SUGESTÕES SOBRE A EDUCAÇÃO DO CAMPO PARA
A REVISTA ONDA DO GRUPO VOTORANTIM
A EDUCAÇÃO DO CAMPO E JUVENTUDE RURAL
Há um elemento cultural que pesa fortemente na formação dos jovens, crianças e adultos do campo. Esse elemento é reproduzido, reforçado e alimentado pelas instituições. Trata-se da herança construída na vida dos brasileiros, sobretudo do Nordeste e se mantém no nível do inconsciente coletivo, nos arquétipos, no substrato cultural e determina o comportamento das pessoas, sem que as mesmas saibam ou tenham consciência de que estão se comportando, pensando e assumindo postura por influência desse fator.
A avó, a mãe, a tia e a professora repetem o mesmo refrão para a criança “estuda menino se não tu vás fazer como teu pai, no cabo da enxada “. Se a criança é interessada nos estudos, escuta de outra forma mais agradável “muito bem meu filho, estude para um dia ser gente, e poder sair dessa vida que leva seu pai, de trabalhar na agricultura”. Há muitas variantes para expressar a mesma realidade. Ora de forma mais dura, direta ora, mais amena e consoladora.
Dita de um jeito ou de outro, são expressões que vão direto para o inconsciente da criança e começa a se incrustar, a criar raízes e fazer parte dos sonhos das pessoas. Essa idéia é reforçada na vida de trabalho, na convivência social, na mídia, no mercado, no senso comum. Vira estigma e passa a determinar as relações entre as pessoas e as instituições.
Quem é filho/a de agricultor, que vive do trabalho da agricultura está associado automaticamente a um trabalho pesado, que não se paga, que não compensa, que exige muita força física.
É um trabalho que fica para quem não teve oportunidade de sair, para quem não estudou, para quem não soube enfrentar outros desafios, para quem se acomodou a um destino traçado, para quem não precisa usar tanto a cabeça, e sim as mãos. A boa oportunidade oferecida pela escola é preparar o aluno/a para abandonar esse destino, para procurar outra vida, aprender a ler e contar, para poder tirar os documentos e arrumar um emprego fora, em outras condições.
Qualquer outro trabalho, mesmo em pior situação é reconhecido como melhor para os filhos, construção civil, balcão de comércio, cobrador de ônibus, empregada doméstica etc. O mundo da agricultura é o da prática, da experiência, para desenvolvê-lo não precisa de escola, de conhecimento inovador, de pesquisa. Portanto, se alguém estuda, não é para investir na agricultura, pois para essa, não precisa de estudo.
Esse substrato cultural também determina o planejamento dos gestores públicos, tecnocratas e políticos. Como é um mecanismo inconsciente, ele é oculto e disfarçado. Sob o argumento de que a população rural diminui no Brasil, uma visão estratégica e de longo prazo produz na cabeça dessas pessoas a idéia de que o campo vai desaparecer, vai diminuir, é residual, vão ficar os mais velhos, os analfabetos, enfim, pouca gente. Então na hora de pensar investimentos, ações estratégicas tudo se volta para as cidades e o mundo urbano. Para o campo ficam programas assistenciais, compensatórios, de assistência social, de apoio ou “combate a pobreza rural”.
A Educação do Campo identifica esses pressupostos como profundamente perversos, não apenas para quem fica no campo, como também para a cidadania nacional. Tornam-se preconceitos que vêem o campo como lugar e espaço de pobreza, de fragilidades, de dependência, de carências. Todo diagnóstico acentua as carências. A Educação do Campo em todos os seus documentos desse milênio, a compensar pelas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, da Segunda Conferência Nacional de Educação do Campo, dos Grupos de Trabalho, dos Movimentos Sociais, dos Centros de Alternância, das Ong envolvidas a leitura é outra.
O Campo é um espaço de vida, de cultura, de tradições, de produção, cheio de potencialidades, gerador de riquezas. Não vai desaparecer, apenas toma formas diferentes, diversificadas, interage com o urbano, tem muitas outras ocupações que não são as rurais, não se identifica só com agricultura. Exige muito conhecimento científico, técnico, gerencial, pesquisa, empreendedorismo. Tem todo um espaço e valor no futuro do país e do mundo. Os movimentos ambientalistas estão contribuindo para essa descoberta.
Reverter esse preconceito é uma tarefa urgente da Educação do Campo. Daí muitas tarefas concretas passam a aparecer: rever os currículos, deixar de ser oculto e tornar explícito. Preparar material pedagógico condizente com essa nova visão do campo, articular redes de experiências, formar pessoal qualificado com essa concepção filosófica, romper as resistências das instituições responsáveis pelas redes de ensino, conquistar financiamento a altura das necessidades, e não perder essa oportunidade histórica e criar nova cultura, novo substrato cultural.