3.1.2 O que é a Peads e o que é o Serta

1.    INTRODUÇÃO

O que é a Peads e o que é o Serta

Peads é a Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável, criada pelo Serviço de Tecnologia Alternativa – Serta, ONG fundada em agosto de 1989, em seis municípios do Agreste de Pernambuco (Gravatá, Chã Grande, Orobó, Bom Jardim, Surubim e João Alfredo), por um grupo de técnicos e produtores rurais. Atualmente é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – Oscip. No período de muita insegurança para a agricultura familiar no Brasil, devido à abertura de mercado pelo então presidente Fernando Collor e às mudanças nos países socialistas europeus, jovens técnicos em agropecuária, educadores e camponeses organizaram-se a fim de responder alguns desafios para a sobrevivência e o desenvolvimento das propriedades rurais.

Os técnicos conviviam com os agricultores nas propriedades para fazer capacitação em técnicas apropriadas à pequena produção familiar, que levassem em conta a recuperação do solo e o equilíbrio do meio ambiente. Diante da resistência às mudanças estimuladas pelas novas tecnologias, os técnicos perceberam que, por trás das questões técnicas, existiam questões culturais profundas que teriam de ser levadas em conta. Além da resistência dos adultos, que, aos poucos, ia sendo trabalhada, a ausência e a indiferença dos jovens passaram a preocupar os técnicos e educadores.

Os técnicos começaram a preocupar-se com o que se ensinava nas escolas aos jovens, que os deixavam tão indiferentes às realidades e aos desafios concretos das famílias, do trabalho, da terra, da renda, do meio ambiente. A partir daí, a Entidade foi construindo uma relação com outros sujeitos sociais, com os quais, até então, não tinha convivência: as escolas rurais, as professoras, as diretoras e as gestoras da Educação nos municípios. As descobertas desse rico processo estão recuperadas nos textos que se seguem. Criado a partir de desafios, o Serta assumiu mais este, o de construir uma proposta educacional para o meio rural que levasse os alunos e as professoras a uma produção de conhecimentos que fosse útil às famílias, que incorporasse outros valores, que se preocupasse com o desenvolvimento.

Em um encontro de três dias no município de Orobó, em abril de 1992, com 55 jovens estudantes do meio rural, foi pesquisada a relação entre a agricultura, o trabalho no meio rural e a Educação que se dava nas escolas. O resultado foi trágico, porque não se encontrou relação nenhuma, eram dois mundos totalmente diferentes. Nesse grupo, havia nove jovens que eram professoras nas comunidades rurais e nos pediram para que ajudássemos a fazer a ponte entre a escola e a vida, o trabalho e os desafios da família rural. Os primeiros rascunhos surgiram a partir do mês de maio e, desde então, foram se aperfeiçoando, com o nome de Proposta de Educação Rural – PER.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância – Unicef, escritório do Recife, estimulou uma apresentação das primeiras idéias a secretarias municipais de Educação. Quatro dos seis municípios tiveram a oportunidade de participar dessa apresentação.[1] Em abril de 1993, o secretário de Educação de Surubim, Professor Luiz Gonçalves, tentou aplicar a Proposta sob a orientação do Serta com trinta professoras.[2] Em 1994, estendeu às demais, que somavam mais de duzentas. Não havia, nessa época, nenhum aporte financeiro da prefeitura, nem para os almoços dos dias de treinamento. Mesmo assim, um grupo de professoras começou a gostar, e a equipe de supervisoras passou a assumir como pôde.[3] Em 1995, outro município, o de Glória do Goitá, passou também a experimentar, com trinta professoras de dez escolas. O município pagava a diária de capacitação que o Serta fazia com as professoras. Ainda em 1994, o Movimento de Organização Comunitária – MOC, de Feira de Santana, no Estado da Bahia, conheceu a PER, através do Serta, e investiu nela, com as articulações que tinha.[4] Naquela época, o MOC era uma instituição mais estruturada do que o Serta.

O MOC passou a usar a Peads em três municípios da Bahia,[5] Valente, Santa Luz e Santo Estevão, numa parceria com a Universidade Estadual de Feira de Santana, e, já em 1995, apresentou esta Proposta para concorrer ao prêmio Itaú-Unicef – Educação & Participação e foi premiada em terceiro lugar, entre 310 experiências no País, resultado que deu muito estímulo ao Serta para desenvolver mais ainda a PER. A partir de 1996, o Serta transferiu-se do Agreste para a Zona da Mata Sul do Estado de Pernambuco e, em 1997, passou a implantar a Proposta com o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – Peti, quando passou a ampliar o número de municípios na Zona da Mata, região canavieira do Estado de Pernambuco.

Com um programa intensivo de capacitação de professoras da jornada regular e monitoras da jornada complementar do Peti, a produção de material didático e a reflexão teórica ampliaram-se muito. O MOC publicou o livro Educação Rural, uma proposta e uma experiência, o que lhe deu mais visibilidade.[6] Nesse período, a equipe do Serta foi, por três anos consecutivos, ao Estado de Rondônia, Região Norte, no município de Ariquemes, capacitar a Escola do Garimpo do Bom Futuro,[7] que explora o mineral cassiterita. Essa escola candidatou-se ao mesmo prêmio e, entre mais de setecentas experiências, ficou em primeiro lugar em 1999.

A partir de 1999, houve um salto de qualidade, quando o Serta condicionou sua intervenção pedagógica apenas aos municípios que assumissem a PER integralmente, com decisão política dos seus gestores, e a estendessem a todas as escolas e às duas jornadas, a regular e a ampliada. Dos dezesseis que haviam recebido capacitação do Serta, quatro (São Benedito do Sul, Catende e Panelas na Mata Sul; e Vicência, na Mata Norte) acolheram a Proposta. Os resultados satisfatórios em nível de aprendizagem;[8] de motivação dos alunos e das professoras; de construção de identidade; de ligação com a família, com o trabalho e com o meio ambiente levaram esses municípios a estenderem a mesma proposta a escolas urbanas, a escolas de 5ª a 8ª séries e, em um município, até a escolas do segundo grau. A partir das adaptações necessárias, mudou de nome, deixando de ser Proposta de Educação Rural – PER, para ser Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável – Peads.

Diante do êxito conquistado, o Serta foi convidado para um programa estruturador de cinco anos na microrregião da Bacia do Goitá, de 2000 a 2004, chamado Aliança com o Adolescente pelo Desenvolvimento Sustentável. Trata-se de uma parceria de quatro grandes instituições, o Instituto Ayrton Senna, a Fundação Kellogg, a Fundação Odebrecht e a área social do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Com esses apoios institucionais, com a ampliação de alianças estratégicas e parcerias, o Serta continuou a prestar assessoria a dois dos quatro municípios onde já vinha atuando e ampliou para mais quatro, que correspondem à Bacia do Rio Goitá, numa área de transição entre o Agreste e a Mata, numa faixa que se estende de 60 a 100 km da capital do Estado de Pernambuco, Recife.

Com os resultados satisfatórios dessa nova atuação do Serta com parceiros nacionais e locais, a procura pela Peads passou a ser intensa. Mas o Serta não organizou de forma sistemática a sua produção teórica e didática. Fez sempre a partir das oficinas e capacitações das educadoras municipais. Há uma produção difusa de textos, relatórios, materiais didáticos e fichas pedagógicas, atingindo mais de cem documentos. Porém, não sistematizados.

A oportunidade de fazer uma monografia no curso do Programa de Fortalecimento de Lideranças — Terceira Geração, no Instituto Tecnológico de Monterey, México, em 2002, veio responder à necessidade que o Serta e seus parceiros sentem de estruturar mais essa proposta, de resgatar as suas bases teórico-metodológicas. Daí a necessidade de uma sistematização do pensamento, uma arrumação dos princípios. Não se trata de sistematizar a aplicação de um projeto. Iniciou-se, em 2003, uma sistematização da prática nos municípios de Vicência, Orobó e Pombos, um mais antigo e dois outros mais novos, de como se deu a experiência de implantação, formação dos professores e acompanhamento didático dos resultados nos alunos, nas professoras e nas famílias e quais foram as estratégias e metodologia de todo esse processo.

Essa sistematização está sendo feita com o apoio de pesquisadores externos e de atores envolvidos, com um financiamento específico já garantido pelo BNDES,[9] que está interessado em escrever os itinerários curriculares, publicar livro e CD-ROM com o material didático e replicá-los em outros municípios. Para isso, foi montado um projeto específico, com a participação das coordenadoras, das educadoras locais e dos consultores externos. A partir desse estudo, os envolvidos terão como aperfeiçoar os modelos, potencializar as novas ações, melhorar o processo de implantação nos municípios.

Esta publicação é bem mais simples e responde a uma necessidade prévia, anterior a essa da sistematização da experiência. Não vai entrar na questão didática, curricular, no material didático, no sistema de implantação e difusão, nos resultados alcançados. Vai ater-se apenas ao ordenamento do pensamento, das bases teóricas ou dos princípios. Será um instrumento a mais para as pessoas que vão se envolver nessa experiência, que será uma produção coletiva de muitos atores.

Este livro trata de uma produção individual, de minha autoria. É uma investigação qualitativa, que não se reduz a uma mera investigação bibliográfica, pois leva em conta toda a história, todo o processo de construção. A hipótese básica é que esses princípios, difusos na literatura e na experiência, nunca foram sistematicamente organizados e, uma vez que isso ocorra, vão proporcionar uma apropriação bem maior por parte dos sujeitos envolvidos. Essa hipótese vem sendo comprovada durante a construção deste livro. Cada capítulo vem sendo objeto de leitura e debate por educadores e professores, e estes já afirmaram o quanto está ficando mais claro o seu pensamento e o quanto sua ação vai se tornando mais eficiente. Podemos imaginar o quanto poderá ser enriquecida quando tiverem sido completados este texto e a sistematização de todo o processo.

Entre os resultados esperados, convém salientar os seguintes:

  1. Um texto com o pensamento teórico que deu origem à Peads, que possa servir de instrumental para aperfeiçoar a ação do Serta e dos demais sujeitos envolvidos.
  2. Os princípios teóricos mais bem fundamentados e articulados num só documento.
  3. Um resgate do processo de construção desses princípios, que possa ser reapropriado pelos sujeitos sociais envolvidos.

[1] Relatório da primeira apresentação no Cetreino – Carpina/PE.

[2] Relatório da primeira capacitação em Surubim/PE.

[3] Texto 4 – História da Proposta de Educação Rural.

[4] Relatório da primeira Capacitação do MOC, em Feira de Santana/BA.

[5] Relatório da segunda Capacitação do MOC e da Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS.

[6] Esse livro já passou por uma segunda edição, em 1999, e está sendo revisado para uma terceira.

[7] Relatório da primeira capacitação em Ariquemes – Rondônia – 1998.

[8] Relatório da avaliação realizada no Cetreino de Carpina/PE, julho 1999.

[9] Projeto de Avaliação e Sistematização da Peads – Serta.

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