Texto escrito em 2009 para atender a demanda de professoras do campo interessadas em discutir a questão na escola.
Esse roteiro divide-se em cinco partes que constituem um PPP:
- Os Princípios que fundamentam a educação da escola
- A realidade onde a escola está situada e onde vivem os estudantes
- A metodologia que liga e articula essas duas dimensões, os princípios e a realidade cotidiana.
- A didática através das quais se operacionaliza a metodologia
- Os conteúdos selecionados pela escola para compor o currículo.
A escola que conseguir passar por esses cinco componentes vai desenhar um PPP com sua fisionomia, atender as necessidades de seus educandos e formá-los para a vida nos seus territórios. Para cada um dos cinco componentes há curtas considerações para apoiar a construção, porém, nada pode ser copiado de livros, de internet, de outros PPP, pois exige uma construção coletiva.
Sugerimos para cada parte uma oficina, de pelo menos 4 horas, o ideal seria de um dia completo. Para cada uma é aconselhável escolher relatores para organizar as contribuições e coordenadores para ajudar o grupo. Esses depois de organizar as contribuições passam aos demais com um tempo para a crítica, complementação. Marca-se então um dia a mais para confirmar o PPP e homologar.
O ideal é que essas oficinas tenham participação de toda a comunidade escolar: gestoras, professoras, funcionários, estudantes, família dos alunos, lideranças locais. É fundamental o ponto de vista de todos e não só dos professores e gestores. Para coordenar a construção do PPP, a escola pode definir uma equipe. Pode-se ainda escolher cinco equipes, dependendo das condições da escola, uma para cada parte e depois um membro de cada equipe dar a versão final.
A coordenação pedagógica municipal fará o papel de articular as experiências das escolas dentro do mesmo município.
- PRINCÍPIOS E CRENÇAS QUE FUNDAMENTAM A AÇÃO DA ESCOLA
As concepções são as ideias que definem o comportamento das pessoas adultas, autônomas e independentes. As pessoas se comportam conforme suas concepções. Ou seja, pela filosofia de vida que adotam. As pessoas que não tem ideias construídas por si mesmas comportam-se de acordo com a cultura local, os costumes ou pelas ideias que passaram para sua cabeça e foram aceitas sem discernimento (Pai, Padre, Pastor, Pai de Santo, Professor, Político, Patrão etc.). Todas as pessoas herdam as formas de pensar de seus orientadores até que passam a construir com suas próprias experiências e rever se elas devem ser as seguidas ou reformuladas ou reconstruídas. E a partir de então, fazem suas próprias escolhas de vida, de religião, de política, de trabalho, de estudo.
Portanto, a construção de um PPP começa por verificar as concepções que os educadores/as revelam sobre pessoa, educação, conhecimento, história, aprendizado, o lugar, o direito e o dever, a criança, o adolescente, o país, o campo.
Verificar as concepções é descobrir em que as pessoas acreditam que valores dão ao que acreditam. Uma maneira de descobrir é responder a pergunta do PARA QUE. Para que se vive? Para que se aprende? Para que se ensina? Para que é o conhecimento? Para que o direito e o dever? Para que nascemos em um lugar e não em outro?
Outra pergunta que ajuda é responder ao POR QUE. Porque se vive, se estuda, se ensina, se aprende? Quais as motivações mais profundas das pessoas.
Primeira atividade é uma oficina onde as professoras, educadoras, gestoras, prestadoras de serviço pudessem ter um dia para dialogar sobre essa tarefa. O Serta dispõe de textos didáticos em linguagem simples que explicam algumas concepções, a Escola pode disponibilizar para essa oficina:
- Concepção de Pessoa – Texto 6 nessa edição
- Concepção de História – Texto 7 nessa edição
- Concepção de Mundo – Texto 8 com o título de concepção de relações…
- Concepção de Desenvolvimento – texto 18 dessa edição
- Concepção de Currículo – texto 14 dessa edição
- Concepção de Arte e Cultura – texto 5 dessa edição
- Dimensões filosóficas da Peads – Texto 16 dessa edição
Cada pessoa ou em dupla poderia ler um texto desses e apresentar para os demais, para ir tendo uma ideia do que as concepções determinam na vida de uma escola, na forma de ensinar, de avaliar, de se relacionar.
CONJUNTURA DA REALIDADE DOS EDUCANDOS E EDUCADORES/AS ONDE VIVEM E TRABALAM
Uma vez que as educadoras/es tiveram oportunidade de dialogar sobre as concepções, vamos ver se conseguem dialogar sobre a realidade onde se situam. Onde vivem e como vivem seus educandos e educandas.
Algumas perguntas que podem orientar o estudo da realidade local:
- As famílias dos educandos de onde tiram o seu sustento? Quais as principais fontes de renda?
- Aonde, como e com quais instrumentos trabalham, produzem o seu sustento?
- Quais os conhecimentos que usam para produzir o seu sustento e quais outros precisariam?
- Como é ou está o território onde vivem e onde a escola se situa? Qual a qualidade de vida? Quais os serviços públicos disponíveis para as famílias dos alunos?
- Quais os sonhos de seus estudantes? Quem alimenta esses sonhos? Como se preparam para realizar? Esses sonhos estão de acordo com os princípios que baseiam a educação, as concepções ou são contrários aos mesmos?
Poderia seguir a mesma orientação, cada professora ou dupla pega uma pergunta dessa, pesquisa, passa a observar melhor, escreve e depois em uma oficina partilha com os demais.
Uma vez cada uma apresentando a sua construção, é a hora de aprofundar mais, complementar, e se perguntar qual a relação que existe dessa realidade com o PPP. Se existem, como se revelam, se manifestam nas aulas, nas avaliações etc. Poderia melhorar? Ser diferente? Onde, como?
CAMINHO QUE LIGA E ARTICULA OS PRINCÍPIOS COM A REALIDADE COTIDIANA DOS EDUCANDOS E EDUCADORES/AS – A METODOLOGIA
Se o discurso dos princípios é bonito, mas não consegue chegar ao cotidiano, ao dia-a-dia da vida da escola, dos alunos, se não consegue inspirar as relações, os conteúdos, as aulas, as provas, então esse discurso é vazio, fica só nas ideias, num plano que não desce, não inspira, não alimenta as pessoas, a escola, a vida das pessoas. É idealismo barato!
Por outro lado, se a realidade cotidiana não consegue dialogar com os princípios, com as crenças vai ficar só num plano superficial, basista, obrerista, pragmática. O que precisa para fazer essa ponte, essa interação entre a teoria e a prática, que todo bom educador/a busca?
O caminho responsável por esse fluxo e refluxo, entre a teoria, as ideias e a prática do dia-a-dia da escola, das pessoas é a METODOLOGIA. Se essa for boa consegue fazer a ponte e a interação, se não for, não consegue.
É chegado o momento dos professores e estudantes se perguntarem se as formas como ensinam dialogam com a prática, se são para dialogar ou não, pois, tem professores que nem sequer perguntam por isso, pelas necessidades, os conhecimentos necessários a vida das pessoas do lugar. Se forem para dialogar, para interagir, interconectar e não conseguem é porque está faltando uma metodologia adequada.
Metodologia não é didática, como muitos confundem. Metodologia diz respeito às concepções, às dimensões filosóficas da educação, está ligada às perguntas do PARA e do POR QUE. É chegada a hora de a escola avaliar a metodologia que seus educadores/as usam. Algumas perguntas podem ajudar:
- A metodologia do ensino de português, da escrita, da leitura, da comunicação e expressão leva em conta a realidade dos estudantes e as concepções que eles constroem para a vida?
- A linguagem da matemática, do cálculo, da geometria leva em conta os conhecimentos de matemática que a família precisa na propriedade ou desconhece, ou ignora, ou não tem relação?
- A biologia, a química, a física têm a ver com os conhecimentos que se precisa dessas disciplinas em uma propriedade rural?
- A história, a geografia, as ciências sociais ajudam os estudantes a descobrirem a sua própria história, a sua cultura, a história do seu povo, de sua economia, de sua geografia, ou tanto faz?
Cada professor vendo sua área e a de outro colega, sendo sincero consegue olhar, avaliar e partilhar com os demais. A tendência é achar que do jeito que faz não atende, mas que é difícil, complicado fazer diferente, por mil razões (formação, tempo, contratos, desconhecimento). No entanto, o PPP deve indicar alternativas e possibilidades e essas são muitas.
Seguindo o mesmo ritmo, vale a pena os educadores/as consagrarem um tempo para fazer essa análise, sem medo de se expor, cada um pegando sua disciplina e entrando na de outro, para facilitar a visão interdisciplinar do conhecimento. Depois compartilhar e aprofundar com os demais o que fazer.
DIDÁTICA E DINÂMICAS QUE FAVORECEREM O FLUXO E O REFLUXO DOS PRINCÍPIOS COM A REALIDADE
Para desenvolver a metodologia que é uma só, aproximar os princípios da realidade, a escola pode dispor de inúmeras dinâmicas, técnicas, didática que as ciências modernas favorecem. A psicologia, a biogênese, a biociência, a informática, a cibernética, a sociologia, todas podem ajudar a aprendizagem, facilitar o ensino.
Os professores/as podem dispor de mil e um recursos sonoros, artísticos, musicais, eletrônicos, literários, culturais para que os alunos aprendam ciência e filosofia, arte e cultura, técnica para gerir seus negócios. A criatividade não tem limites para escolherem dinâmicas e didáticas. Porém, todas devem estar de acordo com a metodologia, com a filosofia.
Fazem parte da didática o jeito de ensinar, de apresentar os conteúdos, de motivar os alunos, de trabalhar em grupos, seminários, depoimentos, fazer pesquisa, aplicar questionário, fazer entrevistas, utilizar recursos artísticos, sonoros, culturais, enfim, tudo o que contribui para facilitar o ensino e a aprendizagem.
Os professores podem construir, indicar e partilhar dinâmicas que deram certo ao longo de sua experiência e de outros. Pode ser um quarto encontro para a construção do PPP da escola. uma partilha como faz em sala de aula ou como poderia fazer melhor.
CONTEÚDOS PRIVILEGIADOS E SELECIONADOS PELA ESCOLA PARA FAVORECER O PROCESSO EDUCATIVO
Todo ensino seleciona conteúdos de acordo com o que pretende, de acordo com o para que, com as concepções e a filosofia. Quem escolheu os atuais conteúdos, escolheu de acordo com a filosofia que tem, o lugar que ocupa na sociedade. Em geral foi a elite que escolheu para as massas, os patrões que escolheram para os empregados, as autoridades para os subordinados, os urbanos para o campo.
Daí, ter escolhido uns de suas preferências e interesse e terem deixado outros. Deixaram de lado os conteúdos que emancipam as pessoas, que libertam do assistencialismo e paternalismo da classe política dominante. Os conteúdos sobre os direitos e cidadania não estão em nossos currículos regulares. Os conteúdos que os agricultores/as precisam para gerir bem suas propriedades, viver com qualidade de vida no campo não são selecionados para as aulas.
São negados, não distribuem tempo para que eles façam parte do currículo. Inventam que já existem outros que se tem de dar conta, como se os já selecionados fizessem parte de um dogma. Uma análise mais crítica revela que apenas foram escolhidos por interesses que não são dos alunos, nem dos educadores das escolas dos nossos territórios.
Convém lembrar que os conteúdos são ensinados, selecionados acompanhados de valores, de crenças. Não são ensinados de forma neutra, como se tanto faz ensinar um como ensinar outro. Portanto, valores são também conteúdos das nossas escolas. É importante saber em que os alunos acreditam ao concluir a quarta série, o ensino fundamental, médio e universitário.
Um exercício muito oportuno será a construção pelos professores do currículo de sua escola e depois os de suas disciplinas. O currículo da escola é quem deve orientar a seleção das disciplinas, as dinâmicas, as didáticas. E não o inverso. O Professor de matemática vai saber o que precisa ensinar, a partir dos conteúdos selecionados pelo PPP de sua escola e não o inverso, a partir dos livros didáticos. Livros didáticos são para apoiar, ajudar o professor e o aluno a procurar os conteúdos e não para ser copiado, reproduzido.