CONSÓRCIO DOS MUNICÍPIOS NA ZONA DA MATA – PE
Catende, Panelas, São Benedito do Sul e Vicência
RELATÓRIO DA SEGUNDA ETAPA DA CAPACITAÇÃO
Maio e junho de 1999
ENCONTROS DE APROFUNDAMENTO DA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO PARA APOIAR O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COM EDUCADORAS/ES DE APOIO, SUPERVISORAS/ES, DIRETORAS/ES DE ESCOLA, COORDENADORAS/ES E GESTORAS/ES
SEGUNDA ETAPA DA CAPACITAÇÃO NOS QUATRO MUNICÍPIOS
MAIO E JUNHO DE 1999
EQUIPE TÉCNICA RESPONSÁVEL
- ABDALAZIZ DE MOURA XAVIER DE MORAES
- ANTÔNIO ROBERTO MENDES PEREIRA
- FRANCISCO DAS CHAGAS DANTAS
- LAEL GOMES PONTES
- ELIO JOSÉ DE SOUZA
- LUIZ. F. C. ALVES DA SILVA
- RILDO TOMÉ DE GOUVEIA
- SEVERINO R. LOPES JÚNIOR
SERVIÇO DE TECNOLOGIA ALTERNATIVA
Rod. PE 50 Km 14, Campo da Sementeira – Zona Rural
CEP 55620-000 – Glória do Goitá – PE
Fax: (081) 3658.1265 – Tel.: (081) 3658.1226
e-mail: [email protected]
APRESENTAÇÃO
Este relatório refere-se à segunda etapa da atuação do SERTA junto aos quatro municípios da zona da mata de Pernambuco, que organizaram o CONSÓRCIO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. Em 1999. A primeira constou da articulação inicial nos quatro municípios e da capacitação das pessoas mais envolvidas no Programa da Bolsa Escola: as mesmas desta etapa, mais as professoras/es e monitoras/es, do mês de fevereiro ao início de maio. O relatório encontra-se disponível no SERTA e nos municípios. A segunda constou do balanço avaliativo com um grupo menor em cada município e um aprofundamento. Desta vez, as monitoras/es e professoras/es não participaram, exceto no município de São Benedito do Sul, que envolveu as mesmas pessoas da primeira etapa. Além dos encontros programados desde o início do ano, no calendário dos municípios com o SERTA, vários encontros foram realizados no processo de monitoramento, após a capacitação inicial em cada município. O projeto do Consórcio dos municípios com o SERTA não é só de eventos de capacitação, mas de um conjunto de ações desenvolvidas de forma permanente em cada município. Todas estas ações não são objeto desse relatório. Esse consta apenas dos eventos com a participação do SERTA. Cada município está encontrando formas de registrar suas próprias atividades e experiências neste processo.
As atividades da segunda etapa nos meses de maio e junho, constaram de:
- Presença de 4 técnicos do SERTA que permaneceram nos municípios em média 3,5 dias por semana. No primeiro momento todas as semanas, no segundo momento, em duplas, semana sim e semana não. O município de Panelas foi uma exceção, por conta das capacitações iniciais se estenderem durante os meses de março e abril.
- Durante esse período, os técnicos visitaram escolas, comunidades, engenhos, mantiveram contato com educadoras/es, professoras/es, alunos e familiares. Essas visitas, às vezes eram programadas e acompanhadas com as educadoras/es de apoio, às vezes era só do técnico do SERTA.
- Encontro de dois dias, programado no calendário inicial, para o primeiro balanço com os coordenadores e gestores municipais, aprofundamento e replanejamento.
- Encontros extras, programados pelo município, que contaram com a participação do SERTA. Foram de natureza variada. Ora em função de aprofundar a aplicação das FICHAS PEDAGÓGICAS, ora de analisar uma dificuldade específica, ora de socializar os dados do Censo Agropecuário, ora de um momento de reforço e aprofundamento ou de uma capacitação específica.
1. OS RESULTADOS ALCANÇADOS DURANTE O I SEMESTRE DE 1999
De formas diferentes, os resultados foram apresentados pelos municípios tanto nas reuniões dos dois dias, como relatados em outros momentos. São resultados que se articulam uns com os outros. É difícil falar de um de forma isolada, sem a referência a outros. Por razões didáticas, vamos tentar identificar alguns e enumerá-los, fazendo uma rápida descrição e reflexão sobre os mesmos, retomando as discussões feitas nos municípios.
1.1. O impacto nas famílias
Na quase totalidade das escolas, a Proposta de Educação para apoiar o Desenvolvimento Sustentável (PEADS) do município foi precedida por uma reunião com as famílias dos alunos. Onde não foi realizada, ou onde não foi bem preparada, ficou evidente a desvantagem em relação aos locais onde se fez com preparação.
No mesmo período de tempo, semana ou quinzena, todas as escolas rurais (S. Benedito, fez também nas escolas urbanas até a oitava série. Panelas na área urbana, não começou pelas residências dos alunos, cada escola assumiu bairros da cidade) levaram as mesmas perguntas para dentro de todas as casas que tinham alunos nas escolas. Eram as primeiras perguntas do Censo Agropecuário da Comunidade. Censo esse a ser construído com a participação dos alunos, das famílias e da escola. As perguntas constam da primeira etapa da FICHA PEDAGÓGICA (FP). Vamos ilustrar só algumas:
- Quem da minha casa está pensando em plantar no próximo inverno?
- Quem já tem terra para plantar?
- Quem ainda não tem?
- A terra já está preparada? Qual o seu tamanho?
- Vai plantar o que? Quem já tem semente e quem não tem?
As perguntas foram levadas aos poucos para as famílias. Os familiares respondiam e os alunos/as levavam para a classe para ser computada e desdobrada com a professora/or ou monitora/or.
As perguntas colocaram um fato novo dentro e fora da escola, dentro e fora da família. Mais de 15.000 famílias, média de 60.000 pessoas na zona da mata, passaram a se fazer e a responder perguntas desse porte. Alunos/as e professoras/es debruçaram-se sobre esses dados semanas inteiras.
Para compreender bem o efeito do reboliço que essas perguntas provocaram, é preciso ter em mente, que as famílias da zona da mata, não têm o hábito e o costume dos agrestinos e sertanejos, de se prepararem para o plantio no inverno. A tradição da zona canavieira no inverno é de desemprego na entressafra ou plantio de cana-de-açúcar. A terra era propriedade dos engenhos e usinas. Em outras palavras: não exige gestão da família, planejamento, preparação. O feitor e o capataz do engenho ou da usina é quem decide o que, como e aonde plantar. O trabalhador é só mão-de-obra, não faz esforço intelectual. As crianças levaram para dentro de suas famílias uma preocupação nova, para com a renda, o trabalho, os recursos materiais e humanos, para a gestão da família e para a ocupação da terra. O resultado desta metodologia a médio e longo prazo poderá alcançar níveis de mobilização inimagináveis, se for bem e corretamente, conduzida.
1.2. O interesse pela terra e pelo plantio
Algumas reações foram imediatas. O testemunho é geral nos 3 municípios que tiveram chuva:
- Nunca se plantou tanto.
- Nunca houve tanto interesse das famílias em se mobilizar para conseguir terra e semente.
- Sindicato dos trabalhadores rurais e a prefeitura nunca foram tão assediados.
- A prefeitura de São Benedito se viu instigada a alugar um trator para dar conta da demanda de plantio.
- Os engenhos e as usinas foram procurados para ceder terra para o plantio.
- Mutirões foram organizados em algumas comunidades.
- Os espaços disponíveis nas escolas passaram a ser ocupados com plantio. Outras escolas conseguiram mais espaço nos engenhos.
- Municípios tiveram que comprar sementes, além da pouca cota do Estado, distribuir de forma diferente do Estado.
- Comunidades organizaram bingos para comprar sementes.
- Quem possuía semente, emprestou a quem não tinha.
Os moradores dos engenhos viram a terra ocupada com outras lavouras, sem ser cana. Passaram a ver na terra uma fonte de renda complementar à renda monetária do salário ou da Bolsa Escola. Essa experiência é apenas a ponta de um iceberg, a ponta de um novelo de linha, em apenas três meses e meio da aplicação da proposta.
1.3. O trabalho, a terra e a lavoura como objeto de estudo.
Levando essas preocupações através da escola, as crianças provocaram também as famílias a pensarem no papel da escola. Como é essa história?! Porque esse interesse da escola em discutir essas perguntas?! O que ela está querendo?! Desde quando isso é preocupação da escola?! Formuladas de forma consciente ou não, essas perguntas sugerem um outro papel pedagógico, social e político da escola.
De repente, as famílias passam a perceber que sua realidade tem sentido para a escola, interessa a ela, ao ensino e a aprendizagem. Sentem que seu cotidiano está sendo observado, registrado e valorizado pela escola. Em outras palavras, que seu trabalho, seus saberes, suas práticas agora estão interessando a escola. Mesmo com todas as dificuldades e limitações da aplicação da PEADS, da inexperiência inicial, a pesquisa dos alunos nas famílias sugerem uma nova função para a escola em relação a vida, ao saber.
Um fato inédito aconteceu em relação a distribuição de sementes em São Benedito do Sul. Em geral a distribuição de sementes, quando fornecida pelos governos federal ou estadual é feita pela EMATER. ou então por cabos eleitorais. Os técnicos anotam os nomes das famílias de uma comunidade e distribuem a quantidade de sementes definida pelo governo. Mesmo que essa precise mais ou não plante, recebe a mesma quantia. Muitas famílias comem a semente ou vendem em vez de plantar. Tem acontecido de faltar semente ou de sobrar. Alguns “expertos” tentam receber uma segunda vez, em nome de um parente ou conhecido.
Em São Benedito, algumas escolas estavam com os dados de cada família da comunidade em relação a sementes, quem já possuía, quem não, quais os tipos. As sementes adquiridas pelo município foram distribuídas pelas escolas, cada família recebendo de acordo com a sua necessidade. Foi um número reduzido de escolas. A escola aparece com uma função totalmente nova em relação às suas funções tradicionais. Olhando fora do contexto, pode parecer até um absurdo!
Como é esse negócio?! As crianças deixando de estudar para distribuir sementes?! Mas isso é uma arbitrariedade! Isso não é função da escola! Nunca foi, nem será! A função da escola é ensinar a ler e escrever.
Uma pessoa que olha assim esquece que todos esses dados serão transformados em operações matemática, em percentual, em fração, em estudo dos recursos da comunidade, em texto, teatro, em cidadania e profissionalização.
1.4. Repensando o papel da Bolsa Escola
Para que o governo federal oferece uma bolsa? Tem sido uma discussão difícil de ser feita desde que começou o Programa Bolsa Escola. Muitas famílias recebem como compensação, esmola, emergência, com toda a carga cultural e histórica que existe na zona da mata. Fazer entender que essa Bolsa pode ajudar não só a sobrevivência imediata, mas também a descobrir formas de vida mais digna no futuro; fazer entender que essa Bolsa não só enche a barriga, mas também enriquece as cabeças e as ideias; fazer entender que a Bolsa não é só para deixar a criança na escola e fora do trabalho pesado, mas também para a família aprender a viver melhor e o filho se profissionalizar; tem sido tarefa difícil.
No entanto, o contexto das FP e do Censo Agropecuário, ofereceu um gancho de ouro para essa discussão. O fato de que a Bolsa Escola está ajudando as famílias a se organizarem para o trabalho, para a produção, para a gestão da terra, para a geração de renda, para a melhoria da qualidade de vida, para a profissionalização dos filhos, para a participação na vida da comunidade, para a construção de um futuro melhor, tem sido um argumento forte para a ressignificação da Bolsa Escola.
1.5. O papel do SERTA
O SERTA tem atuado como um parceiro estratégico dos municípios, oferecendo capacitação, assessoria e monitoramento para a implementação da PEADS. O SERTA tem sido um facilitador do processo, ajudando os municípios a construírem suas próprias propostas de educação para o desenvolvimento sustentável.
1.6. O papel do município
O município tem assumido um papel central na implementação da PEADS, demonstrando compromisso político e investindo na capacitação de seus educadores. A participação das autoridades municipais, dos gestores e dos diversos segmentos da sociedade tem sido fundamental para o sucesso da Proposta.
2. AVALIAÇÃO DA 2ª ETAPA DA CAPACITAÇÃO
A avaliação da segunda etapa da capacitação foi realizada em cada município, com a participação dos coordenadores e gestores. Os resultados foram positivos, evidenciando o avanço na compreensão e aplicação da PEADS.
3. ENCAMINHAMENTOS
Os encaminhamentos para a continuidade do trabalho incluem a realização de novas oficinas, a ampliação da participação dos sujeitos sociais, a consolidação das Fichas Pedagógicas e o fortalecimento do Consórcio dos Municípios.
Cabo de Santo Agostinho, junho de 1999.