizada, sustentável e participativa, mesmo diante das dificuldades estruturais.

Conclusão

A Peads em Vicência não foi apenas um projeto pedagógico, mas um processo de reconstrução cultural e social. Transformou a forma de pensar e viver a educação. O município, antes visto apenas como território administrativo, passou a ser compreendido como território educativo — um espaço de aprendizagem, convivência e cidadania.

Essa experiência demonstrou, na prática, que a educação ganha sentido quando se faz com as pessoas e para as pessoas; quando o saber escolar se integra ao saber da vida; quando a escola se abre para o mundo e o mundo entra na escola. Foi assim que Vicência se transformou em uma sala de aula viva — um exemplo concreto

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