6.1. Como vivenciamos a sistematização

Quando se fala de sistematização, geralmente a primeira ideia que vem à cabeça é a de ordenar, classificar, colocar em sequência lógica ou registrar uma experiência. No entanto, o conceito de sistematização que orienta a Peads vai além dessa dimensão técnica e instrumental. Ele é parte de um movimento de reflexão crítica e de produção de conhecimento a partir da prática, que tem como fundamento a leitura e a compreensão da realidade vivida.

A sistematização é, portanto, um processo coletivo de análise e interpretação das experiências realizadas no contexto educativo, de modo que delas se extraiam aprendizagens, sentidos e princípios que possam orientar novas práticas. Não é apenas o registro do que foi feito, mas a busca por entender por que se fez, como se fez, o que se aprendeu e quais os novos desafios que emergem.

Na perspectiva da Peads, a sistematização é um ato pedagógico e político. Pedagógico porque envolve intencionalidade educativa e porque se aprende com o próprio ato de sistematizar. Político porque afirma a capacidade dos sujeitos — educadores, educandos e comunidades — de produzirem conhecimentos sobre suas próprias práticas, reconhecendo-se como protagonistas e autores de saberes significativos.

Durante o processo de construção da Peads, o Serta vivenciou a sistematização não como um momento isolado ou posterior às ações, mas como parte integrante da prática educativa. Cada etapa, cada oficina, cada formação foi também um espaço de leitura e releitura do vivido, de compreensão das transformações que se produziam nos sujeitos, nas comunidades e nas escolas.

Essa vivência se deu a partir de três movimentos articulados:

1. O movimento da experiência vivida

As ações concretas desenvolvidas junto às escolas, professores, estudantes e comunidades rurais foram a base do processo. O fazer educativo era o ponto de partida da reflexão. Ninguém sistematiza o que não vive. O trabalho cotidiano, as dificuldades, os acertos e as descobertas constituíam a matéria-prima do pensamento coletivo.

2. O movimento da reflexão

A cada experiência, a equipe do Serta e os educadores envolvidos eram provocados a refletir sobre o vivido. O que essa prática revelou sobre a escola, sobre a comunidade, sobre os alunos? Que valores estavam sendo afirmados? Que concepções de educação se manifestavam? Essa reflexão permitia compreender o sentido das ações e perceber as mudanças que iam acontecendo nas pessoas e nos contextos.

3. O movimento da comunicação

A partilha das experiências foi outro elemento essencial. A socialização dos registros, dos depoimentos, dos textos e relatórios permitia que outros educadores e comunidades aprendessem com as práticas desenvolvidas. O diálogo entre diferentes experiências favorecia a identificação de princípios comuns e a construção de um corpo teórico-metodológico coletivo.

Esses três movimentos — experiência, reflexão e comunicação — configuram o que chamamos de processo contínuo de sistematização. Não há um momento em que se diga: “agora vamos sistematizar”. A sistematização está presente em todo o percurso, desde o planejamento até a avaliação. É uma atitude permanente de leitura crítica da realidade.

A importância da memória e dos registros

Embora a sistematização não se reduza ao registro, o ato de registrar é um componente fundamental. Ele permite guardar a memória das experiências, tornando visíveis os caminhos percorridos e as aprendizagens construídas. Na Peads, os registros assumem várias formas: diários de campo, atas, relatórios, produções dos educandos, fotografias, desenhos, gravações, vídeos e textos reflexivos.

Cada educador e educadora é chamado a ser sujeito da escrita, a narrar sua própria história e a das pessoas com quem trabalha. Escrever é um modo de compreender-se e de compreender o mundo. É também um exercício de autoria e de empoderamento. Quando o educador escreve sobre sua prática, ele a ressignifica e a transforma em conhecimento compartilhável.

A sistematização como construção de identidade

No contexto da Peads, a sistematização não é apenas um instrumento de avaliação ou divulgação. Ela é um processo de construção de identidade coletiva. Ao sistematizar, o grupo se reconhece como sujeito histórico, capaz de interpretar a própria trajetória, identificar seus princípios e projetar o futuro desejado.

Por isso, a sistematização está profundamente ligada à visão de mundo e aos valores que orientam a Peads: a valorização da vida, da solidariedade, da cooperação, da sustentabilidade e da autonomia dos sujeitos. Ao narrar suas práticas e refletir sobre elas, os educadores reafirmam esses valores e fortalecem a convicção de que outra educação é possível — uma educação que nasce da vida e retorna a ela, transformando-a.

Conclusão

Vivenciar a sistematização é, portanto, viver um processo de aprendizagem permanente. É olhar para o vivido com olhos críticos e sensíveis, perceber o que nele há de singular e de universal, de particular e de coletivo. É reconhecer que cada experiência contém uma sabedoria e que, ao ser compartilhada, pode inspirar novas práticas e novas compreensões.

Assim, a sistematização na Peads é mais que um método: é uma postura ética, estética e política diante da vida, do conhecimento e da educação.

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