FORMAÇÃO DAS PROFESSORAS DO CAMPO DE VICÊNCIA – PE
A CONCEPÇÃO PEDAGÓGICA DA PEDAGOGIA NO MUNICÍPIO
No ano de 1998 o SERTA realizou oficinas de Educação do Campo em vários municípios e mensalmente realizava uma oficina temática regional com a participação de até 16 municípios. Esse é de uma municipal. O Município de Vicência foi fundamental na Educação do Campo, pois toda a gestão da prefeita Eva Andrade Lima, Secretária Sara Lima, Diretora de Ensino Ilza André Vicente às professoras assumiu a proposta e todas participavam das oficinas com o SERTA e a supervisão pedagógica participava das reuniões de monitoramento. A sistematização da experiência encontra-se no livro Múltiplos Olhares sobre uma Experiência Pedagógica, 2005 coordenada pela professora Socorro Silva da UNB, hoje na UFCG.
LOCAL: VICÊNCIA
DATA: 09 e 10 de outubro de 1998
DIA 09/10/98
1. PRIMEIRO MOMENTO DA OFICINA:
A apresentação foi feita, a partir de duas perguntas colocadas por Moura, educador do SERTA:
- Qual seu nome e
- Qual a matéria que você mais gosta de ensinar e a que não gosta de ensinar?
Em seguida, Moura fez uma explanação geral sobre o tema da oficina. Sendo a primeira oficina que o SERTA estava fazendo em um município com o programa apenas iniciando, a proposta, seria começar discutindo a concepção que existe sobre o Programa, por parte dos familiares, das crianças e adolescentes, das professoras, monitoras, gestores e políticos. A partir deste ponto, seria aprofundar o sentido da Escola, o papel e função que a mesma exerce nas pessoas, a relação desta com o novo Programa da Bolsa Escola. Que concepção precisaria ser construída para que tal união, pudesse dar frutos.
I. PRIMEIRA PARTE: A PESQUISA SOBRE O QUE PENSAM A RESPEITO DO PROGRAMA BOLSA ESCOLA
1. PESQUISA EM GRUPO
Os presentes foram divididos em seis grupos para discutir a seguinte questão: O que dizem a respeito do Programa Bolsa Escola os seguintes sujeitos sociais? Cada grupo tratou de um sujeito social específico. Depois de 30 minutos, os grupos receberam a tarefa de expor em plenária as respostas de forma diferente uma das outras.
Grupo A – as crianças
O grupo que estudou os comentários das crianças apresentou em forma de uma carta de um aluno a sua avó, contando as novidades que estavam acontecendo na escola, entre estas: 8 horas na escola, tendo que acordar mais cedo, com um bom almoço, mas esporte e alegria.
Grupo B – os familiares, pais e mães
Este grupo apresentou em forma de dramatização, sob a relação de duas famílias com os filhos e uma sala de aula. A apresentação relacionou os seguintes entendimentos:
- A mãe normalmente acorda as crianças, sem atender a moleza das mesmas, para ir a escola e não perder a bolsa.
- A outra mãe também considera a escola em função da bolsa/dinheiro.
- A mãe diz graças a Deus por ir a escola ajudar na merenda.
- A interpretação das famílias normalmente agradece por ter o dinheiro.
- Que nas escolas deve ter a alimentação.
- A preocupação de não faltar alimentação.
Grupo C – os políticos
Este grupo apresentou em forma de comício dois discursos dos políticos:
- Apresentação de candidatos contra o programa, colocando que ele só dura no período de eleição e a finalidade seria meramente eleitoreira.
- Apresentação de candidatos a favor do programa, como necessidade da população atendida pelo governo.
Grupo D – os professores e diretores de escolas
Apresentaram em forma de receita de bolo, explicando os ingredientes, e a forma de preparar o bolo. Salientaram:
- Frequência, motivação, carinho, atenção, assistência, entrosamento dos funcionários, responsabilidade, apoio das autoridades.
- Dosando todas as quantidades em gramas e quilos. Onde o componente que entrasse mais no bolo, era o que tinha maior importância para que o mesmo ficasse bom.
Obs: ao contrário de alguns municípios antigos no programa, as professoras da rede regular e diretores estão colaborando muito para o bom desempenho do mesmo.
Grupo E – as monitoras
Este grupo apresentou em forma de programa de rádio, constando de músicas e entrevista com uma aluna do Programa comentários sobre o mesmo. Salientaram:
- Geração de emprego e renda.
- Os pais ganham uma renda extra.
- As crianças aprendem muito mais.
- Tem dificuldades, mas superamos.
- Vantagens: ensinar é ter uma troca de experiência.
Grupo F – povo em geral
Este grupo salientou opiniões a favor e contra o projeto. O argumento maior dos contra é que é um programa eleitoreiro:
Obs: Diferente dos municípios antigos, o Programa chegou em Vicência como nos demais municípios novos no segundo semestre de 1998, período de campanha.
2. CONTINUIDADE DA PESQUISA EM PLENÁRIA:
A plenária completou outros aspectos que não foram salientados nas apresentações:
- Que as crianças passaram a viver mais na zona rural.
- Acabou com a exploração de menores no trabalho pesado.
- Está havendo mais integração da família com a escola.
- As crianças passam mais tempo na escola.
- As mães dizem que seus filhos gostam da merenda, que o cardápio é bom.
- Escola rural mais valorizada, desperta até ciúmes na da cidade.
- Escola rural com outra visão, com autoestima: “finalmente se lembraram de nós!”
- Escola não mais isolada, diminuiu as multiseriadas.
- A família ganha R$ 50,00 por dois filhos na escola.
- O município recebe R$ 25,00 por cada criança no projeto.
- As duas secretarias municipais, educação e ação social respondem pelo Programa e integra outras.
- Quem fiscaliza é a Comissão municipal.
3. APROFUNDAMENTO SOBRE AS CONCEPÇÕES A RESPEITO DO PROGRAMA
As pessoas são mais sensíveis ao recurso financeiro, percebem com mais facilidade esta inovação do Programa. Quem está envolvido na orientação, execução do Programa gostaria de ver as pessoas se interessarem mais por outros aspectos, como a melhoria de condição do ensino/aprendizagem, um novo papel da escola, a importância das famílias se integrarem mais com a escola etc. Mas na verdade, o comum dos mortais é se interessar pelas necessidades mais imediatas e sensíveis. Cabe aos educadores partir deste ponto para que as pessoas envolvidas possam descobrir os outros valores.
Por exemplo, teve família que só queria deixar um filho na escola, porque tinha mais e a bolsa de dois era igual a de um. Hoje evoluiu e já se dispõe a pôr os filhos na escola, mesmo que a bolsa se acabe. A bolsa é uma coisa muito boa, mas como tudo na vida, é contraditória. Com ela, as pessoas poderão entender melhor o programa, participar melhor da vida da escola e da comunidade, se organizar melhor na sua produção, encontrar alternativas de renda, descobrir a importância da educação. Mas também pode se viciar, achar que quem tem que tomar iniciativa é o governo, são os outros, ou receber a bolsa como esmola, sem nenhuma exigência, como se a obrigação do governo fosse dar por dar, e não tentar contribuir com a melhoria das condições de vida.
Tem havido algumas distorções, que os municípios novos têm condição de evitar. Por exemplo, a ideia de que qualquer coisa para criança rural e pobre é suficiente, não precisa caprichar na qualidade, nas condições materiais, no nível das educadoras. Outra ideia que tem confundido, é a relação da jornada regular com ampliada, como se fosse dois tipos de educação, dois tipos de escola, dois tipos de programa e dois tipos de público alvo. Há municípios que não conseguem abrir o sistema escolar tradicional com a introdução de novos elementos.
No município de Vicência, o programa tem os elementos suficientes para ter uma concepção mais ampla de educação, para abrir a escola para a comunidade e vice-versa, para tirar proveito da passagem de tal programa, para criar alternativas mais estruturadoras no município. Por isso, escolhemos a temática da concepção pedagógica do Programa. Vamos aprofundar esta temática de diversas formas. Uma Segunda oficina, entraremos mais nas questões pedagógicas.
II. SEGUNDA PARTE: APROFUNDAMENTO DOS PONTOS LEVANTADOS NA PESQUISA INICIAL
1. O PAPEL DA ESCOLA
O estudo da tarde foi sobre as concepções de escola que se tem. Em seguida, o que foi introduzido na concepção de escola rural, a partir do Programa Bolsa Escola.
1.1. O que tem perto da escola?
Olhar por perto e ao redor da escola foi uma discussão, que foi até ao final da oficina. Perguntar pelo que está perto, é uma forma de estimular a visão da escola para o seu entorno, para aquilo que está para além de suas paredes e do seu sistema institucional, mas, no entanto, está muito perto da vida das pessoas, dos alunos (as), das famílias. A relação destas coisas foi completada no segundo dia. Neste primeiro levantamento, os participantes descobriram poucas coisas.
1.2. Função da escola
A esta pergunta, o grupo inicialmente se amarrou um pouco. Era a hora do sono, mesmo assim, houve uma contribuição. O educador Roberto passou fichas para em duplas escreverem então, para que estudar? A contribuição foi bem maior. Algumas ideias foram repetidas ou muito semelhantes:
- Formar cidadãos críticos e informados.
- Formar agentes de mudança.
- Produzir conhecimento da realidade.
- Fixar as pessoas no campo.
- Conscientizar alguém na vida.
- Integrar o aluno na sociedade.
- Formar cidadãos éticos, responsáveis, despertar para religião, estimular e criar valores.
- Promover a participação da comunidade.
- Buscar meios de construir um plano de educação voltada para valorizar as coisas do município.
- Tornar as pessoas conscientes e conhecedoras de seus direitos e deveres.
- Conscientizar os alunos para o trabalho da agricultura.
- Ter um futuro melhor.
- Para ser alguém alcançando ser um sujeito que busque seus objetivos.
- Ser no futuro um cidadão de mente aberta.
- Ser útil à sociedade.
- Desempenhar seu papel de cidadão.
- Ser agente transformador adquirir conhecimento e renovar-se sempre.
- Educar, ensinar a ler e escrever.
- Sistematizar o conhecimento tradicional.
- Socializar o conhecimento escolar.
- Produzir culturas.
- Profissionalizar.
- Despertar habilidades.
- Estimular a educação física e os esportes.
- Adquirir conhecimento profissional.
- Entrar no mundo do saber sistematizado, integrado.
- Contribuir na construção de um mundo melhor.
- Para conseguir se realizar tanto profissional como humanamente.
- Para adquirir respeito perante a sociedade.
- Ser um cidadão com melhor qualidade de vida, saber de seus direitos e deveres.
1.3. Que elementos novos este programa da Bolsa Escola reforça na escola?
- Introdução de temáticas novas.
- Envolvimento de outros atores sociais.
- Abertura da escola para a comunidade.
- Ampliação do tempo escolar.
- Incentivo à pesquisa e à produção de conhecimento.
- Articulação com o desenvolvimento local.
- Valorização da cultura rural.
2. A COMUNIDADE E O MUNICÍPIO
A oficina continuou com a discussão sobre a relação da escola com a comunidade e o município, enfatizando a importância de um projeto político para o desenvolvimento local.
2.1. O que a comunidade espera da escola?
Os participantes discutiram as expectativas da comunidade em relação à escola, que vão além do ensino tradicional, incluindo a formação para o trabalho, a valorização da cultura local e a participação no desenvolvimento do município.
2.2. O que o município espera da escola?
A discussão abordou o papel da escola no projeto de desenvolvimento do município, como a formação de cidadãos engajados, a promoção da sustentabilidade e a articulação com as políticas públicas.
3. CONSTRUÇÃO DO PPP (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO)
A parte final da oficina foi dedicada à construção do Projeto Político Pedagógico, integrando as discussões sobre o papel da escola, as expectativas da comunidade e as necessidades do município. Foram abordados os seguintes pontos:
- Definição de Projeto, Político e Pedagógico no contexto da Educação do Campo.
- Identificação dos desafios e oportunidades para a construção de um PPP que reflita a realidade local.
- Elaboração de diretrizes e ações para a implementação do PPP, com foco na participação da comunidade e na valorização dos saberes locais.
ENCAMINHAMENTOS FINAIS
A oficina concluiu com a elaboração de encaminhamentos para a continuidade do trabalho nos municípios, incluindo a realização de novas oficinas, a formação de multiplicadores e a busca por parcerias para fortalecer a Educação do Campo.
Vicência, 10 de outubro de 1998.