3.3.1. O Conceito de Escola de Referência que trabalhamos

Texto preparado como subsídio ao Projeto Jovens pela Educação para a
 Convivência com o Semiárido com o Unicef. Julho de 2008.

 

Construímos conceitos a partir da interação entre as práticas que vivenciamos e as ideias que alimentamos. Esse texto deseja explicitar mais essa interação. Temos uma ideia de escola dos sonhos, do que deveria haver em cada escola para ela exercer seu papel na formação e educação das pessoas. Quando uma escola vai conseguindo atender a esse patamar dos sonhos e desejos, as formas concretas com que ela os atualiza inspiram outra vez os sonhos e desejos, porque agora eles passam a ter concretude, tamanho, endereço, cor, espaço, tempo, nome. Isto é, o que se tinha na cabeça, na ideia, passou a existir, ser visto e percebido na concretude, em um lugar, em um município. Quando a ideia, o pensamento encontra essa objetivação, concretude, existência real, com nomes das pessoas, com práticas pedagógicas, com endereço, esses elementos retornam outra vez para as ideias e os sonhos e esses se ampliam de novo.

Passamos a dizer e pensar: “puxa vida! Essa é a escola que eu sonhava! Ela existe aqui! Então, ela pode existir noutros lugares! Agora não é só uma ideia, um sonho, um desejo, olha aqui, é um fato, uma realidade! Olha o tamanho! Olha o espaço!”

Essa existência na prática começa então, a dialogar noutro patamar com a ideia, o pensamento. A partir daí, não existe apenas a dimensão do sonho, existe também a do concreto, do físico. A relação entre a teoria e a prática passa a existir e cria um novo patamar. Qual é esse novo patamar? É que de agora em diante, a prática entra no sonho, permeia o sonho, interage com ele e assim, eleva, aprofunda, enriquece a ideia, o sonho e o desejo.

A ideia agora não é mais como a primeira vez, ela agora está enriquecida pela prática, pela existência concreta em algum lugar e tempo. Agora existe a teoria interagindo com uma prática, que produz uma teoria mais avançada, que continua interagindo com outra prática mais avançada, que vai fazer avançar de novo a teoria. E esse processo continua indefinidamente, sempre se recriando, reconstruindo, aperfeiçoando, um ao outro, numa relação que é dialógica e dialética.

Portanto, podemos nos equivocar, quando falamos apenas de teoria x ação x reflexão ou de ação x reflexão x ação. É sintética demais e pode virar simplista. O esquema é outro: teoria x ação x teoria melhorada x ação melhorada x teoria dessa vez ainda mais melhorada x prática agora mais avançada e assim sucessivamente.

Essa interação permanente não acontece só das pessoas para as coisas, os fatos externos. Acontecem no interior das próprias pessoas, com a sua evolução, com o seu processo de aprendizagem. As pessoas vão confrontando, até de forma instintiva, espontânea, os passos que vão dando e vão percebendo que no início, as ideias e as práticas surgem nebulosas, inseguras e vão adquirindo clareza e segurança no processo contínuo e permanente.

Esse processo espontâneo, nós podemos fazê-lo de forma mais explícita, reflexiva e podemos elevá-lo até um nível de sistematização. Podemos enriquecê-lo com outros ingredientes de monitoramento, de avaliação, de planejamento, de análise, de síntese e podemos trazer para o dia-a-dia da nossa gestão, do nosso fazer, do nosso viver.

Toda essa introdução é para mostrar que estamos construindo um conceito de escola de referência de educação do campo a partir da prática das mesmas. A Escola Anchieta Torres, situada no distrito de Santa Rita a 23 km de distância da sede do município de Tuparetama, no sertão do Pajeú – PE. A cada visita, a cada contato com os professores e alunos, a cada informação que eu tive, eu fui desenvolvendo minhas ideias sobre educação. Essa relação era ampliada com a visita a outras escolas, ao contato com outros educadores/as.

A reflexão no Serta e nas Escolas acaba de conquistar mais um patamar.  É que agora, estamos pensando e construindo dentro de uma rede e de um projeto para a educação do campo no semiárido. Estamos com necessidade de aprimorar a prática e a ideia, a reflexão e a ação, de tudo o que já pensamos e fizemos para construir um conceito bem fundamentado de Escola de Referência para a Educação do Campo.

O Unicef está proporcionando ao Serta, como membro da RESAB (Rede de Educação para o Semiárido Brasileiro) a oportunidade de refazer esse percurso ao longo da história e atuação do Serta junto às escolas e outros parceiros, na construção da Educação do Campo. Está sendo possível graças a um projeto para atuar inicialmente com 10 escolas, podendo ampliar-se para 15 ou mais.

Já para rascunhar o projeto, sentimos necessidade de criar minimamente um perfil de partida para identificar essas escolas e a cada momento estamos precisando fortalecer essa reflexão. Essas escolas foram identificadas a partir de uma prática anterior das mesmas vivenciando a Peads. Portanto, nenhuma escola foi “escolhida” pelo Serta e sim identificada pela sua história, reconhecida. Muitas preenchem o perfil de entrada, vão construindo junto um perfil de saída.

Vamos tentar descrever o perfil de entrada dessas escolas. Não significa que todas as escolas estejam nesse patamar, para iniciar no projeto. Mas que todas as escolas podem e devem inspirar-se nesse perfil para planejar, para reconstruir seu projeto político-pedagógico.

  1. Conseguem superar dificuldades que outras ainda não conseguiram.
  2. Conseguem desenvolver a metodologia em todas as suas quatro etapas com resultados satisfatórios. As professoras planejam em equipe;
  3. Apresentam bom índice de desempenho dos alunos e de participação dos mesmos;
  4. Alimentam um bom relacionamento com as famílias e essas se aproximam muito da escola;
  5. A escola e a comunidade desenvolvem ações concretas a partir da pesquisa, análise e devolução, revelando o protagonismo infanto-juvenil e das famílias na solução de problemas concretos da comunidade;
  6. As escolas passam a desenvolver um papel mobilizador na comunidade. Há muitos produtos de conhecimento construídos pelos alunos com outros autores envolvidos;
  7. Constroem ou construíram a história da comunidade com os alunos e moradores;
  8. Identificam, estimulam e promovem os valores culturais, artísticos e profissionais dos membros da escola e da comunidade;
  9. Têm ou se preparam para estruturar o Conselho Escolar com a participação da comunidade;
  10. Mantém relação positiva com a gestão municipal.
  11. Ao longo de 2008 estarão desenvolvendo atividades com os alunos e a comunidade nas quatro linhas propostas pelo Selo: Educação para convivência com o semiárido, Etnia e Cultura, Esporte e Participação Política.
  12. Cuidam com carinho de sua infraestrutura física, conservam limpa e proporcionam bem estar para as crianças.

Pensar uma escola ideal dentro da nossa concepção não significa pensar uma escola que dê conta de todas as necessidades da educação, da formação das pessoas. Incorporamos as ideias que o CENPEC divulga muito nos seus prêmios, literatura e rede de educadores/as. A escola não precisa dar conta de tudo, mas as crianças, adolescentes e jovens têm necessidade de tudo. Como resolver o dilema?  Na parceria com outras escolas, com outros programas, com outras instituições, com a comunidade.

A escola pode não ter espaço para uma quadra de esporte tão sonhada por alunos e professores. Mas na região, na proximidade pode haver instituição, pessoal que lide com esporte e possa atender a essa necessidade. E assim por diante. Muitas escolas, sobretudo as do campo, sonham com um espaço para horta, para uma sementeira, para a demonstração de tecnologias de manejo de animais e plantas. Como não têm, desanimam! Não é assim. Tem infinitos espaços ao redor, na casa dos próprios alunos, de outras pessoas da comunidade e a escola pode articular-se ou facilitar a articulação com outra instituição que dê conta dessa demanda.

 

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