2.2. Explicitação dos Princípios da Peads

 

INTRODUÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PEADS
DOCUMENTOS DE 1997 – 2

   Série: Estudo 02
 Doc. 02. fevereiro de 1997

OS PRINCÍPIOS QUE ORIENTAM A AÇÃO DO SERTA

EDITORIAL

            Este Boletim é o segundo da série de Estudo de 1997 para os sócios e parceiros do SERTA. Publicar esta série, foi uma decisão da Assembleia (17-19/12/96) de avaliação e planejamento. O primeiro foi uma explicação do que se entende por PRINCÍPIO E DIRETRIZES. Este é sobre os quatro PRINCÍPIOS básicos que orientam a ação dos membros do SERTA. Poderiam ser mais ou ser menos. Como podem ser maiores ou menores. A redação pode variar, ser resumida ou extensa. Mas o que interessa aqui é a idéia básica, fundamental. Já tivemos uma outra redação, em 1995, com o plano trienal 95-97.

            Para compreender este Boletim é fundamental ler o primeiro da série de Estudo 01.  Na reunião da nova equipe técnica no dia 21 de janeiro, várias pessoas já haviam lido e estudado este primeiro número.  A idéia das publicações dos nossos textos foi muito positiva. Mas ainda falta muita gente ler o primeiro. Se você está lendo este sem ter o primeiro, procure com a mesma pessoa o primeiro número.  Leia, critique, discuta, divulgue.

São as idéias, as crenças, os valores que sustentam nossa ação e nossa entidade.  Por isso, precisa ser bem discutido com quem quer participar do SERTA. Não se conforme com uma leitura só, procure uma forma de leitura coletiva e de debate. O Próximo número será sobre as

DIRETRIZES, que são tiradas destes PRINCÍPIOS.

  1. ACREDITAMOS NA NECESSIDADE DO HOMEM E A MULHER CONSTRUIR UMA RELAÇÃO MAIS HARMONIOSA COM A NATUREZA.

             O que quer dizer isso? Nós acreditamos que o homem e a mulher são elementos da natureza. Um elemento aprimorado, bem-dotado. A natureza passou milhões de anos para formar o homem e a mulher. Primeiro formou a terra, as águas, as plantas, os animais e por último formou as pessoas com uma inteligência especial. A humanidade evoluiu muito e pensou que não fazia parte da natureza, que podia dominá-la de qualquer jeito, negar suas leis que demoraram milhões de anos para serem formadas. Houve cientista (Francis Bacon) que dizia que a natureza tinha que ser escrava das pessoas, subjugada aos seus interesses e caprichos. Com as descobertas científicas, os homens começaram a explorar a natureza e os próprios irmãos, não só para tirar seu sustento, mas para aumentar seus domínios. Começaram a oprimir mais os irmãos, matar os animais, derrubar as matas, usar o solo, o subsolo, o ar, e a água de maneira desordenada, como se a natureza tivesse a sua disposição de qualquer jeito. Com essa concepção o mundo está descambando para o esgotamento de seus recursos. A natureza, como que se revoltou por terem abusado tanto dela, por faltarem tanto o respeito para com suas leis. E agora através dos seus sinais e fenômenos, ela exige ser considerada, respeitada. Se não, o homem vai se dar mal com ela…

A própria ciência que antes pensava que a natureza era escrava, agora começa a descobrir que em vez de escrava, a natureza é mãe e irmã, colaboradora, obra da criação de Deus como o homem e a mulher são. E que portanto, o homem e a mulher precisam quanto antes mudar esta atitude em relação a natureza, aos recursos que ela tem. As pessoas então começam a ver outra forma de tratar as árvores, o solo, as águas, os pássaros, os insetos, os microorganismos, e sobretudo começam a ver outra forma de tratar os próprios irmãos.

Quando dizemos que esta idéia é um PRINCÍPIO DO SERTA, queremos dizer que quem é do SERTA, acredita na necessidade desta mudança, acredita na necessidade de se olhar a natureza de forma diferente. Daí decorrem as atividades do SERTA. Por isso é que os produtores se capacitam para tratar a natureza como irmã, para facilitar as suas leis, daí o pessoal não querer queimar o mato, nem deixar o terreno livre de ladeira a baixo para as águas carregarem. Por isso que o agricultor quer fazer sua roça equilibrada com a natureza, com as minhocas, com os adubos, com o resto dos matos, com o solo, as plantas e a família. Por isso não usa qualquer agrotóxico, mas procura o que dar mais equilíbrio com a natureza.

Por isso também que a professora do SERTA ensina seus alunos a conhecer a natureza, a pesquisar os recursos naturais do lugar, a construir conhecimentos novos com seus alunos, para mudar esta mentalidade de natureza escrava, para natureza mãe e irmã. Daí a professora querer uma escola rural envolvida com a comunidade, para criar uma mentalidade nova, como no mundo inteiro está se criando.

Por isso também que a Agente de Saúde do SERTA, procura com suas pesquisas, elevar o nível de conhecimento das famílias visitadas, para conhecer esta nova relação com a natureza.  Ela acredita que a cura das doenças, se procura primeiro na própria natureza. Por isso, desenvolve a cura pelas plantas, pelo barro, pelo jejum, pela mente, pela alimentação, pelo trabalho, pelos exercícios, não só pela medicina tradicional.

Quem é do SERTA está batalhando por esta mudança de mentalidade, por esta conversão. Para isso, o SERTA se baseia nos conhecimentos da ciência, da religião, da fé, da história e da experiência. Por isso é que o SERTA vem insistindo muito na necessidade de estudo por parte de quem quer fazer parte do SERTA, do agricultor ao assessor. Hoje muitos grupos usam também este princípio para orientar suas ações, sobretudo os grupos ambientalistas.

Deu para entender melhor o que significa um PRINCÍPIO? É como uma base, um alicerce, um credo. Podemos até colocar esse PRINCÍPIO em forma de credo, que seria mais ou menos assim:

Creio que a natureza é obra da criação divina, é como nossa mãe que nos sustenta, como nossa irmã mais velha que nos orienta nos caminhos da vida. Creio que o homem e a mulher não são senhores dela, mas irmãos e filhos. Creio nas suas leis e me comprometo em batalhar para que elas sejam cumpridas. Prometo com todas as minhas capacidades me esforçar para que o desenvolvimento humano seja harmonioso com a natureza

 

            .  (faça um exercício com suas palavras para exprimir estas idéias em forma de credo, creio em…. ou em outras formas compromisso me comprometo…, renúncia renuncio a todas as formas de violentar as leis da natureza… arrependimento arrependo-me de todas as vezes, que feri a lei da natureza     e assim por diante. É uma forma de exercitar a compreensão da ideia, de articular bem o raciocínio.

  1. ACREDITAMOS QUE O DESENVOLVIMENTO É POSSÍVEL, VIÁVEL, SUSTENTÁVEL E JUSTO

O que quer dizer isso? Queremos dizer que os bens necessários para uma vida humana e digna, são possíveis de se estender a todas as pessoas e grupos humanos. Se não chegou ainda para todo mundo, não é porque seja impossível chegar, mas por conta de outros motivos. Tem muitas razões de ordem histórica, social econômica, cultural, política e ideológica, que impede chegar a este ideal.

Mas a natureza, com seus recursos bem tratados, oferece condições de sustentar todos os seus habitantes em condições mais dignas do que atualmente. Além de mais bem produzidos, podem ser mais bem aproveitados e usados. Mesmo sendo um ideal distante, este PRINCÍPIO nos guia e nos orienta. O SERTA é uma entidade que nasceu desafiada para encontrar saída técnica e produtiva para os problemas. Ela nasceu no meio de produtores e técnicos querendo encontrar saída para melhorar, aumentar e planejar a produção. Ela não teria nascido se seus sócios não acreditassem nesse princípio.

Por isso que o SERTA se preocupou tanto com o planejamento da propriedade dentro dos princípios e técnicas da Agricultura Orgânica. E evoluiu, percebeu que não era só a pequena propriedade que precisava planejar o seu desenvolvimento. O município também, precisava planejar o seu. Pensar também nos seus recursos naturais, na sua água, na sua vegetação, no seu solo, nas suas plantas, nas suas terras e nos seus habitantes. Por isso nasceu dentro do SERTA todas aquelas sugestões para UM PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE CADA MUNICÍPIO.

 

Por isso que o SERTA hoje batalha tanto por Políticas Públicas para o Desenvolvimento, Políticas para o Meio Ambiente, para a Saúde, para a Educação, para a produção e assim por diante. O SERTA acredita que o Desenvolvimento deve levar em conta as condições de cada local, que deve ser assumido pelo poder público e pela sociedade civil. Quando a Sociedade entender que é também responsável pelo Desenvolvimento e não só o município ou o governo, vai melhorar muito a participação do povo no desenvolvimento, nos orçamentos púbicos, nas Políticas Públicas. Isso para o SERTA é um PRINCÍPIO, um alicerce.

Daí, que os produtores além de planejar a propriedade, tentam participar da política municipal, da organização das associações, cooperativas, sindicatos. Daí que a Proposta de Educação do Campo prepara os alunos para o Desenvolvimento do Município, para conhecer e estudar os recursos disponíveis, para usar da melhor maneira possível. Daí que a educação tem que partir de uma realidade local para entender a mais geral, de um conhecimento prático para um conhecimento mais universal.

 

            Tente agora com suas próprias palavras, explicar este princípio. Se estiver lendo com outro, procure cada um fazer o mesmo e abra um debate. 

  1. ACREDITAMOS QUE O DESENVOLVIMENTO SE CONSEGUE COM A PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA

É um terceiro PRINCÍPIO do SERTA. As pessoas já estão mais ou menos acostumadas com a DEMOCRACIA REPRESENTATIVA, a que se escolhe vereador, deputado e senador para representar o povo. Mas não há muito costume ainda com a DEMOCRACIA PARTICIPATIVA. O que chega a ser esta outra democracia?

É a democracia que para participar, não precisa ser candidato, nem eleitor. Precisa ser cidadão consciente. É a democracia que se realiza sempre quando as pessoas participam da construção da cidadania. Na sua comunidade, se constrói, quando ela se junta para buscar a solução para os problemas. Pode realizar na escola, quando os alunos e professoras se mobilizam para conhecer as necessidades do lugar.

Esse tipo de democracia é muito novo, mas é uma tendência no mundo. Acreditamos que mais cedo ou mais tarde, as pessoas vão se envolver mais na sua construção. O SERTA então, batalha pela construção dela, como batalha pelo Desenvolvimento. Aliás, ela é fundamental para a construção do Desenvolvimento que acreditamos. Sem esta democracia, não alcançaremos este Desenvolvimento.

Daí ser importante batalhar   por esta democracia. Por isso, que temos que participar na comunidade, lutar para que todos usem de suas palavras, de suas capacidades. Por isso, batalhamos pela criação de comissões de

trabalho, criação de equipes específicas para realizar tarefas, e não ficar tudo na corcunda dos diretores. Por isso, se luta nas escolas, para as crianças e suas famílias, participarem com as professoras, diretoras e funcionárias da direção da escola.

Por isso, batalhamos pelos Conselhos Municipais de todos os tipos, porque eles são uma porta, um caminho e um meio para construir esta democracia. Tem muita autoridade que não deu valor ainda aos Conselhos Municipais. Tem muitos moradores dos bairros e do campo que também não deram o devido valor. Quem quiser ser do SERTA, precisa acreditar nesta democracia e se envolver para construi-la.

 

            Agora tente dizer como a sua comunidade, grupo ou equipe está construindo esta Democracia Participativa.

  1. ACREDITAMOS QUE O CONHECIMENTO TEM UM PAPEL IMPORTANTE NA COMPREENSÃO DO MUNDO, E NA TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE

O SERTA na sua experiência percebeu que para criar uma nova relação com a natureza, buscar um novo tipo de desenvolvimento e uma forma diferente de democracia, precisava ter um conhecimento novo das coisas. Com isso o SERTA não descarta a importância dos conhecimentos tradicionais aprendidos nas famílias, nas escolas e universidades. Mas, é que a situação de hoje está tão complexa, que os conhecimentos comuns já não são suficientes para o homem construir uma nova sociedade, novas relações e novo desenvolvimento.

Como entender a situação da agricultura hoje se for contar só com os conhecimentos dos nossos pais e avós? Ou só dos técnicos que estamos acostumados? Como entender bem a situação da zona da Mata se contar só com o conhecimento do sindicalismo rural e dos usineiros? Como entender as exigências da educação de hoje, se contar só com as experiências tradicionais? Como entender da saúde só com visita domiciliar da Agente de Saúde ou a consulta no hospital?

Desde o início o SERTA se preocupou em produzir, em gerar um novo conhecimento junto com o agricultor, para que este pudesse fazer frente às mudanças que a agricultura sofria. Os técnicos foram morar com os produtores nas comunidades para aprender para eles e para os agricultores uma tecnologia mais apropriada, um conhecimento mais amplo. É bom não esquecer isso, o SERTA nasceu a partir daí, da necessidade de capacitação, de formação. Muita gente esqueceu disso e relaxou. Mas não dar para estar no SERTA sem estudar, sem buscar oportunidade de adquirir conhecimento. Daí nasceu a PROPOSTA DE EDUCAÇÃO RURAL – PER. (hoje conhecida como Peads). Foi por conta da necessidade de encontrar um conhecimento mais eficiente para construir o Desenvolvimento. Uma vez que nas escolas, o conhecimento era desligado da realidade.

Tem gente que se conforma só com algumas reuniões, uma vez por semana ou por mês. Sabemos que não dar mais para fazer assim. Quando a situação era mais simples, uma reunião ou outra eram suficientes, mas agora não. Sem informação e sem formação vai ser muito difícil contribuir com as mudanças que pregamos. O conhecimento que adquirimos foi aquele que olhava para a natureza como escrava e para o homem como explorador.  Olhava para o Desenvolvimento como se fosse preocupação só do Estado, e para democracia, como se fosse coisa só de candidato. Precisamos de outro tipo.

 

 

Compartilhei

Rolar para cima