4.5.6 FORMAÇÃO DAS PROFESSORAS DO CAMPO DE VICÊNCIA

FORMAÇÃO DAS PROFESSORAS DO CAMPO DE VICÊNCIA – PE

A CONCEPÇÃO PEDAGÓGICA DA PEDAGOGIA NO MUNICÍPIO

No ano de 1998 o Serta realizou oficinas de Educação do Campo em vários municípios e mensalmente realizava uma oficina temática regional com a participação de até 16 municípios. Esse é de uma municipal. O Município de Vicência foi fundamental na Educação do Campo, pois toda a gestão da prefeita Eva Andrade Lima, Secretária Sara Lima, Diretora de Ensino Ilza André Vicente às professoras assumiu a proposta e todas participavam das oficinas com o Serta e a supervisão pedagógica participava das reuniões de monitoramento. A sistematização da experiência encontra-se no livro Múltiplos Olhares sobre uma Experiência Pedagógica, 2005 coordenada pela professora Socorro Silva da UNB, hoje na UFCG.

LOCAL: VICÊNCIA

DATA: 09 e 10 de outubro de 1998

DIA 09/10/98

1. PRIMEIRO MOMENTO DA OFICINA:

A apresentação foi feita, a partir de duas perguntas colocadas por Moura, educador do SERTA:

1. Qual seu nome e

2. Qual a matéria que você mais gosta de ensinar e a que não gosta de ensinar?

Em seguida, Moura fez uma explanação geral sobre o tema da oficina. Sendo a primeira oficina que o SERTA estava fazendo em um município com o programa apenas iniciando, a proposta, seria começar discutindo a concepção que existe sobre o Programa, por parte dos familiares, das crianças e adolescentes, das professoras, monitoras, gestores e políticos. A partir deste ponto, seria aprofundar o sentido da Escola, o papel e função que a mesma exerce nas pessoas, a relação desta com o novo Programa da Bolsa Escola. Que concepção precisaria ser construída para que tal união, pudesse dar frutos.

I. PRIMEIRA PARTE: A PESQUISA SOBRE O QUE PENSAM A RESPEITO DO PROGRAMA BOLSA ESCOLA

1. PESQUISA EM GRUPO

Os presentes foram divididos em seis grupos para discutir a seguinte questão: O que dizem a respeito do Programa Bolsa Escola os seguintes sujeitos sociais? Cada grupo tratou de um sujeito social específico. Depois de 30 minutos, os grupos receberam a tarefa de expor em plenária as respostas de forma diferente uma das outras.

Grupo A – as crianças

– O grupo que estudou os comentários das crianças apresentou em forma de uma carta de um aluno a sua avó, contando as novidades que estavam acontecendo na escola, entre estas: 8 horas na escola, tendo que acordar mais cedo, com um bom almoço, mas esporte e alegria

Grupo B – os familiares, pais e mães

– Este grupo apresentou em forma de dramatização, sob a relação de duas famílias com os filhos e uma sala de aula. A apresentação relacionou os seguintes entendimentos:

– A mãe normalmente acorda as crianças, sem atender a moleza das mesmas, para ir a escola e não perder a bolsa

– A outra mãe também considera a escola em função da bolsa/dinheiro

– A mãe diz graças a Deus por ir a escola ajudar na merenda

– A interpretação das famílias normalmente agradece por ter o dinheiro

– Que nas escolas deve ter a alimentação

– A preocupação de não faltar alimentação

Grupo C – os políticos

Este grupo apresentou em forma de comício dois discursos dos políticos:

– Apresentação de candidatos contra o programa, colocando que ele só dura no período de eleição e a finalidade seria meramente eleitoreira.1

– Apresentação de candidatos a favor do programa, como necessidade da população atendida pelo governo.

Grupo D – os professores e diretores de escolas

– Apresentaram em forma de receita de bolo, explicando os ingredientes, e a forma de preparar o bolo. Salientaram:

– frequência, motivação, carinho, atenção, assistência, entrosamento dos funcionários, responsabilidade, apoio das autoridades.

– Dosando todas as quantidades em gramas e quilos. Onde o componente que entrasse mais no bolo, era o que tinha maior importância para que o mesmo ficasse bom.

Obs: ao contrário de alguns municípios antigos no programa, as professoras da rede regular e diretores estão colaborando muito para o bom desempenho do mesmo.

Grupo E – as monitoras

– Este grupo apresentou em forma de programa de rádio, constando de músicas e entrevista com uma aluna do Programa comentários sobre o mesmo. Salientaram:

– Geração de emprego e renda

– Os pais ganham uma renda extra

– As crianças aprendem muito mais

– Tem dificuldades, mas superamos

– Vantagens: ensinar é ter uma troca de experiência

Grupo F – povo em geral

– Este grupo salientou opiniões a favor e contra o projeto. O argumento maior dos contra é que é um programa eleitoreiro:

Obs: Diferente dos municípios antigos, o Programa chegou em Vicência como nos demais municípios novos no segundo semestre de 1998, período de campanha.

2. CONTINUIDADE DA PESQUISA EM PLENÁRIA:

A plenária completou outros aspectos que não foram salientados nas apresentações

▪ Que as crianças passaram a viver mais na zona rural

▪ Acabou com a exploração de menores no trabalho pesado

▪ Está havendo mais integração da família com a escola

▪ As crianças passam mais tempo na escola

▪ As mães dizem que seus filhos gostam da merenda, que o cardápio é bom

▪ Escola rural mais valorizada, desperta até ciúmes na da cidade

▪ Escola rural com outra visão, com autoestima: “finalmente se lembraram de nós!”

▪ Escola não mais isolada, diminuiu as multiseriadas

▪ A família ganha R$ 50,00 por dois filhos na escola

▪ O município recebe R$ 25,00 por cada criança no projeto

▪ As duas secretarias municipais, educação e ação social respondem pelo Programa e integra outras

▪ Quem fiscaliza é a Comissão municipal

3. APROFUNDAMENTO SOBRE AS CONCEPÇÕES A RESPEITO DO PROGRAMA

As pessoas são mais sensíveis ao recurso financeiro, percebem com mais facilidade esta inovação do Programa. Quem está envolvido na orientação, execução do Programa gostaria de ver as pessoas se interessarem mais por outros aspectos, como a melhoria de condição do ensino/aprendizagem, um novo papel da escola, a importância das famílias se integrarem mais com a escola etc. Mas na verdade, o comum dos mortais é se interessar pelas necessidades mais imediatas e sensíveis. Cabe aos educadores partir deste ponto para que as pessoas envolvidas possam descobrir os outros valores.

Por exemplo, teve família que só queria deixar um filho na escola, porque tinha mais e a bolsa de dois era igual a de um. Hoje evoluiu e já se dispõe a pôr os filhos na escola, mesmo que a bolsa se acabe. A bolsa é uma coisa muito boa, mas como tudo na vida, é contraditória. Com ela, as pessoas poderão entender melhor o programa, participar melhor da vida da escola e da comunidade, se organizar melhor na sua produção, encontrar alternativas de renda, descobrir a importância da educação. Mas também pode se viciar, achar que quem tem que tomar iniciativa é o governo, são os outros, ou receber a bolsa como esmola, sem nenhuma exigência, como se a obrigação do governo fosse dar por dar, e não tentar contribuir com a melhoria das condições de vida.

Tem havido algumas distorções, que os municípios novos têm condição de evitar. Por exemplo, a ideia de que qualquer coisa para criança rural e pobre é suficiente, não precisa caprichar na qualidade, nas condições materiais, no nível das educadoras. Outra ideia que tem confundido, é a relação da jornada regular com ampliada, como se fosse dois tipos de educação, dois tipos de escola, dois tipos de programa e dois tipos de público alvo. Há municípios que não conseguem abrir o sistema escolar tradicional com a introdução de novos elementos.

No município de Vicência, o programa tem os elementos suficientes para ter uma concepção mais ampla de educação, para abrir a escola para a comunidade e vice-versa, para tirar proveito da passagem de tal programa, para criar alternativas mais estruturadoras no município. Por isso, escolhemos a temática da concepção pedagógica do Programa. Vamos aprofundar esta temática de diversas formas. Uma Segunda oficina, entraremos mais nas questões pedagógicas.

II. SEGUNDA PARTE: APROFUNDAMENTO DOS PONTOS LEVANTADOS NA PESQUISA INICIAL

1. O PAPEL DA ESCOLA

O estudo da tarde foi sobre as concepções de escola que se tem. Em seguida, o que foi introduzido na concepção de escola rural, a partir do Programa Bolsa Escola.

1.1. O que tem perto da escola?

Olhar por perto e ao redor da escola foi uma discussão, que foi até ao final da oficina. Perguntar pelo que está perto, é uma forma de estimular a visão da escola para o seu entorno, para aquilo que está para além de suas paredes e do seu sistema institucional, mas, no entanto, está muito perto da vida das pessoas, dos alunos (as), das famílias. A relação destas coisas foi completada no segundo dia. Neste primeiro levantamento, os participantes descobriram poucas coisas.

1.2. Função da escola

A esta pergunta, o grupo inicialmente se amarrou um pouco. Era a hora do sono, mesmo assim, houve uma contribuição. O educador Roberto passou fichas para em duplas escreverem então, para que estudar? A contribuição foi bem maior. Algumas ideias foram repetidas ou muito semelhantes.

• Formar cidadão críticos e informados

• Formar agentes de mudança

• Produzir conhecimento da realidade

• Fixar as pessoas no campo

• Conscientizar alguém na vida

• Integrar o aluno na sociedade

• Formar cidadãos éticos, responsáveis, despertar para religião, estimular e criar valores

• Promover a participação da comunidade

• Buscar meios de construir um plano de educação voltada para valorizar as coisas do município

• Tornar as pessoas conscientes e conhecedoras de seus direitos e deveres

• Conscientizar os alunos para o trabalho da agricultura

• Ter um futuro melhor

• Para ser alguém alcançando ser um sujeito que busque seus objetivos

• Ser no futuro um cidadão de mente aberta

• Ser útil a sociedade

• Desempenhar seu papel de cidadão

• Ser agente transformador adquirir conhecimento e renovar–se sempre

• Educar, ensinar a ler e escrever

• Sistematizar o conhecimento tradicional

• Socializar o conhecimento escolar

• Produzir culturas

• Profissionalizar

• Despertar habilidades

• Estimular a educação física e os esportes,

• Adquirir conhecimento profissional

• Entrar no mundo do saber sistematizado, integrado,

• Contribuir na construção de um mundo melhor

• Para conseguir se realizar tanto profissional como humanamente

• Para adquirir respeito perante a sociedade

• Ser um cidadão com melhor qualidade de vida saber de seus direitos e deveres

1.3. Que elementos novos este programa da Bolsa Escola reforça na escola?

• Introdução de temáticas novas

• Envolvimento de outros atores sociais

• Integração da escola com a comunidade e vice-versa

• Discussão na escola sobre a produção das famílias e a geração de renda das mesmas

• Envolvimento de outras secretarias e instituições, além da de educação

• Levando de dentro da escola e trazendo de fora uma série de coisas, de interesse das famílias

• Passou a ter uma relação bem maior com o município

• Trazendo muitas tarefas, responsabilidades e atividades para completar a jornada normal

• Integrando o monitor com o professor

• Conhecendo mais o perfil dos alunos

• Exigindo mais e melhor capacitação.

1.4. Síntese e conclusão: O programa dentro do conjunto do município

A reflexão deste momento foi para concluir o dia e preparar o seguinte. Os participantes já passaram por diversas capacitações e a prefeitura tem investido neste campo. O SERTA preocupou-se em partir do ponto em que já se encontravam, para ampliar a relação com a comunidade e o município. Como a escola reflete o município e como este se reflete dentro da escola? Como a escola construir conhecimento a respeito de sua comunidade e do seu município? Como ajudar a comunidade a adquirir também novos conhecimentos e alargar os conhecimentos que já tem? O que tem a ver a escola com a geração de renda dos familiares dos seus alunos? O que tem a ver com os rios, com a vegetação, com o solo, com os serviços, a produção? A escola da área rural, o que tem a ver com a profissionalização dos alunos? Os alunos precisam sair aptos para que habilidades? O Programa pode contribuir com estas habilidades? Mas quem e como preparar a escola para as habilidades rurais? Que relação existe entre a escola e as secretarias de saúde, meio ambiente, agricultura, turismo etc.? Construímos cidadania com quem? Para que? Aonde? Em qual época?

Questões e provocações deste tipo foram colocadas a tarde e para exemplificar, Moura narrou a experiência da Verônica Lima (Ponca) de Chã Grande. Professora de uma escola municipal, passou a estudar a realidade do chuchu, produção principal dos pais dos seus alunos. Organizou com suas turmas, para a cada quinta-feira, se informarem com os produtores, qual o preço do chuchu. Com esta pesquisa, a cada semana, a professora tinha uma série de dados para desenvolver matemática. Na CEASA, de 22 de fevereiro, a 15 de novembro de 1995, o cento do Chuchu variou de R$ 0,50 a 23,50. Com a matemática, a professora ajudava os alunos a calcularem os custos da colheita, da mão de obra e do frete para a CEASA de Recife. O chuchu é transportado em sacos de 150 unidades aproximadamente. Por cada saco, se pagava um real. Houve dias, que só frete de um saco foi mais caro do que o próprio produto do saco – 150 unidades.

Estimulando o avanço nas pesquisas, os alunos (as) descobriram quando seus pais tinham lucro ou prejuízo. Passaram a perceber que nas semanas de preço favorável ao produtor, a convivência em casa era muito boa, e nas semanas de preço baixo, a convivência era tensa, nervosa e os conflitos apareciam mais. As observações continuaram, descobriram que a feira do município, flutuava nas mesmas condições das famílias dos produtores. Vendia bem quando o preço do chuchu era alto e vendia mal, quando era baixo.

As coisas não pararam, a cada semana, o debate era sempre enriquecido com mais descobertas. Um pai procurou a professora para agradecê-la, pelo fato de que sua filha, ultimamente vinha se interessando pelo trabalho da família, com mais curiosidade e que pela primeira vez, ela conversou com ele sobre as preocupações do seu trabalho. Ambos se emocionaram com esta mudança de comportamento da filha e aluno.

O fato foi para sala de aula e outros alunos (as) passaram a se perceber também mais atenciosa e curiosa com a produção de seus pais. Evitaram pedir dinheiro nas épocas de prejuízo. Avançaram e muitas pesquisas e ficaram conhecendo o plantio, o manejo, as doenças e pragas, a floração, o solo e adubo adequados. Pesquisaram sobre a quantia global das famílias de uma comunidade, somaram a de outras, tiveram a visão da produção do município, a renda que entra a partir do chuchu. É lamentável que experiência tão rica, nem sequer a diretoria da escola, nem secretaria de educação, nem a administração pública, tenha sabido aproveitar para dar um salto de qualidade na educação municipal. A professora fez por iniciativa própria e por ser articulada com a metodologia de Educação Rural do SERTA.

Se transferimos a realidade do chuchu, para a cana ou a banana de Vicência, com a decisão política que tem hoje o município, inúmeras possibilidades poderão ocorrer. Amanhã veremos.

III. APROFUNDAMENTO DOS PONTOS JÁ COLOCADOS NO DIA ANTERIOR

Iniciamos o dia com um exercício de concentração, interiorização e energização. No pátio da escola, numa roda, mediante a orientação do educador do SERTA, as pessoas passaram a respirar profundamente, depois com os olhos fechados, a imaginação procurou acompanhar a entrada e saída do ar nos pulmões. O educador chamou a atenção para o contato do ar puro e renovado com o sangue que se distribui no organismo. A cada retorno, o sangue corre novamente renovado. Comparou com a escola. Assim, como o ar renova o sangue, a escola poderia renovar a comunidade, recuperar seus conhecimentos, melhorá-los, elevar a um patamar mais acima. Fazer com ela o que o ar faz com o sangue.

Após esta dinâmica, as pessoas se abraçaram, passando energia de uma para outra e receberam a tarefa de, em dupla, andar nas proximidades da escola, num raio de cem metros. Observar o que pudessem, trazer alguma amostra que quisessem, identificar sinais de vida e de morte, reconhecer as atividades desenvolvidas no dia a dia da área rural em torno da escola.

Ao retornar, o grupo encontrou montada no centro da sala, uma maquete da realidade rural, parecida com o entorno da escola, montada pelos educadores do SERTA, com as pessoas que chegaram mais cedo ao local. Passaram então a colocar as observações que fizeram:

• O uso de produtos alternativos na criação de galinhas caipiras como, por exemplo: galinhas deitadas em balaio, fogão, bacia, coisa já sem uso, reaproveitada,

• O poleiro das galinhas dormirem em uma árvore,

• Uma horta bem cuidada, cercada com estacas de imbaúba, cerca muito rústica,

• Muitas folhas sem serem queimadas e muito lixo inorgânico: plástico, vidro, lata,

• Muitas flores nas fruteiras: seriguela, acerola,

• Pasto muito verde, sobretudo onde corria água do esgoto,

• Pinhão para evitar o mal olhado, o olho gordo do vizinho (cultura popular),

• Vários comentários sobre tipos de alimentação alternativa, utilizada em brincadeiras de crianças,

• Pé de mandacaru, planta típica do sertão,

• Muitas plantas medicinais utilizadas pela cultura popular,

• Planta utilizada na zona rural para varrer a casa e o terreiro,

• Microrganismos, na zona rural, normalmente só se valoriza os animais que trazem retorno econômico, desprezando os micros e os animais de porte médio,

• Sinais de morte “matada” pela ação do homem, e sinais de morte natural,

• As formas de defesa das plantas, através dos espinhos, a malícia, a urtiga,

• As abelhas, e a polinização,

• Estrume utilizado na adubação de uma nova planta,

• As cores diversas da natureza, que embelezam o nosso dia a dia,

• A água e a sua importância para a vida humana, para a sobrevivência de todo ser vivo.

Depois da apresentação, lembraram que ainda existiam outras coisas ao redor da escola, que não perceberam na visita. Entre estas: Casa das famílias, Animais, Estábulo, Escola, Estradas, Postes e energia elétrica, Açude, Cercas, Canavial, Bananeiras, Matas, Casa grande de engenho, Pessoas.

Quase todas estas coisas, estavam representadas na maquete. Porém a escola, não estava na mesma. Ficou escondida na trave do telhado, onde poucas pessoas percebiam. A pergunta feita ao grupo era saber se estas coisas poderiam estar na escola ou não. Sobre todas estas realidades, as pessoas produzem conhecimento, informação, usam matemática, fazem cálculos, são coisas em movimento, que sofrem mudanças biológicas, químicas. Mas dificilmente, a escola se propõe pesquisar e aprofundar esta realidade local. São coisas que fazem parte do cotidiano das famílias, das crianças. Todos os dias, elas fazem este percurso para chegar à escola, atravessam o riacho que correm, mas estas coisas não são objetos de estudo.

Os objetos de estudo da escola são outras realidades, mais distantes. A cana, a banana, a mandioca, a batata, o engenho, a usina, a roça, e o dia a dia do trabalhador não são objeto de estudo. É como se para a escola, não tivessem valor, nem significado. É coisa de “matuto, pé rapado, brocoió, enfim, coisa rural, do campo”. Moura aproveitou o momento e contou a história de como o SERTA passou a se interessar pela escola. Exatamente quando percebeu que os jovens da área rural não traziam conhecimento da escola que contribuísse para os pais melhorarem suas propriedades, nem levavam conhecimento dos pais para dentro da escola. Eram dois mundos em direções opostas.

A pergunta também foi invertida, se a escola poderia estar dentro destas coisas ou não. Depois de muitos debates, a maquete da escola foi trazida para o meio da maquete maior. Roberto fez uma cerca e botou em redor, cercando a escola, simbolizando a resistência que muitas pessoas fazem a esta ligação da escola com a comunidade. A cerca foi rasgada e depois queimada para não deixar resquício.

Surgiu um debate interessante, colocada pelas participantes: se para mudar o quadro que se analisava, como se poderia fazer?

• Para mudar a escola tem que mudar o sistema?

• Vai rachar com a estrutura?

• Vai colocar toda escola?

• Vai mudar o sistema de ensino?

Não foi muito discutido. O que se observou é que perguntas deste tipo, não são contraditórias, e sim complementares. Porém, mudanças, em geral não se fazem sem preparação, sem maturação, sem crescimento, sem consciência que vai aos poucos se formando. Enfim, não se faz sem processo. Começam onde é possível começar, onde alguém se decide por começar. Se uma escola inteira não muda, uma professora pode começar. Seria bem mais interessante que toda escola, todo o município, todo o sistema quisessem mudar, mas é difícil começar desta forma, porque há ritmos muito diferentes nas pessoas, nas instituições. Nada poderá se constituir em motivo para não mudar.

IV. APROFUNDAMENTO SOBRE OS ESPAÇOS PEDAGÓGICOS QUE DEVEM TER UMA ESCOLA PARA FILHOS DE AGRICULTORES E OU TRABALHADORES RURAIS?

O debate dos dois dias cumulou na questão dos novos espaços e momentos pedagógicos que o Programa Bolsa Escola trouxe para a educação no município. Em grupo trabalharam esta questão e fizeram a apresentação em plenária, da forma que escolheram. Houve uma produção com criatividade. Vamos transcrever as contribuições. Quando os grupos conseguem dizer em outra forma de linguagem a sua compreensão do tema, é porque de fato entenderam.

Grupo 1 – Apresentação de uma paródia com a música do Swing: “Swing da terra”

Nada mal curtir a escola, não é nada mal

Que legal! É só entrar no clima e liberar geral.

E vira e mexe a terra ô, ô, explorando a natureza

e limpar a sujeira á, á, apreciando a beleza.

A agricultura é assim, ensina, ensina a você e a mim.

Sinta na prática a razão de existir

o campo, o rio e o sol e o ar. Veja bem!

Refrão: Nada mal…

E o papel da escola não é apenas ler e escrever

É resgatar do aluno o próprio saber

e juntos assim podemos dizer.

Refrão: Nada mal…

Grupo 2 – Apresentação de uma paródia com a música de Roberto Carlos “Apelo de estudante”

De que vale a minha vida de estudante

Se eu não aprendo nada de interessante.

Não suporto mais, viver dentro da sala,

Tendo tanto espaço pr’ aproveitar lá fora.

Refrão: Escola, por favor, vamos juntos transformar,

E o meio ambiente aproveitar.

Quero uma escola que aproveite meu talento.

Me tornando assim, mais experiente.

Quero aprender com a natureza

E a nossa agricultura com toda essa beleza.

Refrão: Escola…

Grupo 3 – Apresentação de um jogral

É muito importante o professor mostrar,

O valor que o homem do campo tem

E mostrar a cada criança que a zona urbana

precisa da rural também.

Vamos olhar para escola, de maneira diferente

Aproveitando os espaços, valorizando nossa gente.

Na cozinha, a matemática já podemos calcular

Somar, até dividir, a merenda que temos lá.

Aproveitando o espaço, trabalha-se português,

Os nomes das mercadorias, explore bem seu freguês.

Como são úteis os rios, para aguar a plantação

Fornece peixe e água para a população.

Dê uma aula de ciências, aproveite a ocasião.

Ao lado da nossa escola, pessoas criam animais

Podemos explorar a reprodução, classificação e muito mais.

Ainda existe mais espaços

Que podemos aproveitar

Aprende professor e aluno

Vai ser gostoso estudar

Com o passa e repassa

De experiências

Todos irão se beneficiar.

Grupo 4 – Apresentação de um coco de roda – Coco do PETI

Eu vi a professora

Na escola, a ensinar

Os alunos interessados,

Com vontade de estudar.

Oi vamos, vamos, vamos

Vamos todos pra escola

Oi vamos, vamos, vamos

Estudar que já é hora

Na sala, na cantina,

No jardim, ou no pomar

Olhando os peixinhos,

No açude a nadar,

Contando e dividindo

Muitas coisas vão rolar.

Um texto produzindo

Com um coqueiro a balançar

O boi lá no cercado,

As galinhas a ciscar,

Com cana e banana

Na ciência, investigar.

No caminho pra escola,

Tanta coisa pra olhar,

e o PETI na verdade,

passa mesmo a funcionar.

Grupo 5 – apresentou um desenho e uma poesia – Espaço pedagógico

Na apresentação do desenho, explicaram o espaço pedagógico. Para responder a necessidade do aluno deve ser relacionado com o seu dia-a-dia, valorizando e ampliando seus conhecimentos, práticas do cotidiano, atividade local, tipo de residência, principais produtos agrícolas, pecuária, costumes, etc.

O aluno pode mudar

A escola pode mudar

Mas para mudar isso

Temos que ter compromisso.

As aulas precisam mudar

Não falo em acabar

Apenas aperfeiçoar

A forma de educar.

Uma horta pode ser aula

Uma criança pode ser aula

Pois não é apenas na sala

Que fazemos uma escola.

A teoria só não adianta

A prática só não avança

Nós temos que unir na dança

A música que a gente canta.

Grupo 6 – Apresentação de desenhos para mostrar como pode ser feitas as atividades fora da sala de aula.

RETOMADA PELA EQUIPE DO SERTA

Reflexão sobre as apresentações dos grupos, colocando as formas de explorar os conhecimentos como tema para dar aula. Após a apresentação dos grupos, foi retomada a questão discutida pela manhã, sobre o conhecimento das coisas cotidianas. Existem maneiras diferentes de se produzir o conhecimento. Na escola se produz diferente das famílias, da televisão, dos bate papos. Este será o tema das próximas oficinas, mas podemos avançar algumas dicas.

CONHECIMENTO QUE SE APRENDE FORA DA ESCOLA, SEM PRECISAR FREQUENTAR CURSOS, AULAS, TER LIVROS DIDÁTICOS:

PRÁTICO, COTIDIANO

DIA – DIA DA FAMÍLIA

DIA A DIA DO TRABALHO

POPULAR, SOCIAL, HISTÓRICO, EXPERIMENTAL

CONHECIMENTO QUE SE REALIZA E SE CONSTRÓI DENTRO DA ESCOLA, QUE EXIGE LIVROS, CURSOS, EXAMES DE AVALIAÇÃO:

PROGRAMADO

TÉCNICO, DIDÁTICO

CIENTÍFICO, SISTEMATIZADO

TEÓRICO

Como na escola, um conhecimento prático, experimental, local evolui para um conhecimento mais técnico, científico, universal? A explicitação veio a partir da observação da manhã. A casa da vizinha tem muita galinha e pinto novo e galinha chocando. Supondo que a escola queira investigar a criação de galinha na região, começaria com uma pesquisa das crianças junto a esta família ou as suas próprias famílias. Perguntas como estas:

▪ Quem cria? Porque cria?

▪ Porque não cria? Quanto custa uma galinha?

▪ Diferença da galinha de capoeira para a de granja?

▪ Quanto tempo passa para a galinha por?

▪ Na sua casa quantas criam?

▪ Quanto tempo a galinha passa para chocar os ovos e tirar pinto?

▪ O que a galinha come? De onde se tira a comida para elas?

▪ E assim por diante.

As respostas destas perguntas podem ser desdobradas em muitas aulas de português, matemática, ciências, história, geografia, saúde, alimentação, meio ambiente. Sabemos que a vinte anos atrás, cada família criava galinha de capoeira e hoje é coisa rara. Esta mudança pode ser tema de bons debates, novas pesquisas etc. Se a escola aprofunda, precisaria acrescentar à experiência que as famílias já possuem, os conhecimentos mais técnicos.

Com um conhecimento novo, a escola pode convocar as mães para discutir a produção de conhecimentos da escola e levantar com as mães a alternativa de criar galinha para complementar a renda e a alimentação. Só que, desta vez, a escola não vai se ater apenas ao conhecimento da experiência que resgatou das famílias, mas avançar no conhecimento técnico que hoje existe sobre o conhecimento da galinha, por exemplo: área necessária para criação de galinhas, melhoramento genético da raça, com cruzamento de galo de raças mais poedeiras, com galinhas comuns, necessidade de pensar a alimentação da galinha, vacina para evitar as doenças etc.

Como o município preocupa-se com a questão da renda? Esses dados seriam debatidos por outros setores, ou programas do município e a escola poderia fazer levantamento das pessoas interessadas, e o município poderia criar um programa para estímulo a galinha de capoeira ou de granja, comprando uma máquina para fazer telas para cercar áreas de 100 ou 200 metros quadrados em cada residência rural. Esta máquina é barata, simples de operar. Um programa deste porte seria associado ao programa dos Agentes Comunitários de Saúde, a programas de alimentação, melhoria a renda das famílias, e poderia estimular o plantio do milho, a necessidade de ter mais terra para a produção, a necessidade de fazer estas coisas, não só improvisando, mas tecnicamente melhoradas.

A uma cadeia desta de produção de conhecimentos, a escola teria um papel privilegiado por diversas razões.

• Ela está na comunidade, conhece e convive com as famílias,

• Os alunos diariamente estão nas casas e nas escolas,

• A escola tem 40 horas semanais, 160 horas mensais e 1440 horas anuais discutindo conhecimentos,

• A escola é respeitada pelas famílias

• Os alunos gostam de animais e são curiosos para aprender assuntos de criação de animais.

• O exemplo do pinto, do chuchu, pode ser transferido para a banana, a cana ou qualquer outro serviço, problema, produto da vida das pessoas da comunidade

III. PARTE: ENCAMINHAMENTOS

Grupo por escola, responder a pergunta: O que vai mudar na escola que trabalho, a partir da oficina e que compromissos poderemos assumir?

1. Engenho Imbu

• Fazer uma “Embuarte”, trazer as mães da associação para ensinar as mil e umas formas de se trabalhar com a palha, com os frutos da banana, para a comunidade, sendo feita na escola.

• Fazer uma pesquisa sobre o declínio da bananeira, junto às famílias dos alunos.

• Discutir como aproveitar melhor as acerolas, esclarecendo o valor nutricional e o seu plantio.

• Incentivar a montagens de hortas familiares, estimulando o consumo das hortaliças pelos alunos principalmente na hora das refeições

2. Engenho Araticum

• Fazer uma reunião com os pais.

• Entrevistar os pais.

• Convidar alguns pais que saibam fazer trabalho com cipós para ensinar as crianças.

3. Engenho Sossego

• Incentivo para a produção agrícola.

• Reativar a horta.

• A escola tem dificuldades.

4. Engenho Chã das Mulatas

• Explorar o conhecimento dos alunos, através de uma coleta de informações para poder descobrir o interesse das comunidades para desenvolver algum tipo de atividade.

• Atualmente a comunidade tem uma situação indefinida com os donos do engenho.

5. Engenho Poço Cumprido

• Pensar com os alunos a necessidade de uma horta na escola, que a escola já teve, para isto é preciso a ajuda e o apoio dos pais.

• Preparar os alunos para serem guias turísticos, uma vez que a escola é situada em um local em que existe um ponto turístico muito visitado.

6. Engenho Chã de Fogo

• Ensinar a história e os pontos turísticos existentes no município.

• Incentivar a produção de galinhas.

• Pesquisar a alimentação da família, quantidade, variedade, qualidade.

• Formação de um grupo de teatro.

• Trabalhar o meio ambiente, tomando por base o rio que passa perto da escola.

AVALIAÇÃO

Os presentes dividiram-se em duplas para responder a seguinte questão. O que marcou e porque marcou no encontro?

Colocações:

• Criatividade das professoras.

• Integração da Secretária de Educação com o grupo.

• Interesse dos participantes.

• Total apoio da secretaria.

• Compromisso do grupo.

• Quando a gente quer a gente consegue.

• Ficou mais esclarecido o PETI.

• O alerta de Moura para a gente incentivar o aluno sobre a possibilidade do término do programa, e que o aluno pode vir para a escola livremente.

• Não sabia como iria participar deste encontro, mas extrapolou minhas expectativas, e serviu para entender o PETI, que a minha idéia era apenas de ocupar as crianças na escola o dia inteiro.

• Nossas opiniões estão coincidindo.

• Esta é uma forma gostosa de trabalhar com os alunos, usando seu meio e sua realidade, e este tipo de trabalho nos ajudou e, se levar para sala de aula, vai ser bem melhor.

• Capacidade do pessoal do SERTA de repassar os conhecimentos, explorando nossos conhecimentos, nem eu mesma sabia que podia fazer uma música, todo mundo viu que tem capacidade de fazer mais, parabéns ao pessoal do SERTA.

• A ida das professoras para São Benedito do Sul, foi muito importante, e a vinda do SERTA é uma forma de mudar a escola em nosso município, pensar em como alargar as concepções antigas sobre a escola, o município tem que ser articulado, não dá para trabalhar só a escola, e o SERTA atendeu as expectativas para fortalecer mais a escola no município, vamos romper com as barreiras, vamos nos inquietar, vamos para o meio onde a escola se encontra, caso contrário ninguém vai sentir falta da escola – Sara – secretária de educação.

Próximo treinamento 13 e 14/11/98 com a segunda turma sobre esta primeira fase

Depois da avaliação, houve comemoração dos aniversariantes do mês da escola do engenho Embu.

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