2. JUSTIFICATIVA DA TESE DO TEXTO SOBRE A PEADS
Nos dias 4 e 5 de julho de 2002, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – Contag, realizou uma oficina sobre Educação Rural com representantes de todas as 24 federações estaduais, que contou com representantes de ONGs, movimentos sociais e universidades, no total de 96 pessoas. O objetivo dessa reunião foi discutir estratégias para avançar na implantação das Diretrizes Operacionais do Conselho Nacional de Educação, para a Educação no Campo. Esse mesmo grupo esteve reunido, em setembro de 2001, para preparar a audiência pública com a Câmara Técnica de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, realizada no dia 02 de outubro de 2001, com os movimentos sociais.
No dia 8 de agosto de 2001, houve a audiência com as instituições governamentais. Graças a essas duas reuniões de 2001 e às articulações da Contag, as propostas desse grupo foram inseridas no parecer da relatora Edla Soares número 36/2001, aprovado pelo pleno do Conselho na sessão do dia 04 de dezembro de 2001, que, por sua vez, foi homologado pelo ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, no dia 12 de março de 2002. Também foram incorporadas na Resolução número 01, de 3 de abril de 2002, que instituiu as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (Doec).
A aprovação pelo pleno do Conselho Nacional de Educação e a respectiva homologação pelo ministro da Educação elevaram a Educação Rural para um novo patamar. Pela primeira vez no Brasil, a Educação Rural passou a ter normas definidas na legislação escolar. Passou a existir um marco legal de legitimação e reconhecimento das mais diversas iniciativas e experiências dos movimentos sociais, das ONGs e instituições que atuavam na Educação Rural. O que antes se fazia como iniciativa particular, como laboratório, como risco e ousadia, como experiência localizada no espaço micro, passou agora por um processo de reconhecimento legal, oficial e público.
Isso quer dizer que os sistemas públicos de Educação agora vão correr atrás do tempo para incorporar essa nova preocupação. Como as experiências de Educação no campo dos sistemas oficiais são raras, a procura vai ser intensa onde elas existem, onde estão comprovando resultados e validando metodologias. Os próprios técnicos e gestores dos sistemas oficiais de ensino (MEC, secretarias estaduais, secretarias municipais, universidades) foram pegos desprevenidos. Não imaginavam a diversidade e a riqueza de experiências existentes sem o respaldo de marcos legais oficiais.
Por outro lado, os movimentos sociais estavam acostumados a desenvolver práticas educativas no campo não-formal ou informal. Os sistemas de ensino e a Escola Formal não fizeram parte das suas reivindicações. O descrédito nos sistemas formais e na Escola era tão grande que quem quis fazer mudança social, política, econômica preferiu investir sempre em formas, espaços, oportunidades de Educação mais livres, criativas e inovadoras do que na Escola Formal. A Educação Popular não investiu na Educação Formal.
O desafio da interação entre o mundo formal e o não-formal foi resultado das mudanças dos países socialistas europeus, no final da década de 80 e início de 90. A Contag vem dando um salto de qualidade ao colocar a Educação Formal na sua agenda e pauta de reivindicações, proposições e planos de ação. Uma outra constatação é que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável – CNDRS, concluiu, também, que não poderia ter êxito se não incorporasse nos seus debates e nas suas proposições o novo papel da Educação Rural – ER.
Enquanto a Contag e o CNDRS estão levantando essas oportunidades, os estados e os municípios estão preparando seus planos estaduais e municipais de educação. O Conselho Nacional dos Secretários de Educação – Consed, foi um dos organismos oficiais surpreendidos pelas Doec e tem que correr atrás para incorporar nas suas preocupações a Educação Rural. A União Nacional dos Secretários Municipais de Educação – Undime, mais sensível à questão, está multiplicando eventos de estudo, divulgação sobre as Doec.
Em termos de experiências concretas, a Contag e o Movimento Social têm se articulado com a União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas – Unefab, e Associação Regional das Casas Familiares Rurais – Arcafar. Essas duas experiências, que usam a pedagogia da alternância, constituem a mais sólida experiência de Educação Rural no Brasil. No entanto, das experiências de Educação Rural no sistema municipal de ensino, nas escolas públicas, há poucas referências básicas: a utilizada pelo município de Curaçá (BA), assessorada pelo IRPA; outra, utilizada por municípios da área sisaleira da Bahia, assessorada pelo MOC, de Feira de Santana, e a do Serta, utilizada em municípios da Zona da Mata e o Agreste de Pernambuco. O MOC utiliza a proposta original da Peads. Todas essas três experiências tiveram uma inspiração comum: o Programa de Apoio à Educação Rural – PAER, de Campina Grande (PB), que instituiu as Escolas Roçados.
Existem poucas experiências de Educação Rural no sistema de ensino municipal. No entanto, a demanda por elas vai ter um crescimento grande, por conta das Diretrizes Operacionais. A Peads ainda não tem uma sistematização completa, e o material escrito sobre ela mesma está difuso em mais de cem documentos. Além dessas perspectivas de valorização da experiência, o BNDES está aprovando um projeto para que o Serta faça a sistematização da experiência e do currículo. Além desses elementos externos, existe a demanda e a procura de gestores públicos em procurar apoio e orientação do Serta.
Há também uma demanda interna dos educadores do Serta para aprofundar e sistematizar a Peads. A Peads vem se tornando a identidade principal do Serta ou a sua diferença. A proposta transcendeu uma experiência de educação escolar formal e vem se tornando uma proposta aplicada a outros projetos que envolvem processos formativos não-formais. O mesmo aconteceu em Vicência e São Benedito do Sul, onde as prefeituras transcenderam a Proposta para fazer dela um referencial central para as demais atividades desenvolvidas nesses municípios.
Além das necessidades internas da equipe do Serta, eu, como criador inicial da Proposta e protagonista principal, sinto-me desafiado a fortalecer os seus fundamentos teórico-metodológicos e as suas bases científicas e a confrontá-los com outras práticas e teorias existentes.