4.2.3. A Matemática na Educação do Campo

  1. A MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO

 

Texto de 1997 está mantido no original pelo valor histórico que têm
para a evolução do pensamento do Serta sobre a Educação do Campo.
Teria muito que acrescentar com a experiência posterior,
mas perderia seu valor de um documento histórico.

             Existe um livro que já vai na sétima edição com o título Na Vida Dez, na Escola Zero 0, escrito por 3 autores, Terezinha Carraher, David Carraher e Analúcia Schliemann, publicado pela Cortez editora.  Este livro está sendo repassado para todas as secretarias municipais de Educação pelo Programa Nacional Biblioteca do Professor, do MEC – FAE – 1994.  Para nós todos que construímos, desenvolvemos e aplicamos a PROPOSTA EDUCACIONAL DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (PEADS) é motivo de alegria ver autores, pesquisadores de várias partes do mundo concluírem com suas pesquisas, resultados parecidos ou semelhantes aos quais concluímos com nossas observações empíricas do dia a dia da vida rural. Os autores pesquisaram durante quase 10 anos na Universidade Federal de Pernambuco, com o apoio de outros centros universitários do exterior, o raciocínio matemático de quem aprendeu com a vida prática comparado com o raciocínio de quem aprendeu com a escola formal.  As conclusões destes pesquisadores vão nos ajudar muito no desenvolvimento da Proposta de Educação.

  • COMO FORAM AS PESQUISAS 

Os autores observavam grupos que aprenderam com a vida prática para descobrir como estes realizavam o exercício da matemática, depois faziam testes com eles e os mesmos testes eram aplicados com séries da escola, que estudavam as operações usadas pelos grupos no dia-a-dia da vida deles.  Por exemplo, estudaram crianças e adolescentes que vendiam picolé, coco, pitomba, pipoca etc. como eles passavam o troco, como aprendiam, como raciocinavam. Depois estudaram como as crianças da escola faziam os mesmos cálculos.  E assim observaram feirantes, cambistas que passam jogo de bicho, mestres de obras que leem plantas de construção civil, carpinteiros que fazem cálculos para saber a quantidade de madeira para um móvel, vendedores que usam balança e dão os preços das frações do quilo etc. Depois o mesmo com os alunos da escola formal, que tinham os conhecimentos destas operações estudadas com as ou os professores.

 

11.2. OS RESULTADOS 

Os resultados foram surpreendentes.  Os bons observadores da vida cotidiana já suspeitavam dos resultados surpreendentes desses dados, porém não podiam provar. Pois, uma coisa é o resultado de uma suspeita, de uma intuição, que facilmente pode ser negado por outra intuição diferente. Outra coisa é um resultado científico, comprovado por pesquisas e métodos rigorosos, que só pode ser negado por outras pesquisas também sérias e rigorosas.   Os resultados apontaram que as pessoas que aprenderam a matemática a partir de suas experiências, de sua vida cotidiana se saíram sempre melhor nos exercícios do que as que aprenderam na escola formal.  Em todas as experiências, o resultado foi melhor, e entre estes, inclusive havia pessoas que não sabiam ler, nem escrever e pessoas semialfabetizadas ou de séries escolares inferiores aos dos alunos da escola formal.

1.3. COMO É POSSÍVEL, COMO SE EXPLICA?

A pergunta vem logo: como é possível que estas pessoas saibam mais matemática do que os alunos que estudam com os livros e a escola formal?  É possível sim!… Muitas professoras nos treinamentos já deram depoimentos que seus pais, vizinhos ou conhecidos, que não frequentaram escola, sabem fazer contas de cabeça mais do que elas.  Os autores da pesquisa comprovam isso cientificamente.

1.4. LIÇÕES PARA NÓS,

Os autores mostram que a matemática tem duas maneiras de ser considerada: uma como ciência formal, exata, que tem uma lógica dedutiva, e outra como atividade humana.  A toda hora e instante, as pessoas se defrontam com medidas de tempo, de volume, de comprimento, de dinheiro e desenvolvem raciocínios matemáticos. Contar, calcular salário, despesas, renda, mercadorias para abastecer a casa, olhar o relógio, observar distâncias, tempo para chegar no trabalho, tudo isso tornou-se uma atividade cotidiana das pessoas de todas as classes sociais.

O que tem feito a escola? Não tem aproveitado destas situações concretas, do dia-a-dia para desenvolver o raciocínio dos alunos.  Parte mais da primeira dimensão, da ciência abstrata, dedutiva.  Tira o aluno do seu cotidiano e o transporta para um campo abstrato para nele, o aluno desenvolver seu raciocínio e sua aprendizagem.

Outra coisa importante comprovada pelos autores é que o raciocínio e as formas de fazer as operações matemáticas dessas pessoas, não habituadas com a escola, são corretas. Para dar as respostas certas, respondem mediante todo um raciocínio lógico, uma operação tão correta quanto a que se faz na escola, inclusive com menor risco de erro.

Outra lição que os autores sugerem é que as pessoas raciocinam de acordo com as situações que enfrentam. Não é por que são pobres ou da área rural que tem dificuldade de aprender matemática.  Mas por que a matemática, que a escola ensina, não tem a ver com a vida e a experiência deles.

Os autores criticam a tentativa de professoras que para tornar o ensino de matemática mais concreto, usam bastões, pauzinhos ou pedrinhas. Neste sentido é melhor usar os dedos, pois os dedos as crianças sempre tem consigo para fazer as contas. Porém, o mais importante é raciocinar em cima das situações concretas vividas pelas crianças. Os bastões ou palitos também se tornam abstratos em relação à realidade que a criança vive.

1.5. CONCLUSÕES

A Proposta de Educação do Campo vem sugerindo que as professoras desenvolvam a matemática a partir, sobretudo, dos resultados das pesquisas feitas pelos alunos, cujos resultados são analisados e desdobrados em sala de aula. A partir daí, as professoras ensinem as formulações, as operações, os cálculos. Isto quer dizer, ensinar a desenvolver a atividade humana da matemática.  A partir daí, com muitos exercícios e estudos de situações concretas, a criança vai aprendendo a desenvolver o raciocínio abstrato.

A vantagem desta metodologia não é só a aprendizagem mais fácil da matemática. Vai muito mais além.  É uma forma de respeitar o meio que a criança vive, sua cultura, valorizar o que ele já sabe, produzir conhecimentos com ele e não só repassar. É uma maneira de fazer conhecer a realidade de forma mais precisa e científica.  No primeiro momento, as situações não devem ser simuladas, hipotéticas, pois existem mil e uma oportunidades de fazer cálculos com os dados reais, pesquisados pelos alunos, ou disponíveis para eles e a professora.  Todas as pesquisas sugeridas nas fichas são sobre realidades concretas. A partir delas no segundo momento se desdobram de outras formas.

Para exemplificar melhor, muitos alunos da área rural do município de Chã Grande são filhos de produtores de Chuchu, o preço desta mercadoria tem uma variação muito grande na CEASA de Recife e Caruaru, local onde a maioria vende. Alunos desenvolvem pesquisa semanal sobre o preço do Chuchu.  Contam a produção semanal de seus pais, o preço da CEASA, tiram as despesas de frete, sabem se o pai ganhou ou perdeu dinheiro naquela semana, naquele mês. Calculam diversas operações a partir da variação semanal.

Enquanto isso, que está sendo uma atividade semanal, pesquisam sobre o custo da estaca, do arame, da mão de obra, da adubação, da irrigação, da colheita, do frete, da produção por pé, por horta, por período de safra, por semana, por mês, por inverno, por verão etc.   Cálculos desta natureza vão deixar os alunos habilitados a desenvolver muitos outros cálculos, sobre   diversos outros produtos.  Aprenderão fração, percentagem, as 4 operações, relação custo benefício, investimento e as pesquisas vão avançar. Vão pesquisar nas classes mais adiantadas a produção do sítio, da associação, do município, vão pesquisar o preço do Chuchu no supermercado, nas feiras. Vão pesquisar o quanto o município produz, qual a renda do Chuchu.

E assim vão avançando nos cálculos para saber se seus pais tem condição de melhorar a produção, se deve aumentar, diminuir, qual o tempo que o produto rende mais e assim por diante. Qual o futuro das crianças que aprendem matemática desta forma e o futuro das crianças que aprendem matemática partindo se situações abstratas?  Com a matemática a partir das pesquisas, estamos ensinando o aluno a ser um cidadão de Chã Grande, a conhecer suas potencialidades e seus limites, e se por aí, ensinamos também o português, a leitura, a escrita, as ciências e os estudos sociais, estaremos desenvolvendo a interdisciplinaridade. Para a área da cana, com 13 municípios com o programa da Bolsa Escola, um bom exercício, é fazer a matemática da cana-de-açúcar, a partir dela, estudar a região. A cana como tema gerador, possibilita uma infinidade de pesquisas, 

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