3.2.4. Retomada das aulas – Programa Educar – A produção de Conhecimento

 DE VOLTA AS AULAS EM 2006 – PROGRAMA EDUCAR

Professores/as da rede pública dos municípios que desenvolvem o Programa Educar estão retornando à escola em 2006 depois de um ano ou menos de implantação da Peads – Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável. Aplicaram a metodologia e alcançaram diversos níveis. Há professoras/es que fizeram a pesquisa completa, outros não. Houve os que conseguiram desdobrar, devolver e alguns conseguiram até a provocar ações na escola e na comunidade. Há, portanto, diversos níveis de experiência e aprendizado. De uma forma mais elaborada ou menos, foram construídos diversos produtos de conhecimento de maneira individual, grupal e coletiva. O objetivo desse texto é aprofundar o que significam em termos de aprendizagem e produção de conhecimento as iniciativas das educadoras, professoras, monitoras do Peti.

O CONCEITO TRADICIONAL DE CONHECIMENTO

Na escola, fomos acostumados a lidar com conhecimentos acabados, construídos por outras pessoas, sejam os professores, sejam os autores de livros. Quando lidamos com outros meios de aprendizagem, como TV e internet, também nos deparamos com conhecimentos já construídos por outros: seja um filme, uma novela, um jornal ou um site de internet. Nesses meios, ou os professores repassam esses conhecimentos para os alunos e esses copiam ou decoram e na melhor das hipóteses, conseguem interagir ou aplicar às suas vidas; ou nas tv e internet, procuramos nos informar, assistir, consultar o conhecimento já produzido.

O autor Pedro Demo, um dos grandes inspiradores da PEADS, em 2 de seus livros, de fácil leitura, A Pesquisa como princípio educativo e científico e educar pela pesquisa, mostra como esse conceito de conhecimento dificulta a aprendizagem das pessoas. Ele faz crítica severa a essa idéia, que se reproduz do jardim da infância à universidade. O aluno copia do professor, que por sua vez, já copiou de outros autores, cópia da cópia. Porém, não elabora o seu próprio pensamento, não constrói suas próprias idéias. Dessa forma resulta a dificuldade de expressar os conhecimentos com suas próprias palavras, com o jeito próprio de cada um.

Daí também, o conceito de certo e errado e o medo que o estudante tem de expor-se, de não acertar dizer as coisas como o livro diz ou como a professora ensina. O aluno fica com medo que a professora ou os colegas o reprove pelo fato dele não conseguir essa proeza. Outros comportamentos indesejados também são influenciados por esse conceito, tais como:

  • Insegurança na hora de falar,
  • medo de falar em público,
  • suor frio na hora de expor-se publicamente,
  • não fazer perguntas para tirar dúvidas, levar dúvidas para casa,
  • tremura na voz,
  • medo de fitar o público nos olhos.

Pedro Demo mostra como a escola é inibidora, como ela torna crianças curiosas, peguntadeiras em casa, espontâneas, em alunos tímidos e envergonhados. Por outro lado, a criança comporta-se como fosse ignorante, de cabeça vazia e enxerga o professor como se fosse o sabido, o dono dos conhecimentos. Paulo Freire chama de concepção bancária na educação: o aluno vai a professora como o cliente vai ao banco. A professora empresta conhecimento ao aluno, como o banco empresta dinheiro ao cliente.

No livro sobre os Princípios da Peads explicamos que é também por conta desse jeito de conceber o conhecimento, que as escolas não estudam a realidade da vida dos alunos, dos agricultores, das donas de casa, a ação dos adolescentes, pois não têm muito livro, revista, material didático sobre esses temas. Não há produtos acabados, concluídos, livros publicados, filmes ou novelas. Existem sobre outros assuntos, mas não sobre a vida do campo. Vamos mergulhar mais nessa questão.

O CONCEITO DE CONHECIMENTO QUE A PEADS TRABALHA

As professoras que desenvolveram as pesquisas provocaram inúmeros movimentos dentro e fora da escola. Distribuíram tarefas, enviaram meninos e meninas às famílias, para conversarem com seus pais e mães, para colher informação sobre o número de filhos, sobre os plantios e a criação de animais. A professora fez da vida e da lida das crianças ambientes de aprendizagem, onde a criança converte a vida em livro de estudo. Essas aprendizagens são importantes para a escola, não são apêndices, nem são secundários. As professoras aprenderam também muitas coisas. Por exemplo, aprenderam a abordar a vida da comunidade, a população ou as formas de trabalho. As crianças aprenderam a conversar com seus familiares sobre a vida e o trabalho, aprenderam a conversar em sala de aula sobre esses assuntos. Perceberam que esses assuntos fazem parte do português, da matemática, da ciência, da geografia e da história. As professoras entenderam que esses conhecimentos fazem parte da sua tarefa de educadora. Além disso aprenderam a acreditar mais nos seus alunos e no interesse dos pais e mães pela educação de seus filhos.

Esses conhecimentos tiveram um trato e alguns foram postos em texto, em gráficos e até em música e poesia. Quando comparamos esses conhecimentos com os que estão nos livros, percebemos que os dos livros estão apresentados de forma mais bonita, com uma diagramação mais agradável aos olhos. A tentação nossa é pensar que por causa dessa diferença na forma, o conhecimento produzido na escola com autoria das professoras e dos alunos é menos importante do que o dos outros autores dos livros.

Podemos dizer que os conhecimentos produzidos na escola são inacabados, podem continuar sendo construídos e reconstruídos e um dia poderão tomar forma de livro, de revista, de jornal ou ir para a internet.

Eis um desafio para esse segundo ano do Programa Educar. Estimular que as educadoras/es, professoras, monitoras possam dar continuidade aos conhecimentos já construídos. Dar uma forma mais elaborada aos censos, aos textos, se possível passar para computador.

Há um outro produto de conhecimento que foi construído em cada um dos municípios. Esse foi já re-elaborado, digitado, analisado com programa de computadores, passado para o papel e para CD-room. E agora está sendo devolvido para os municípios, para os gestores, para as escolas e as lideranças locais. Trata-se do Censo Educacional. A partir dele, muitos outros conhecimentos podem ser gerados. Cada município vai saber o número de crianças que trabalham e não estudam, o número dos que trabalham e estudam, o número dos que abandonaram a escola em idade escolar. Além disso, vai ter o nome e até o motivo pelo qual a pessoa abandonou os estudos. Vai ter também a idade dessas pessoas e o ano em que parou de estudar. Vai ainda dizer quem participa dos programas sociais do governo.

Cada escola, cada associação de moradores vai encontrar nesse produto os nomes dessas pessoas. Cada escola, sobretudo as que estão no meio rural vai também poder identificar seus alunos e as crianças e adolescentes do entorno que estão sem estudar por conta de trabalho.

Já pensamos quantos outros conhecimentos poderemos produzir a partir desse já produzido? Já pensamos as crianças fazendo as operações matemáticas sobre os números de quem está na escola, quem está na escola e trabalha, quem está fora da escola e trabalha?

Podemos imaginar quanto debate rico, quantos textos e estudos de gramática poderiam ser construídos a partir da questão do trabalho na infância e na adolescência. Se o trabalho atrapalha a educação, em que atrapalha, se o trabalho prejudica as crianças, se não, em que condições? Qual é a opinião de cada aluno, de cada família? Quais são as opiniões diferentes? Como aprofundar essas opiniões? Como chamar os pais para fazer debate nas escolas com os alunos, ouvir a opinião deles. Vamos provocar as pessoas a uma ação diante das questões descobertas.

A esses conhecimentos que já foram construídos pelos censos que as escolas fizeram e pelo censo educacional não vamos chamar ou dizer que é um conhecimento acabado e sim que é um conhecimento em construção, pois ainda vamos aperfeiçoá-lo, vamos continuar trabalhando sobre ele e enriquecendo-o.

Na PEADS insistimos ainda num diferencial. Construindo conhecimento dessa forma, não estamos mexendo só com conhecimento cognitivo, intelectual. Estamos mexendo com a sensibilidade, com as motivações e as crenças das pessoas. Estamos mobilizando as pessoas do nosso território. Estamos construindo a crença que somos capazes de mudar o território.

Para melhor aproveitar o texto, desenvolva alguns desses exercícios:

  1. Examine e expresse o quanto você encontrou-se nesse texto.
  2. Explique em que etapa da PEADS sua equipe se encontra e justifique.
  3. Planeje com a equipe uma apresentação dos conhecimentos já produzidos.

 

Texto elaborado por Abdalaziz de Moura.

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