1.18 NOSSA CONCEPÇÃO DE DESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVEL – EM QUE ELA É DIFERENTE

Texto escrito em 2001 para aprofundar com os adolescentes e jovens o
conceito de desenvolvimento no qual eles estavam inseridos.

A ideia de Desenvolvimento Sustentável é hoje um grande consenso. Das associações locais ao Banco Mundial fala-se em Desenvolvimento Sustentável, adjetivando-o com os pleonasmos de Local, Integrado (DLIS). Há programas do Banco Mundial, do Governo Federal, do Governo Estadual, de Movimentos Sociais (CONTAG, FETAPE, MST…), de ONGs, Oscip e Entidades Ambientalistas e grupos do terceiro setor e do empresariado.  Poucas palavras conseguiram em tão curto espaço de tempo, um consenso, uma legitimação e um reconhecimento tão grande.

Sabemos que por trás de tão grande consenso, existe uma variedade de concepções, de estratégias e tentativas de acerto. Não é um conceito unívoco. Todas as pessoas não entendem a mesma coisa quando fala de Desenvolvimento Sustentável.  O SERTA na busca de sistematizar a sua concepção e prática, sente necessidade de aprofundar a reflexão com as pessoas envolvidas. Esse texto é um esforço nessa direção. Achamos que a comparação das diferenças seria uma forma fácil de explicar a identidade. Trata-se de salientar as diferenças e não de julgar se uma é mais adequada do que outras.

18.1. EM RELAÇÃO À PARTICIPAÇÃO DAS CRIANÇAS

Acreditamos que as crianças podem desempenhar um papel importante na construção do Desenvolvimento Sustentável. Elas não são só objeto da decisão dos gestores ou das lideranças municipais. Elas são sujeitos da produção do conhecimento sobre a realidade que vivem. Elas pesquisam sobre suas famílias, sobre as suas comunidades. Levantam dados sobre o diagnóstico local, descobrem limites e potencialidades. Com a escola, analisam esses dados, organizam e apresentam para a comunidade que gerou as informações. Dão uma satisfação e prestam contas aos pais e a comunidade do que foram capazes de construir. E nessa apresentação, convocam os mesmos para uma ação local junto aos problemas identificados na comunidade.

Levam seus pais e mestres a uma ação para aumentar as áreas de plantios, o criatório dos animais, a conservação do meio ambiente, a fiscalização sob os serviços públicos, a uma participação maior das famílias na vida da escola e vice-versa. São recursos, ativos, e não só despesa. São investimentos. São produtoras de conhecimento, dedicam anualmente milhões de horas a produção de conhecimento e ao estudo. As estratégias para a ação das crianças com a escola e com elas são desenvolvidas através da Programa Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável – PEADS. Tem apresentado resultados satisfatórios nos municípios que o SERTA atua na capacitação de educadores.

Em outras concepções e práticas de Desenvolvimento, fala-se de melhorar a qualidade da educação. Mas, é para as crianças e não com elas. As crianças são objeto da decisão dos gestores e lideranças adultas, que participam do processo de planejamento, decisão e avaliação e definem como se deve fazer com as escolas.  São mais para reforçar a estrutura educacional, para a escola exercer bem o papel tradicional que já exerce – ensinar a ler, escrever e calcular bem. E não para que a escola passe a exercer outro papel pedagógico e político, onde a mesma passe a exercer uma função de produtora de conhecimento sobre a realidade, de provocadora do desenvolvimento para que o mesmo aconteça.                    

18.2. EM RELAÇÃO A PARTICIPAÇÃO DE ADOLESCENTES E JOVENS

Outra característica forte da concepção de DLIS que o SERTA trabalha é a participação dos adolescentes e jovens. Os mesmos são capacitados para o desenvolvimento pessoal e social e produtivo, para que possam intervir em seus ambientes de vida: família, comunidade, associação, escola, igreja, grupo jovem, negócio e trabalho. Essa foi a grande contribuição da Aliança com o Adolescente[1]. O SERTA incorporou ao seu trabalho as ideias do Protagonismo Juvenil. Acredita na formação de uma massa crítica de adolescentes e jovens capazes de modificar o seu entorno e as circunstâncias em que vivem. As experiências têm revelado surpresas, da capacidade que os mesmos têm de contribuir para interferir na família, e nos demais ambientes onde convivem.

Deixam de serem problemas para fazer parte da solução, deixam de ser carentes, ‘aborrecentes’, para serem protagonistas. Na cultura tradicional são considerados como fonte de preocupação dos pais, como peso, como despesas, como desempregados, como quem não tem contribuição a dar. Para modelos tradicionais são vistos como mão-de-obra sem mercado de trabalho, ociosos, desocupados, candidatos potenciais à primeira oportunidade de migração.

Esses paradigmas são totalmente invertidos pelo SERTA e Aliança. Os processos formativos e capacitações usadas com eles, as metodologias e estratégias, demonstram o quanto são capazes, rápidos, eficientes e eficazes, quando se sentem sujeitos, reconhecidos nas suas potencialidades de apoio a mudanças culturais.

Em outras concepções, os jovens não fazem parte da agenda, a não ser como beneficiário, como carentes. Para eles são destinados programas de alfabetização, de aceleração da aprendizagem, de arte educação, de reforço escolar, de profissionalização. Em síntese, os adultos e as lideranças reconhecem as necessidades e carências dos jovens e decidem os programas para atender às suas carências. É ação para os jovens e não com os jovens. Partem da mesma concepção tradicional da nossa cultura. É como se Desenvolvimento Sustentável pudesse ser feito por um grupo de pessoas para outro grupo de pessoas, por pessoas que tem saber e oportunidades para outras que não tem.

18.3.  EM RELAÇÃO A PARTICIPAÇÃO DAS FAMÍLIAS

O SERTA não concebe trabalhar com crianças e adolescentes sem trabalhar com a família. Foi a grande cobrança que o SERTA fez aos municípios que aplicavam o PETI. Não faz sentido dar dinheiro, bolsa família, bolsa renda, bolsa escola e tantos outros programas compensatórios, como se as famílias fossem só carentes, pobres. Essa mentalidade reforça a consciência depressiva das pessoas. Elas sentem-se cada vez mais incapazes de cuidarem de si próprias, de seus filhos. É como se o governo estivesse discursando para elas. “Vocês são pobres, incapazes, incompetentes para gerar renda, para cuidar de seus filhos, são analfabetos!… O Estado vai ajudar vocês porque vocês são incapazes”. O resultado de um discurso desse é o aumento da dependência.

O SERTA reverteu esse círculo vicioso para um círculo virtuoso. Acreditou no inverso desse discurso e fez outro. “Vocês são capazes! Vocês têm força de trabalho, tem cabeça para pensar, têm prática, experiência, tem saber, sabedoria e conhecimento! Vamos descobrir o que nos falta, para melhorar o que já temos!” É evidente que esse discurso supõe outra concepção de mundo, de pessoa, de desenvolvimento. Supõe outras estratégias de abordagem das pessoas e dos seus problemas. Aposta na potencialidade, na mudança de paradigma, de cultura, de modos de pensar, sentir e agir. Os resultados conquistados provaram que esse discurso é mais positivo, eficiente, eficaz. As famílias fazem parte da solução e não só dos problemas.

Outras concepções consideram as famílias como objeto da decisão das forças convocadas para discutir os planos de desenvolvimento. São os gestores públicos, os técnicos, os dirigentes, os conselheiros, as lideranças que participam dos debates e das decisões, sobre o que se pode fazer para as famílias, os carentes, os atingidos pela seca. Poucas são as práticas que envolvem junto os atores das famílias. Há muitos trabalhos com crianças, mas os pais e as mães não são trabalhadas.  Idem com os jovens.  Poucas são as estratégias desenvolvidas para que todos os membros da família sintam-se sujeitos do desenvolvimento e não só beneficiários

18.4.  EM RELAÇÃO AOS SISTEMAS FORMAIS DE ENSINO E APRENDIZAGEM

O SERTA parte do princípio que os sistemas formais de ensino e de formação, como as escolas, a formação dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) existentes, são frutos de modelos de desenvolvimento. Além de fruto, são também sementes de modelos. Reforçam e ao mesmo tempo, são reforçados pelos modelos. Esses modelos provaram não serem sustentáveis para o nosso país. Não existe escola neutra em relação aos modelos de desenvolvimento. As escolas nasceram dentro de concepções de desenvolvimento e são tributárias dessas concepções. Esses modelos são os que já fazem parte da nossa cultura. Já se encontram no nível do nosso inconsciente.

O que se encontra nesse nível determina as escolhas, os hábitos e os costumes de um povo. O Desenvolvimento Sustentável ainda não faz parte da nossa cultura. Começa a fazer parte dos nossos saberes, mas ainda não virou cultura. Mas, os modelos tradicionais já se incorporam à cultura, já fazem parte da mesma. Por isso, o SERTA afirma que os programas de capacitação para o Desenvolvimento Sustentável não podem se reduzirem apenas aos campos não formais de oficinas, tais como treinamentos, encontros de planejamento e avaliação.

Ou a escola é a favor do desenvolvimento sustentável, ou é a favor de outros modelos de desenvolvimento. Portanto, o ensino formal precisa ser incorporado do DS, pois contribui mais fortemente para a formação da cultura e não pode ser deixado de lado. O SERTA desenvolve toda uma Proposta Educacional, que revisa os currículos e o papel da escola.

Outras concepções permanecem na contradição de oferecerem oportunidades de capacitação não formal para atores selecionados, dentro de uma visão sustentável, enquanto o município ou o estado mantém as capacitações formais dentro de outra visão. Como se uma fosse sustentável e outra não e como se as duas pudessem conviver. Como se em uma pudesse haver decisão participativa, mudança de paradigma, acesso a novas estratégias de descentralização de poder e em outra não. Como se no mundo não formal, pudesse haver mudança e no formal, fosse inatingível.

18.5. EM RELAÇÃO AO PAPEL DA CULTURA E DO CONHECIMENTO

O SERTA acredita que as capacitações na maioria das vezes, encontram-se no nível do conhecimento. São dirigidas ao pensar e pouco para o sentir, o viver, o emocionar-se, o agir. Muitos técnicos passam como argumento para o intelecto, como algo que precisa ser entendido por uma operação intelectual. As pessoas sabem que as verduras são importantes para a alimentação, mas tem gente que, mesmo sabendo muito bem, não consegue comer. Porque? Por que não tem costume, não gostam, não comiam guando criança, não sentem prazer no paladar.

O SERTA vivenciou muitas situações onde as pessoas vibravam com as capacitações, mas quando retornavam para o seu ambiente cultural, recebiam uma ducha fria do superior, do prefeito, do secretário, do pai, da esposa, dos amigos. Enfrentava um choque cultural e um conflito. “Se fizer como aprendi na capacitação, vou criar um problema com meu chefe ou com meus colegas ou com minha família. Nesse caso, é melhor não arriscar!”

Entendemos que as ações do DS precisam dar um passo adiante para atingir a cultura, o imaginário, o sentir da população. Não podem dispensar a estética, a arte, o sentimento, as tradições, a cultura. Não se pode passar a consciência de DS como se fosse técnica de planejamento, como se fosse letra, como se fosse apenas conhecimento novo ou linguagem adequada aos problemas atuais. DS é postura, é filosofia, é sobretudo um espírito, uma concepção de mundo, de pessoa e de sociedade diferente do que estamos acostumados.

Do saber até a incorporação do mesmo na cultura, há um longo percurso. Fazemos questão de ter isso muito claro, para não nos iludirmos com os resultados puramente formais, técnicos, dos planos de desenvolvimento, que podem facilmente penetrar nos papéis, nos computadores, no nível do consciente e do saber, mas que não conseguem raízes para atingir o nível da cultura. A letra e a técnica por si sós não são capazes de criar o espírito.

Observamos, sobretudo no corpo técnico que presta assessorias na implantação de programas de DS, muito esforço para atingir o campo do saber dos dirigentes e das lideranças, muito material pedagógico e técnico para que os participantes das capacitações possam entender. Nos programas do governo federal é muito comum as exigências da letra, dos papéis corretamente preenchidos, das licitações do corpo técnico. Essas iniciativas não garantem a implantação de DS.

Os caminhos do conhecimento e dos documentos, às vezes, estão em direção oposta ao da cultura. O Saber e os documentos são de mudança, de reconstrução, de sustentabilidade e a cultura é de acomodação, de medo do novo e de desperdício. Os documentos são de descentralização de poder, mas a cultura é de descentralização de responsabilidades. Os Conselhos Municipais cabem nos documentos e na letra, não garantem que estejam presentes no espírito.

18.6. CONCLUSÃO

Essas cinco dimensões não se separam, não são coisas que se juntam, se acrescentam. Não são anexas, nem complementares. São da essência de uma concepção de DS. Fazem parte de uma visão holística, dialética de conceber a sustentabilidade. Não dar para incorporar uma delas, sem o conjunto. Em outras palavras, educação de qualidade não se faz sem uma nova relação da escola com a família. Desenvolvimento das famílias, sobretudo rurais, não se faz sem mudança na escola e sem a escola exercer outro papel diferente do que exerce hoje.

Jornadas ampliadas, tipo PETI, Agente Jovem, Bolsa Escola não contribuem para DS, se não mexer com a concepção da educação regular. Os esforços de educação complementar não garantem resultados e sustentabilidade, se ficarem só no campo informal da educação. Família não se trabalha com sustentabilidade, se não houver ligação dos conhecimentos práticos da mesma com os conhecimentos escolares. Conhecimento não vira cultura, sem decisões políticas dos envolvidos, sem mobilização social entre os sujeitos. Desenvolvimento não é só uma questão de planejamento técnico. Exige firmeza de propósitos a curto, médio e longo prazo. Exige que as iniciativas continuem nos outros mandatos eleitorais.


[1] . Aliança com o Adolescente foi um programa desenvolvido pelo Serta na Bacia do Goitá em PE em parceria com 4 grupos empresariais de 2000 à 2004: Instituto Ayrton Senna, Fundação Kellogg, Fundação Odebrecht e Área Social do BNDES.

 

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