RELATÓRIO DE TRÊS OFICINAS LOCAIS – ABRIL DE 1998
RELATÓRIO DAS OFICINAS LOCAIS SOBRE A ALIMENTAÇÃO ESCOLAR, COMO MEIO PRIVILEGIADO PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM NO PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL PETI.
PROJETO
FORMAÇÃO DOS SUJEITOS SOCIAIS ENVOLVIDOS COM O PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL – PETI
CONTEXTUALIZAÇÃO
Este relatório diz respeito a três oficinas realizadas nos municípios do Cabo de Santo Agostinho, Tamandaré e Jaqueira, todos municípios com o Programa da Bolsa Escola, situados na Mata Sul do estado de Pernambuco. As oficinas fazem parte do projeto “PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE SUJEITOS SOCIAIS ENVOLVIDOS COM O PETI” (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil). Este projeto contempla oficinas regionais, oferecidas a diversos grupos, durante 3 dias, com público no nível de coordenação, decisão e assessoria. A mesma temática é desenvolvida a nível local durante dois dias, com pessoas em nível de execução e coordenação, com os municípios que convidam o SERTA.
Foi realizada uma oficina regional sobre a ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NO PETI e depois três a nível local. O relatório sobre a oficina regional já foi distribuído aos prefeitos, secretários de educação e de ação social e aos participantes. Cópias se encontram a disposição na sede do SERTA, no Cabo de Santo Agostinho.
Para tratar da temática da alimentação escolar no PETI, o SERTA tem algumas hipóteses. Estas hipóteses perpassaram as dinâmicas e os conteúdos das oficinas, ora de forma mais explícita, ora menos. Entre elas, convêm lembrar algumas.
1. O aporte de recursos para a alimentação escolar no Programa da Bolsa Escola, em média corresponde a 60% do per capita, que os municípios recebem por criança beneficiada, que é de R$ 25,00. Pelo menos, é esta a orientação da SAS, financiadora do Programa. Esta mudança quantitativa mexeu com elementos tradicionais da escola, que não eram levados em conta na reflexão pedagógica, sobre o ensino e aprendizagem. Esta foi a grande conclusão do painel formado com os participantes da oficina regional.
Os espaços físicos, como cozinha, dispensa, copa, refeitório, hortas, passaram a ter um status diferente do que tinha antes. Os momentos usados para as refeições e a merenda, como o tempo dedicado a comida, a preparação da mesma, e a limpeza, já não são mais aqueles minutinhos entre uma aula e outra. Os recursos, os produtos, os mecanismos e procedimentos também já não são os mesmos. Nossa hipótese, portanto, confirmada e reconhecida pelos participantes depois das oficinas, é que as mudanças quantitativas, exigem mudanças qualitativas, e, portanto, uma nova maneira de conceber pedagogicamente o lugar, o papel que a alimentação passa a ter na educação.
2. Os lugares e os momentos da merenda escolar têm uma proximidade grande com o cotidiano da vida das famílias e dos alunos Comer, cozinhar, lavar, preparar a comida, produzir o alimento, são as oportunidades que assemelham a escola à vida familiar. São coisas que tem nas casas e coisas que tem na escola. É diferente do estudo, que é comum só na escola. Se hoje, o PETI, pensa se articular mais com as famílias, estes espaços e momentos do cotidiano têm uma grande força pedagógica e simbólica.
3. Uma reflexão sobre a merenda escolar, sobre as relações das famílias e comunidades rurais com a escola, remete a uma reflexão mais ampla sobre a educação escolar. É, portanto, toda a educação, seus conteúdos programáticos, seu processo, as relações que se criam neste processo, os mecanismos que se desenvolvem, as técnicas, dinâmicas e metodologias, que necessitam de novas concepções pedagógicas. Existe muito avanço nas teorias e concepções pedagógicas. Porém, poucas alcançaram estas questões a que nos referimos. Os novos Parâmetros Curriculares Nacionais já representam passos significativos. Estes nos oferecem um bom suporte para a transversalidade do ensino.
1. PRIMEIRA PARTE: O PROCESSO NAS TRÊS OFICINAS
O SERTA tem como orientação não repetir oficinas, mesmo se a temática for a mesma. Com públicos diferentes, sempre tenta fazer com diferença, sendo que a metodologia central permanece a mesma. No caso do tema da alimentação escolar, o público foi de lugares diferentes, sendo monitoras do Programa Bolsa Escola e merendeiras. Em cada município, o ponto de partida foi um aspecto e um ângulo diferentes, enfocando várias possibilidades de refletir sobre a Alimentação Escolar. Enquanto na oficina regional, a reflexão se ampliou numa dimensão administrativa, financeira, econômica, política e pedagógica, nas oficinas locais, a dimensão mais discutida, foi a pedagógica. O que se pretendia, era explorar as possibilidades que a merenda tem na escola, para reforçar o ensino e a aprendizagem. O que se pode ensinar e aprender a partir de: Vejamos os pontos de partida de cada um.
CABO – OS PRODUTOS
Com uma média de 10 produtos industrializados ou beneficiados sobre as mesas, os grupos estudaram os produtos: as embalagens (formas geométricas, unidades e caixas ou pacotes), os rótulos (nome, procedência, impostos, conteúdo, validade, licenças, marketing), as formas (se industrializados, enriquecidos, empacotados, etc.), as origens (estado, região, percurso até o município e a escola), os custos (a preço de mercado e de licitação), o processo de transformação, o armazenamento e a distribuição, as unidades de medida: quilo, litro, a história, os hábitos culturais e alimentares, as formas de preparação.
TAMANDARÉ – A LÓGICA
O ponto de partida foi a comparação entre a lógica da merenda para os alunos numa escola, e a lógica de uma granja que engorda frango para o corte. A primeira vista, parecia uma idéia tola, mas que deu muito resultado, para perceber que alimentar cidadãos, não é só cuidar de distribuir bem a comida, de limpar os utensílios e lugares, de por muita comida. É algo completamente diferente. Cidadão pensa, tem vontade e reflete sobre o que faz e o que come. Portanto, merenda na escola, precisa de reflexão pedagógica. Exige uma produção de conhecimento, por parte de quem prepara, de quem consome.
JAQUEIRA – OS ESPAÇOS
Foi a partir dos espaços e dos momentos da merenda escolar. O refeitório e a hora de comer, a copa e a hora de limpar, a cozinha e a hora de cozinhar, a dispensa e a hora de entrar e sair a mercadoria, a horta e o momento de manejá-la, a sala de aula e o momento privilegiado de refletir. Em todos estes momentos e espaços tem pessoas fazendo alguma coisa. O que se faz? Quem faz? Para que faz? A partir de uma olhada sobre estes espaços, inúmeras descobertas foram feitas. Deu para perceber que todos eram momentos e espaços de ensino e aprendizagem, não só de atividades específicas. Pode-se ensinar e aprender a partir deles.
1.1 SÍNTESE METODOLÓGICA
Na primeira parte, o trabalho dos grupos consistiu sempre em formular perguntas, cujas respostas gerassem conhecimento, informação e dados. Vendo os produtos, o que se poderia perguntar? Olhando os espaços e momentos, o que se poderia perguntar? Pensando na lógica o que se poderia perguntar? Os grupos sempre se surpreendiam com a quantidade de perguntas que conseguiram formular a respeito de dados tão elementares. Não imaginavam antes, que de uma embalagem, de um rótulo, de um momento, poder-se-ia desdobrar tanto conhecimento. Ver no anexo, o roteiro para preparação de aulas.
A metodologia consistiu em explorar os conhecimentos sensíveis, experimentais, que atingem os sentidos, sem muita profundidade. Conhecimentos estes, que podem ser produzidos por qualquer pessoa, criança ou adulto, analfabeto ou letrado. Conhecimentos que se produzem a partir da “curiosidade espontânea” que toda pessoa tem (FREIRE). No segundo momento, estes conhecimentos foram aprofundados, a partir da “curiosidade epistemológica”, sendo transformados em conteúdos de português, matemática, ciência, ética, saúde etc.
2. SEGUNDA PARTE: O DESDOBRAMENTO DOS PRIMEIROS CONHECIMENTOS
Depois que os grupos concluíram a plenária, os assessores fizeram síntese e os grupos retornaram para outra tarefa. Com as perguntas que conseguiram formular, se construiu um enorme painel, com muitas perguntas. Não se tratava de responder as perguntas que formularam, mas de discutir, o que fazer com elas no ensino e na aprendizagem. O que se pretendia neste retorno aos grupos, era se apropriar do conhecimento coletivo, produzido por todos, na primeira parte, para agora, passar para um desenvolvimento e desdobramento deste conhecimento. A partir de que técnicas, dinâmicas, artes, criatividade, poder-se-ia agora, transformar os conhecimentos gerados com as respostas das perguntas, em conteúdos de linguagem, escrita, oralidade, leitura, cálculos matemáticos, laboratório de ciência, atitudes e valores novos diante da vida, etc.
O resultado dos grupos se constituiu em surpresa maior ainda do que na primeira parte. Alguns grupos responderam distinguindo as áreas do conhecimento, identificando o que e o como poderia ser explorado em português, matemática, ciência. Outros responderam numa visão interdisciplinar e transversal. A riqueza de elementos concretos, palpáveis, no cotidiano da alimentação escolar possibilitou uma nova visão e dimensão da escola. Não se imaginava que a cozinha ou a dispensa fosse um lugar tão importante para a aprendizagem! Nem de longe se lembravam que estes lugares estão cheios de matemática, que se faz operação matemática durante o dia todo, para calcular a quantidade de comida, o tempo de cozimento, a quantidade do tempero. Estas coisas são tão espontâneas, tão dentro do cotidiano, que não se imaginava como conteúdo, nem processo do ensino/aprendizagem.
3. TERCEIRA PARTE: O ENCAMINHAMENTO PARA AS AÇÕES
3.1. SÍNTESE METODOLÓGICA
Nesta segunda parte, o esforço metodológico é de dar um salto de qualidade na produção do conhecimento. Na primeira parte, os conhecimentos elaborados, foram a partir de dados elementares, suscitados pelas perguntas. Conhecimentos produzidos por uma primeira abordagem, mais no nível dos sentidos, do olhar, do pegar, do cheirar, do experimentar, ou no nível do imediato, do prático, do experimental, do “senso comum”.
Depois da professora ou monitora, produzir este conhecimento a partir da experiência e pesquisa dos alunos, no ensino escolar, ela vai contribuir com os alunos, para que os mesmos possam elevar o nível do mesmo. A escola não pode ficar conformada só com o primeiro nível do conhecimento. Caso fosse assim, a escola e o ensino não estariam acrescentando conhecimento novo ao que os alunos já produziram com suas pesquisas.
Daí, ser fundamental um salto, no sentido de aperfeiçoar, aprofundar, desdobrar este conhecimento inicial. Elevar o seu patamar para um nível mais técnico e científico, aprofundar mais as causas, as origens, os objetivos, as qualidades etc. Nesta etapa se propõe que esta elevação de patamar, de nível, seja com os conteúdos das disciplinas, não só as tradicionalmente utilizadas, como português, matemática, estudos sociais, ciências; como também com as disciplinas novas, introduzidas nos novos PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, como temas transversais. Enfim, de maneira interdisciplinar.
A estas alturas da oficina, todos os participantes, já têm produzido um conhecimento novo, inovador e mais científico, do que quando entrou. Então, se avança para um aprofundamento sobre a finalidade deste novo conhecimento. Para que se estudou até aqui? Para que se elevou o nível do conhecimento? Para que se produziu um conhecimento sobre coisas diferentes? Em outras palavras, para que esta oficina e para que este projeto?
A discussão foi sempre rica, porque sempre remeteu à finalidade do conhecimento e da educação. Com esta reflexão, os grupos retornaram para estudar, como agora, pretendiam fazer na sala de aula, no núcleo, na coordenação. Em todos os 3 municípios, houve grupos que conseguiram propostas bem ricas, precisas, detalhadas, apresentando objetivo, conteúdo, dinâmica, resultado esperado, como iriam fazer de agora em diante. Outros foram mais genéricos, colocando só o conteúdo de português, matemática, ciências e estudos sociais, que iriam puxar a partir dos debates. Alguns avançaram no debate que estavam pensando ter junto com as famílias, a respeito do que os filhos teriam de aprender na escola. Por exemplo: os filhos deveriam aprender a cozinhar? A trabalhar na horta? Os rapazes deveriam aprender a lavar pratos? Alguns temas poderiam ser até polêmicos.
SÍNTESE METODOLÓGICA
Na concepção que se trabalhou as oficinas, a pessoa aprende para viver. Aprender para a vida quer dizer: aprender para se situar no mundo, trabalhar, ganhar dinheiro, ser feliz, partilhar, participar, tornar-se cidadão. Neste sentido, o conhecimento e a educação que este ajuda a construir, são meios para atuar na vida e na realidade.
Nesta terceira etapa, os grupos vão se impacientando como quem quer usar um novo instrumento, uma nova ferramenta que adquiriu, para melhorar o resultado do seu trabalho. Como alguém que adquire um carro, um computador ou um cavalo. Agora tem como melhorar, aumentar o trabalho, como render mais, pois agora, se encontra de posse de um conhecimento novo. A metodologia usada é para produzir este tipo de conhecimento, não um conhecimento qualquer, mas um conhecimento que potencialize uma nova prática, possibilite uma intervenção mais qualificada dos profissionais nas áreas de atuação.
A área rural precisa de conhecimento novo e inovador para ser transformada, precisa, portanto de ferramenta, de instrumentos, que facilitem a sua mudança. A escola rural, portanto, pode e deve dar esta contribuição. As oficinas e todo o projeto que o SERTA se engaja, pretendem construir conhecimento novo, para transformar a realidade rural. Daí as oficinas serem encerradas sempre com o planejamento de uma ação concreta, de uma intervenção na realidade. Daí também, o interesse do SERTA em avaliar com os participantes, o resultado de sua participação na oficina e de programar com os mesmos as temáticas para o segundo semestre.
Ver o relatório da Oficina Regional.