4.5.3. Relatório da Oficina em Ariquemes -RO sobre o processo de construção do conhecimento

1. HISTÓRICO E CONTEXTO DA VIAGEM DO AUTOR À RONDÔNIA

MUNICÍPIO DE ARIQUEMES

Nas discussões sobre a implantação do Programa Criança Cidadã/ Bolsa Escola no Garimpo Bom Futuro do município de Ariquemes, Estado de Rondônia, o Secretário de Educação Municipal, Senhor Isaías, colocou para a Coordenadora Nacional do Programa, Senhora Cristina Albuquerque suas preocupações em relação ao Programa e a Educação Rural, no contexto do município do Estado de Rondônia. Com as informações da Coordenadora, Isaías, entrou em contato com o SERTA. Houve intercâmbio de documentos e relatórios e o SERTA foi então convidado para realizar uma capacitação com as pessoas da Escola do Garimpo e responsáveis municipais junto ao Programa.

Com o apoio das senhoras Irma Kwirant, responsável pelos recursos do FAT no Estado e Neide Johoko Miyakava, Vice-reitora da Universidade Federal, foi possível o deslocamento de dois educadores do SERTA, Abdalaziz de Moura e Roberto Mendes, de Pernambuco para Rondônia. Os dois viajaram no dia 16 de novembro, indo no outro dia cedo de Porto Velho para Ariquemes (200 kms de Porto Velho) e daí para o Garimpo (70 kms de Ariquemes). O dia 18 ficou para a preparação e alguns contatos e de 19 a 21 houve a capacitação. Na madrugada do dia 22 retornaram a Recife.

2. O CONTATO COM O SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO

Na chegada a Ariquemes, os dois educadores fizeram o primeiro contato com o Secretário de Educação Municipal, alguns de seus colaboradores e Vice-reitora da Universidade. Na medida em que o Secretário colocava o contexto mais amplo da viagem, situou suas perspectivas em relação a Educação Rural, o Desenvolvimento das Comunidades Locais, a Profissionalização dos jovens e a integração da educação com outros setores do governo municipal. Coincidiam exatamente com os desafios que o SERTA vinha trabalhando junto ao Programa Bolsa Escola. A partir desta sintonia, houve uma mudança na programação. Ficou acertado para no primeiro dia, em vez de iniciar logo a capacitação, haveria uma manhã para o SERTA fazer uma apresentação inicial de suas propostas de trabalho. Em seguida partiram para o almoço na escola do Garimpo.

3. A VISITA AO GARIMPO

A visita prévia ao Garimpo foi uma condição que o SERTA propôs para poder fazer a capacitação. A visita confirmou o acerto, pois a realidade era nova e diferente, em relação às que o SERTA já trabalha. Depois da visita a escola e do almoço, os dois acompanhados da diretora, de uma professora e de 4 alunos e alunas, foi conhecer o Garimpo. A visita proporcionou um contato informal com a direção da Empresa Brasileira (EBESA), responsável maior pela exploração do minério de Cassiterita, com familiares das crianças e adolescentes e com os acompanhantes.

Com a curiosidade peculiar aos educadores, se fez com todos estes atores, um levantamento da história, das atividades, das condições de vida, das origens, das etapas do processo de garimpagem, dos desafios da escola, do histórico do Programa da Bolsa, dos impactos que o mesmo já vinha produzindo etc. Não tivesse havido esta oportunidade prévia seria difícil a contribuição do SERTA, pois é uma realidade, que só vendo, para compreendê-la. Os educadores resistiram a programar qualquer coisa para a capacitação, sem antes conhecer o garimpo.

Quem acompanhou a visita já foi percebendo o quanto de conhecimento se produziu durante a mesma e o quanto de informação sobre toda a realidade do garimpo, as crianças possuíam. Surpreenderam a própria professora Miriam e diretora Sirlene. No entanto, este saber das crianças e de seus pais nunca haviam sido objeto de texto, de matemática ou outra disciplina na escola.

Aos visitantes, o garimpo à primeira vista, apresenta alguns impactos muito fortes. Entre estes, vale lembrar:

1. A convivência da tecnologia moderna de ponta, com os processos mais artesanais e tradicionais de exploração do minério. As máquinas PC, com grande pá, movida com força hidráulica, cava a rocha e roda sobre si mesma para encher as caçambas. Enquanto gira em espaços de segundos, os trabalhadores autônomos, com o nome de requeiros, avançam sobre o local da escavação para recolher os pedaços pequenos que caíram da pá, ou que a mesma não conseguiu pegar. Este momento é onde acontece uma boa parte dos acidentes. Há histórias e mais histórias conhecidas, mas nenhuma escrita ou registrada de pessoas feridas ou mortas por esta máquina neste processo. Antes do Programa chegar, as crianças e adolescentes trabalhavam também em torno desta máquina com os seus familiares.

2. O processo artesanal é feito com o ponteiro e a marreta, onde os requeiros cavam horizontal e verticalmente a procura do veio do minério. Quando acham, se acham, vão cavando os buracos para acompanhar o veio até aonde podem alcançar. Como os buracos são pequenos, costumavam por as crianças para entrar nos buracos e extrair o minério. Há inúmeros acidentes de barreiras que soterraram as pessoas, mas também não há registro escrito.

3. A revirada do ecossistema. De repente, no meio da mata, toda terra é completamente revirada, lavada, moída. As próprias casas e até mesmo a escola, mudam de lugar, quando buscam minério abaixo das mesmas.

4. A quantidade de dinheiro que corre. O garimpo tem 13 anos, já está em decadência, mas já foi mina de dinheiro. No Banco do Brasil se depositava dinheiro carregado em sacos de carregar legumes. Houve muitas mortes, crimes, contrabando, mas sem registro. Todos moradores e ex-moradores ou pessoas que se relacionavam com o garimpo têm histórias “fantásticas” para contar durante estes 13 anos.

5. A ligação do garimpo com a economia do município e da região. Foi muito forte. Contam que salvou o município das crises da seringueira, do cacau e do café, que se alastraram na região. Muita gente decepcionada com a agricultura foi viver do garimpo, na produção ou na comercialização ou em serviços. Porém, não existe um museu no município, nem estudos profundos sobre a questão. Os educadores tiveram a oportunidade de assistir a um documentário em vídeo produzido por Lídio Sohn e Pilar Bernanos, que retrata a história e o desafio do garimpo e conversar com os produtores. Fora disso, pouco existe de forma organizada e documentada. Existem coisas espersas e muita tradição oral.

6. O desconhecimento do processo de transformação e uso depois que o produto sai do garimpo. As pessoas que lidam com o minério têm informações sobre todo o processo desencadeado na região, mas quando o minério sai de Rondônia, para onde vai, como é processada, quais os custos, quem compra, beneficia e vende, como é usado e em que é usado, as informações são vagas ou inexistentes. Os impostos gerados para o município, estado e nação também não há domínio das informações.

4. A APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO A OUTRAS SECRETARIAS MUNICIPAIS

Um grupo de mais de 40 pessoas, articuladas com um dia e meio de antecedência compareceram ao encontro na manhã do dia 19. Foram pessoas ligadas a direção e coordenação de escolas municipais, Secretarias Municipais de Ação Social, Saúde, Agricultura, Cultura e Comunicação. Os assuntos discutidos foram retomados ao longo da capacitação. A insistência maior foi que todos os grupos presentes manejavam produção de conhecimento e o conhecimento da realidade local era uma necessidade não de uma só secretaria, mas de diversas outras.

Mas quando se trata de conhecimento sistemático, programado, seriado, a escola tem uma tarefa específica. Houve um levantamento rápido do número de professores e alunos do município. Há mais de 1.000 professores e muitos deles ensinam mais de um expediente, isso representa 4.000 horas dias produzindo conhecimento, 20.000 horas por semana, 80.000 horas por mês. Em 8 meses, são 640.000 horas de produção de conhecimento. Se for contar as horas dos alunos, se multiplica tudo isso por 10.000 alunos.

HORAS DEDICADAS A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE ARIQUEMES

 DiáriasSemanaisMensaisAnuais – 8 meses
Professores4.00020.00080.000640.000
Alunos40.000200.000800.0006.400.000
totais44.000220.000880.0007.040.000

O município está pagando para todas estas pessoas estudarem. Se não produzem conhecimento sobre a realidade do município, que prejuízo o município está acumulando! Podemos imaginar a Bhrama ou a Antártica, a Escol ou a Kaiser pagando para seu pessoal aprender a vender sorvete e não cerveja? Podemos imaginar a Ford, a Chevrolet ou Fiat, pagando ao seu pessoal para aprender a vender bicicleta? A situação do município é parecida. Paga dias, meses e ano de formação, mas os formandos não produzem conhecimento sobre sua realidade.

O SERTA iria estar nos três dias tentando contribuir para as escolas no seu ensino de português, matemática, estudos sociais, ciências, literatura, geografia, história etc., produzirem conhecimento sobre a realidade da região. É possível associar a realidade com o ensino das disciplinas? Veríamos… A participação nos momentos seguintes foi aberta aquele público e várias pessoas resolveram permanecer os 3 dias, o que muito gratificou aos visitantes.

5. A CAPACITAÇÃO

Participaram 33 pessoas. Destas, 12 eram da escola do Garimpo, diretora, professores e monitores. A escola do Garimpo é a única que tem o Programa da Bolsa Escola. Para a apresentação das pessoas, cada participante, recebeu dois alfinetes de cabeça preta e uma de cabeça azul. Diante do mapa do Brasil, cada um colocava os dois alfinetes pretas no estado de onde nasceram seu pai e sua mãe, e a alfinete de cabeça azul, no estado em que nasceu.

O quadro que se formou no mapa do Brasil foi a realidade cotidiana de todo grupo que se encontra em Ariquemes. Só duas pessoas eram nascidas em Rondônia, todas as demais nasceram em outros estados. Todos os pais e mães eram de outros estados, dos mais variados, com peso maior do Paraná, S. Paulo, Minas, Goiás, Mato Grosso, seguidos dos Estados do Nordeste. Uma tinha o pai da Argentina e a mãe do Peru.

Os educadores do SERTA provocaram um debate sobre a reação espontânea do grupo diante do mapa. A reação foi de surpresa. Apesar de perceberem esta realidade nas suas próprias famílias, nos grupos de trabalho, de moradia, não haviam se deparado com tanta riqueza de cultura, de valores, de tradições. Observou-se depois que uma das tarefas da educação na região, era resgatar e estudar estas culturas, costumes, alimentação, medicina caseira, produção etc.

6. PRIMEIRA ETAPA DO CONHECIMENTO: A BUSCA DE INFORMAÇÕES NOS ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS DA CIDADE

O primeiro exercício consistiu numa pesquisa junto aos estabelecimentos comerciais da redondeza. A tarefa era observar como as pessoas compram e como vendem, que informações produzem no momento da compra e venda. Cada grupo foi para um lugar: sapataria, perfumaria, confecção, moto e açougue.

Ao retornar, cada grupo respondeu a pergunta: Quais os sentidos que mais usaram na busca de informações? Só este exercício durou o resto da tarde. Houve todo um debate sobre o papel dos sentidos na produção do conhecimento, sobretudo os que percebemos pouco a sua importância, como o olfato, o paladar e o tato. Insistiram que a escola só valoriza a visão e audição. Foi lembrado que os sentidos podem e precisam ser educados nas suas capacidades, que as sensações e emoções também devem ser preocupação pedagógica, que a mídia investe pesado nas emoções, sentimentos, imagens, enquanto a escola tem ficado só com o raciocínio. Houve um esforço para sintetizar.

OS SENTIDOS AJUDAM NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

OS SENTIDOS PRODUZEM INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO

QUEM TEM OS SENTIDOS, PRODUZ CONHECIMENTO

AS CRIANÇAS NA ESCOLA JÁ CHEGAM COM MUITOS CONHECIMENTOS

No segundo dia pela manhã, a discussão sobre o conhecimento produzido pelos sentidos foi retomada em forma de exercício de interiorização e relaxe. Ao som de um fundo musical, com respiração profunda, as pessoas, massageavam cada órgão do seu sentido. Ao mesmo tempo da massagem, personificavam os sentidos e dialogavam com eles. Foi uma experiência difícil de descrever. O orientador apenas dizia mais ou menos assim: vamos conversar agora com o nosso nariz e olfato, vamos dizer para ele o quanto ele tem sido importante para a cada um, vamos dizer que o esquecemos muito dele, que de agora em diante queremos fazer um novo pacto, que agradecemos as mensagens que ele nos proporciona, o cheiro que ele nos transmite, ou ar que ele canaliza para o pulmão. A cada frase, era dado tempo com o fundo musical, para a interiorização.

O exercício relaxou o grupo, ajudou a rememorar o dia anterior e a interiorizar a experiência. Foi concluído com cada um de olhos fechados, recebendo um chocolate “sonho de valsa”, abrindo com as mãos, cheirando o aroma e saboreando o gosto. Até esta data, o SERTA não havia utilizado essa dinâmica da personificação dos sentidos em suas capacitações. Para cada situação, realiza dinâmicas diferentes.

A ESCOLA EXPLORA POUCO OU NADA DOS CONHECIMENTOS PRODUZIDOS PELOS ALUNOS

A ESCOLA EXPLORA SÓ ALGUNS ÓRGÃOS, SOBRETUDO VISÃO E AUDIÇÃO

TODO CONHECIMENTO PASSA PRIMEIRO PELOS SENTIDOS

A RELAÇÃO DA CRIANÇA COM O MUNDO SE DESENVOLVE A PARTIR DOS SENTIDOS

OS SENTIDOS MANDAM A MENSAGENS PARA O CÉREBRO E ESTE PROCESSA A INFORMAÇÃO

UM SENTIDO PREJUDICADO DIFICULTA A APRENDIZAGEM

7. SEGUNDA ETAPA DO CONHECIMENTO: ANALISAR, APROFUNDAR, DESENVOLVER, DESDOBRAR O CONHECIMENTO PRODUZIDO PELOS SENTIDOS

O grupo realizou duas dramatizações. A primeira foi sobre uma pessoa que desmaia na fila do pagamento das professoras no Banco. Estava demorando muito e a pessoa sentiu-se mal e desmaiou. Cada pessoa presente dava uma opinião sobre o que era o problema: fome, tontura, epilepsia, pressão baixa. Todos falavam como leigo no assunto, até que levaram para o posto de saúde e fizeram o diagnóstico correto.

A segunda dramatização foi o achado de uma pedra desconhecida, por pessoas que trabalhavam no campo. A família levou para vizinhos, amigos, pastor, padre, e cada um dava uma opinião diferente. Até que encaminharam a um especialista e este identificou como turmalina.

O trabalho de grupo respondeu a seguinte questão: O que foi necessário além dos órgãos dos sentidos, para produzir conhecimento sobre a pedra e a doença? A plenária foi muito rica. As dramatizações foram muito claras, em mostrar que o conhecimento dos sentidos, o conhecimento das primeiras impressões e sensações, o conhecimento das primeiras informações nem sempre satisfaz as necessidades das pessoas. Nestes momentos, há necessidade de um conhecimento mais técnico, mais científico, mais sofisticado e investigado. A realidade não se apresenta toda de uma vez, nem só através dos sentidos. O que se apresenta, são manifestações, fenômenos que precisam ser trabalhados mais a fundo, até mesmo, com ajuda de ferramentas, laboratório, microscópio etc.

O CONHECIMENTO PRODUZIDO ATRAVÉS DOS SENTIDOS PRECISA SER COMPLEMENTADO

REQUER AQUISIÇÃO DE HABILIDADES ESPECÍFICAS OU TÉCNICAS

O debate permitiu perceber etapas metodológicas na construção do conhecimento e diferentes tipos de conhecimento. Um conhecimento preliminar, que pode produzir saberes na vida prática, no dia-a-dia do trabalho, da família, da convivência social. Conhecimento este que se aprende de forma espontânea, não programada, não sistematizada. Que não precisa frequentar a escola para aprender. Um peso grande dos conhecimentos dos familiares dos alunos, dos agricultores, dos requeiros faz parte desses saberes. A humanidade viveu durante muitos anos só com esses saberes. O agricultor tem de forma acumulada.

Com o desenvolvimento das ciências, a estes saberes foram se acrescentando outros, adquiridos nas escolas, de forma mais sistemática, mais programada, seriada, sistematizada. As pessoas, o comércio, a indústria, os serviços utilizam as duas espécies de conhecimento, elas convivem no cotidiano da vida. Só que a tradição escolar abandonou estes conhecimentos práticos. Não faz deles objeto de estudo e pesquisa. A proposta em discussão, quer enfrentar o desafio de fazer a interação entre estes dois tipos de saberes e de conhecimento.

O CONHECIMENTO PRODUZIDO SÓ PELOS SENTIDOS OU OPINIÃO, PODE NOS ENGANAR

NESTA ETAPA DO CONHECIMENTO, A AÇÃO INTELECTUAL É MAIOR E MAIS EXIGENTE

ESTE TIPO DE CONHECIMENTO REQUER ESTUDO ESPECIALIZADO

REQUER ÀS VEZES INSTRUMENTOS AUXILIARES

REQUER ASSOCIAÇÃO E COMPARAÇÃO DE IDÉIAS, ORDENAMENTO

REQUER ANÁLISE, SÍNTESE, SISTEMATIZAÇÃO

a. APROFUNDAMENTO

Depois da síntese, os grupos se reuniram outra vez para fazer a leitura e comentário do texto sobre a “Curiosidade na construção do Conhecimento”. Esse texto de duas páginas foi produzido recentemente pelo SERTA para formação pedagógica de educadores. Em plenária se fez comentários dos grupos, porém, se deu uma rodada geral, com cada um dizendo o ponto que mais lhe marcou. Os educadores do SERTA retomaram os debates, reforçando o papel da pergunta na construção do conhecimento. Na universidade, no mestrado e no doutorado os professores e orientadores ensinam que para aprofundar um tema é muito importante formular perguntas sobre o mesmo. Pegar esta pergunta, como um fio condutor e ir respondendo-a cada vez mais de forma mais profunda.

Pedro Demo, nos seus livros e em dois, sobretudo, mostra que este exercício na construção do conhecimento não deve ficar restrito aos cursos de pós-graduação. Ele é universal, para todas as idades. O que Paulo Freire chama de curiosidade espontânea. A escola aperfeiçoa, torna-a mais científica, “epistemológica”. O SERTA vem trabalhando esta preocupação desses e de muitos outros autores, de fazer isso na escola. Assim, propõe que o dever de casa vire pesquisa, de preferência junto aos pais, depois vá se ampliando em outras dimensões.

. DEMO, Pedro, A pesquisa, princípio científico e educativo, Cortez Editora, SP, 1990 Educar pela Pesquisa. Editora Autores Associados, SP, 1996.

b. EXERCÍCIO DE FORMULAÇÃO DE PERGUNTAS

Cada grupo trabalhou formulando perguntas que poderiam ser feitas, para desenvolvimento de estudo com os alunos (as). Um grupo tratou de questões ligadas ao minério, outra de atividades da extração do minério, outro sobre as condições de vida do requeiro.

O MINÉRIOATIVIDADE DO REQUEIROCONDIÇÕES DE VIDA
A cassiterita é transformada em que?Até quanto de metal um requeiro pode coletar num dia?Quanto ganha em média por dia e semana um requeiro?
Como separa o minério dos outros materiais?Até quanto ele pode ganhar por um dia de coleta?Seu pai tem outra fonte de renda?
Qual a cor do metal na terra e depois de moído?Quais ferramentas usam para extrair e coletar o minério?O que ele ganha dá para comprar alimentos, roupas e remédios?
Quanto custa um quilo do metal, com mais de 50% de estanho?Qual a rotina de uma família de requeiro?Que hora começa e que hora termina de trabalhar?
Como se conhecer a percentagem de estanho?Quantos quilos de cassiterita, seu pai consegue tirar por dia?Quais são as doenças mais comuns no garimpo?
Em sua casa, existe algum objeto derivado da cassiterita?A que horas começam a trabalhar?Como tratam as suas doenças?
O que é feito do minério depois de vendido? Onde é vendido?Quais os perigos que o requeiro enfrenta para realizar seu trabalho?O que significa a palavra “Requeiro”?
Como é transportado o metal?Em que gastam o dinheiro que ganham?Quais as esperanças do requeiro?
O que os requeiros chamam de “Bunda de Saco”?Quantas pessoas na sua família trabalham nesta atividade?Com quem ficam as crianças, quando o pai e a mãe estão no garimpo?
Que locais se encontra mais o minério?Qual é o melhor tempo para garimpar: inverno ou verão?De quem são as casas que moram?
Que imposto se paga do minério? Quanto o município recebe?Seu pai preferia ter outra profissão? 
O dono do moinho cobra o que pela moagem do minério?Na sua família tem gente que foi acidentado ou morto na atividade de requeiro? 
Quem compra o minério que sai das minas do garimpo?Você conhece crianças e adolescentes feridas com o trabalho? 

Foi um exercício rápido. Com mais tempo, poder-se-ia formular muito mais perguntas. Estas poderiam também ser elaboradas de forma mais precisa. O importante é saber que a resposta a qualquer pergunta desta gera um conhecimento, que por sua vez, gera novas perguntas e novos conhecimentos. Trabalhar perguntas como estas em sala de aula é trazer o cotidiano para dentro da escola e vice-versa. Como entender uma escola, que no meio do garimpo, vai ensinar, sem se referir ao cotidiano da vida no mesmo?

Para as primeiras séries, é bom formular as perguntas de forma simples que qualquer pai ou mãe ou vizinho tenha condição de responder. Que possam ser respondidas até oralmente, sem precisar escrever. De preferência perguntas de conteúdo quantitativo. Para as séries mais adiantadas, pode se perguntar coisas mais difíceis, para serem respondidas pelas famílias, moradores, requeiros, e outras pessoas. Uma pergunta é suficiente para um dever de casa e a resposta a esta pode ser desdobrada em vários dias.

A pergunta para a pesquisa inicial deve ser fácil, para trazer à sala de aula um conhecimento inicial, ainda superficial, limitado, sensível, prático que a família já tem o domínio. No desdobramento que a educadora (or) vai fazer em classe é que vai elevar o nível do conhecimento, dar mais precisão, enriquecer melhor os dados, completar as informações geradas pelas crianças com seus familiares, com informações dos livros, revistas, pessoas mais conhecedoras da temática, técnicos.

E todo o desdobramento da pesquisa feita pelos alunos através do dever de casa, é feita com os conteúdos das disciplinas de Português, Matemática, Estudos Sociais etc. Assim, a criança

aprende a conhecer sua realidade,

aprende os conteúdos disciplinares,

aprende a valorizar o que seus familiares fazem, sabem e vivem,

aprende a ensinar às professoras que muitas vezes não conhece daquele assunto prático,

aprende a trabalhar a partir do cotidiano

aprende a elevar o conhecimento inicial, sensível, prático, em um mais elevado e técnico.

Enfim, aprende a produzir e construir conhecimento. Aprendendo isso na escola, vai saber dar continuidade fora da escola e durante toda a vida. Mas, se aprender apenas a consumir repasse de conhecimento elaborado pelas professoras ou pelos autores dos livros, vai esquecendo, na medida em que se distancia da escola, dos livros, dos cadernos.

c. PREPARANDO O DESDOBRAMENTO DAS PERGUNTAS EM SALA DE AULA

O exercício seguinte foi cada grupo escolher uma das perguntas, imaginar as possíveis respostas que as crianças trariam das mesmas, e preparar uma aula, partindo de uma das disciplinas. Eis o resultado do grupo que escolheu matemática e português

. Infelizmente, não pegamos na hora o resultado dos outros grupos e disciplinas, para transcrever no relatório.

Pergunta encaminhada aos alunos: quanto custa o quilo de cassiterita depois de moído?

Série: terceira

Disciplina: matemática

Objetivo: Levar o aluno a valorizar a profissão do pai x escola x comunidade.

Conhecer através de material concreto e conhecido pelos alunos, o sistema monetário brasileiro,

Identificar através de pesquisa o sistema de medidas usadas no garimpo,

Desenvolver operações de multiplicação, divisão, soma e subtração.

Estratégia: Pesquisa para os alunos fazer com seus pais

Coleta em sala de aula das respostas dos alunos

Diálogo e conversa informal

Trabalhos individuais

Conteúdos: Operações

Sistema de medidas = Kg

Sistema monetário = R$

Problemas envolvendo x, +, – e divisão.

Problemas:

1. Se um (01) Kg de cassiterita custa R$ 2,70, quanto custa 15 kg?

2. Papai ganha R$ 30,00 por dia no reco, quanto ganharia em um mês? Ele gasta R$ 70,00 em aluguel do moinho e R$ 200,00 em alimentação, quanto lhe sobra?

3. Em um filão, foram encontradas 90 “bundas de saco”. Três requeiros dividiram entre si, quantos ficaram para cada requeiro?

4. 130 bundas de saco foram moídas na primeira quinzena e 19 na segunda quinzena do mês, quantas foram no mês e qual foi a média por dia? Etc.

O grupo sugeriu outra pesquisa para a quarta série, de segunda a sexta, anotar a produção dos pais durante uma semana, ou quinzena, ou mês, até mesmo por meses e trabalhar com os alunos, o ganho dos requeiros no garimpo, explorando tudo quanto é operação matemática, percentagem, fração, estatística e ligando aos gastos, despesas, horas de trabalho, condições de vida etc.

Disciplina: Português, a partir da mesma pergunta.

Escrever o valor por extenso

Citar o que se pode comprar com essa quantidade de dinheiro? Seu pai compraria o que?

OBS: Infelizmente não conseguimos recuperar as anotações sobre a conclusão da oficina. No entanto, até aqui já foi suficiente para perceber conteúdos e concepções sobre o conhecimento na Peads. O Serta não teve mais o contato com a mudança da gestão municipal, porém, soube que a Escola do Garimpo ganhou no ano seguinte o prêmio Itaú Unicef com a apresentação de sua experiência.

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