1.16 OS RESULTADOS E OS IMPACTOS DA AVALIAÇÃO ESCOLA NA PEADS

            Texto escrito para aprofundar com as professoras do
Campo outras formas e meios de avaliação da aprendizagem.

Esse texto pretende aprofundar uma dimensão da avaliação, que é saber quais são os resultados do ensino e da aprendizagem na educação escolar e o que esses resultados provocam de impactos e efeitos na vida das pessoas envolvidas com o processo. Por uma questão didática e metodológica vamos analisar separando e distinguindo os resultados, porém, na realidade, eles apresentam-se unidos e articulados uns com os outros. Portanto, a separação é um exercício intelectual para o qual convido o leitor e a leitora a fazerem comigo para melhor entender o nosso objeto de estudo, como um laboratório que examina partículas e pedaços do nosso corpo (sangue, secreção etc.) para compreender melhor a saúde. Vamos pegar cada tipo de resultado, nomeá-lo e descrevê-lo, às vezes, vamos também, comparar como esse resultado apresenta-se em outras propostas pedagógicas, para facilitar o entendimento.

  1. RESULTADOS PEDAGÓGICOS.

Todas as propostas pedagógicas perguntam por esse tipo de resultado. Todas querem saber se o aluno aprendeu bem e se a professora ensinou corretamente, no tempo hábil, com uma didática que facilitou a aprendizagem.  Cada proposta pedagógica tem desenvolvido vários procedimentos para dar conta desses resultados. Há instrumentos de verificação, testes, provas, vestibulares, trabalhos individuas e grupais. Há todo um conjunto de procedimentos normatizados pelos sistemas de ensino para garantir esses resultados. As escolas particulares disputam quem melhor verifica esses resultados, se elas ou as públicas. Estas apresentam suas vantagens em relação à pública divulgando os seus resultados pedagógicos.

A psicologia aprimora estudos de como esses resultados podem ser cada vez mais facilitados pelos alunos e professores. A tecnologia da informática avança sempre mais na produção de material didático interativo para facilitar o alcance dos resultados pedagógicos dos alunos. Há uma literatura ampla disponível em todas as exposições de livros pedagógicos. Há quem pense e diga que esse é o resultado específico, típico da escola, que se identifica com sua missão. A escola foi criada e feita para ensinar os conhecimentos para os alunos. Nesse sentido a Programa educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável – Peads se iguala com todas as propostas pedagógicas. Ela também pretende esses resultados, usa das tecnologias mais modernas e da literatura disponível para alcançá-los.

  1. RESULTADOS ECONÔMICOS.

Aqui já começa a diferença da Peads em relação às outras Propostas. A Peads interessa-se tambémpor resultados econômicos alcançados pelas famílias dos alunos e pela escola e não só pelos resultados pedagógicos. O contexto que a Peads nasceu foi se perguntando pelo que a Produção de Conhecimento das escolas poderia trazer para melhorar a vida das pessoas e das famílias e das comunidades. Em qualquer diagnóstico sobre a realidade da pobreza e do subdesenvolvimento afirma-se a falta de conhecimento e de oportunidade como grandes responsáveis por essa situação. Se os filhos vão para a escola, o que é de se esperar do conhecimento que vão conquistar? Que esse conhecimento venha suprir a falta que faz nas famílias, na comunidade.

Segundo a Embrapa, a cada ano uma propriedade rural com menos de 10 hectares no Nordeste fica mais pobre em 36% (dados de 1994). Os fundadores da Peads então se perguntavam: mas onde estão as influências da escola para reverter esse cenário? A escola tem ou não uma tarefa diante dessa situação? A Educação Popular era muito clara, tinha um papel de mudança de cenário e porque a Educação Escolar não poderia ter? Os educadores atuavam no campo da Educação Popular com os adultos construindo essa convicção, da necessidade de se ter conhecimento técnico, científico, histórico, social, agronômico para ajudar nas mudanças de cenário. E viam a escola atuando com os filhos sem nenhuma ligação com a mudança.

Foi então que procuraram fazer uma interação entre os dois tipos de educação, a popular e a formal e desse esforço nasceu a Peads. Os criadores da Peads perceberam então a necessidade de outros fundamentos teóricos, de uma Teoria do Conhecimento que desse conta dessa preocupação. Daí, uma Proposta de construção de conhecimento que não é neutra, mas com intencionalidade para a ação, para resultados concretos, imediatos e também estratégicos de médio e longo prazo.

Na Peads, da pesquisa à avaliação, a educadora/or está pensando em atingir resultados sobre a realidade que pesquisou. Esses resultados podem ser econômicos ou de outra natureza, mas vão além da aprendizagem instrumental do saber ler, escrever e contar. Precisamos construir procedimentos e instrumentos que verifiquem esses resultados na auto e hétero avaliação. Que saiba perguntar aos alunos, a família e às próprias educadoras/es por esses resultados, que se atribua conceitos e notas a esses resultados. Pois eles comprovam a capacidade e habilidade da criança e do adolescente em manejar o conhecimento que aprendeu com a escola.

  1. RESULTADOS NA GESTÃO OU GERENCIAIS E EMPRESARIAIS.

Aqui também faz a diferença. O avanço da aprendizagem dos alunos, das professoras e das famílias pode e deve ter resultado na gestão da escola e da comunidade. A escola melhora na gestão dos seus recursos, na distribuição de seu tempo, as famílias melhoram sua roça e a criação de seu gado, o planejamento do inverno e do verão. A escola passa a pulsar com o ritmo de vida e produção da comunidade local, se a comunidade prepara uma festa ou o plantio ou a colheita, vai mexer com planejamento, com gerenciamento, com distribuição de tarefas, com prestação de contas, com avaliação. Tudo isso pode provocar aprendizagem de gestão.

Na avaliação, a professora pergunta por esses resultados, pelas aprendizagens conquistadas com esse ensino. A escola torna a vida, o trabalho, o estudo, a festa, em ambientes de aprendizagens, em espaços pedagógicos. Se esses espaços da vida são de aprendizagens, a avaliação deve levar em conta e desenvolver instrumentos e formas de avaliar. Os resultados podem ir além da aprendizagem das disciplinas tradicionais, podem ir além dos econômicos e atingir as próprias formas de gestão da vida no local.

  1. RESULTADOS POLÍTICOS E IDEOLÓGICOS.

Aqui a diferença aumenta ainda mais. Aqui se encontra a maior originalidade da Peads, a dimensão filosófica (política, ideológica, ética, estética). A Peads pergunta pelo empoderamento, ou apoderamento que as pessoas passam a assumir, pela autoria que passam a desenvolver. Pergunta se as pessoas, alunos, professores, famílias estão sentindo-se mais gente, mais humana, mais capaz, mais autônoma, se estão acreditando mais na sua força, na sua capacidade criadora, na capacidade de sua palavra, em poder mudar a realidade, em construir outros cenários. Aqui se pergunta se os autores estão apropriando-se da sua história, dando rumo próprio.

São os resultados que atingem a maneira de ser, de pensar, de agir, de conviver, de participar, de ser homem e de ser mulher. São os resultados responsáveis pela mudança das concepções de pessoa, de história, de natureza, de sociedade, de cultura, de trabalho, de identidade, de valores, de conhecimento, de práxis, de política. São os resultados responsáveis pelos valores e crenças. Na avaliação é fundamental perguntar se o ensino e a aprendizagem estão conseguindo alcançar. Tem proposta que nem sequer leva em conta a necessidade desses resultados, avalia e se satisfaz com o que o menino e menina aprenderam das disciplinas e só!

Na Peads é muito diferente. Leva em conta e estimula o uso de instrumentos e formas de avaliação para aferir se esses resultados estão ou não sendo conquistados. Para explicitar melhor, vejamos algumas dimensões mais específicas desses resultados.

  • O valor da autoria. É muito mais do que o menino e a menina escreverem um texto. Isso qualquer escola boa faria e faz bem. Trata-se de a criança, a professora, a família exercer esse poder, essa cidadania, de acreditar que é capaz de ser dono de si mesmo, de pronunciar e dizer sua própria palavra, de descobrir-se sujeito de sua história e da história coletiva. Esse valor foi negado na família, na escola, na sociedade e na nossa cultura. A palavra que valia era a dos outros, das autoridades, do Pai, do Padre, do Pastor, do Político, do Professor, do Padrinho, do Policial.

A palavra que tinha força era a do urbano, da cidade, dos meios de comunicação, do capital e da capital. Tudo o que se referia ao rural, ao campo vinha associado à ideia de estigma, de fraqueza, de carência, de impotência, de incapacidade, de não compensador, de trabalho pesado, de enxada, de suor, de dor, de atraso, de matuto, de pobreza. A professora rural era uma castigada a repetir por todos os anos de sua vida profissional a reprodução desses pontos de vista. A criança rural se referenciava como um potencial urbano, ou então não teria vez, nem oportunidade. Se, além de ser rural, fosse pobre, negra e mulher do sertão elevariam ainda mais o grau de descrédito no seu potencial.

  • A mudança do paradigma. De onde haveria de se esperar a mudança de paradigma, quando se envolve conhecimento, ensino, aprendizagem, currículo? A lógica tradicional partiria dos centros de pesquisa, de ensino, das universidades. Os autores jamais seriam as crianças, as professoras e as escolas rurais. Esses autores e sujeitos seriam os últimos a serem pensados. Na melhor das hipóteses seriam pensados como objetos da elaboração de quem estava no centro que iria dar capacitação para os da periferia. Far-se-iam muitas coisas, mas ensinadas pelos urbanos, pelos centros de ensino e pesquisa para o campo. O paradigma estaria garantido, seriam as autoridades, as universidades a continuarem definindo o que as escolas do campo precisariam fazer e ser, para se tornarem capazes, legitimadas e reconhecidas. O selo, a certificação, a legitimação sairiam do poder constituído, da autoridade reconhecida, jamais o inverso.
  • O poder da escolha sobre os conteúdos do patrimônio do saber. Uma forma de apoderamento da educação do campo, influenciada pela Peads é a conquista do direito de selecionar dentro do patrimônio universal dos saberes, conhecimentos e valores que interessam ao desenvolvimento do campo e das pessoas que dele ou nele vivem. O que antes era definido, escolhido, normatizado por pessoas e instituições que estavam no centro do poder, passa a ser definido por quem tem compromisso com a mudança, com a causa, com o desenvolvimento do campo. Professoras rurais do agreste, sertão e da mata passam a ser identificadas como portadoras de uma qualificação nova e inovadora de selecionar os saberes para o currículo de suas escolas e respeitadas enquanto tais, sujeitos de direito e não de favores.

Esse novo paradigma representa uma reinvenção ou reconstrução da escola pública, que foi pensada enquanto urbana, para as populações urbanas trabalhadoras das fábricas e estendida posteriormente ao campo, sem ser repensada nas suas formas, metodologia e conteúdos. O mundo industrial e urbano, o mercado capitalista era um modelo tão legitimado, que não se levantou a hipótese da necessidade de uma mudança. O resultado foi que o fracasso da escola do campo foi atribuído à incapacidade de quem ensinava e estudava no campo e aceito como natural, lógico, uma vez que o campo já era reconhecido e aceito como atrasado e matuto.

  • A seleção do modelo de desenvolvimento e de suas formas de organização. A capacidade de selecionar currículo é muito mais do que a mera seleção de conteúdos e disciplinas que possam ser acrescentadas, incorporadas ao ensino escolar. Representa uma nova postura pessoal e coletiva diante da história, da sociedade, da ciência, da filosofia e das diversas formas de conhecimento. Representa o assumir de um novo papel social e político, significa assumir um projeto de sociedade condizente com a missão histórica de quem descobre conhecimento nesse novo paradigma. Isto é, quem assume essa descoberta jamais vai tratar o conhecimento como sendo neutro, ou como fim, ou como algo acabado. Vai considerá-lo como instrumental valioso e privilegiado para fazer as mudanças necessárias da realidade. Quem o possui tem mais oportunidade de intervir, de mudar.
  • Resultados sobre as pessoas. Enfim, vale salientar outro resultado já implícito nos demais, mas sentidos de uma maneira tão particular que vale uma consideração especial. São os resultados observados sobre as pessoas no nível dos sentimentos, das posturas, das crenças e das relações. A construção das identidades, a valorização da autoestima, a construção da autoria e a autoria da construção, as convocações para um compromisso de mudança da realidade fazem da Peads muito mais do que um programa educacional ou uma proposta de desenvolvimento sustentável. Inspira um sistema de vida, de crenças, de relações, de amorosidade e afeto. Por isso dizemos sempre que quanto mais as pessoas assimilam e incorporam a Peads, mais se amam, mais belas se tornam, mais apaixonadamente vivem.
  1. A INTEGRAÇÃO ENTRE OS RESULTADOS.

Convém relembrar a observação inicial. Os resultados pedagógicos, econômicos, políticos e ideológicos não se apresentam separados, como se um pudesse ser alcançado sem os demais. Um está inoculado em outros. A dimensão de um ou de outro pode não ser percebida e apropriada, as pessoas podem não ter o nível de compreensão política e ideológica, mas a vivência mais profunda levará de uma forma mais explícita ou menos explícita mais cedo ou mais tarde a uma consciência dos resultados mais profundos. Ou pode acontecer que as pessoas encontrem formas mais simples de comentarem resultados mais complexos.

Sugestões para debate:

  1. Como tem sido o meu nível de compreensão, incorporação e vivência dos resultados?
  2. Que leitura faço em minha prática desses resultados? Quando foi que eu percebia ainda de forma nebulosa e quando passei a perceber com mais clareza?
  3. Que instrumentos de verificação desses resultados poderiam ser construídos e usados na formação das professoras e no monitoramento e no cotidiano da escola.

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