Texto escrito para estudo com os Agentes de Desenvolvimento Local – ADL,
curso ministrado pelo Serta de 2000 a 2006.
Como acontece com as concepções que já foram estudadas, cada pessoa também tem uma concepção de sociedade. Nem sempre as pessoas expõem ou expressam a sua concepção de sociedade. É muito comum a pessoa estar num ambiente e perceber que os presentes têm uma concepção de sociedade muito diferente da sua. No tempo de campanha eleitoral é comum discutir concepção de sociedade. Um empregado nem sempre expõe a concepção que ele tem de sociedade na presença de seu patrão. Assim também um aluno diante do seu professor para não entrar em choque com ele ou ficar marcado na escola. Isso acontece porque tanto o empregado, como o aluno tem uma concepção de sociedade diferente do patrão e do professor. Exprimir seu modo de pensar pode causar uma represália. Esse texto quer explicitar um pouco mais essa questão.
A concepção de sociedade tem muito a ver com a concepção de história. Diante da sociedade as pessoas podem alimentar várias concepções. Mas existem duas que são as principais. Vejamos:
A pessoa acha que a sociedade é a que existe, a que ele conhece e onde vive. Essa sociedade tem suas regras, suas tradições e o que ele tem que fazer é lutar para ajustar-se a sociedade, encontrar uma forma de realização, viver como a maioria faz, estudar, trabalhar, ganhar dinheiro, constituir família. Se a pessoa não consegue nada disso, então, a responsabilidade por esse estado é da pessoa, ele é que não teve oportunidade, ou não teve competência, ou seus pais não lhe deram condições. A educação na família e na escola é para os mais novos aprenderem com os mais velhos os costumes e as regras. Esse era o ensinamento que o pai da sociologia, Emile Durkheim pregava.
Essa é uma concepção que marcou muito a história da sociedade. Para ela manter-se assim, sentiu necessidade de criar o Estado e o Governo para zelar pela sua permanência e segurança, para resolver as intrigas e desavenças, para regular os contratos sociais. Sem governo e sem estado a sociedade poderia tornar-se uma anarquia ou uma guerra de interesses. Para evitar confusão, bagunça, um passar por cima do direito do outro, o Estado foi estruturando-se com o governo.
O papel do Estado era regular os interesses e as desavenças. Pensava-se que o Estado fazia isso com justiça, distribuindo entre cada grupo o seu quinhão. Cobrava imposto do rico para manter hospitais para os doentes, abrigos para os velhos e escola para as crianças. O Estado era considerado imparcial e as suas leis consideradas como justas. O mercado depois da Idade Média passou a ter muita força na sociedade. Sua influência ficou tão grande que disputava com o Estado e os Governos para ver quem podia mais.
A partir daí uma outra concepção de sociedade foi se formando. Os que interpretavam o interesse do Mercado batalhavam para que ficasse livre, sem controle, a não ser o do próprio mercado, chamaram da lei da oferta e da procura. O mercado então passou a querer se regular por si próprio, não admitindo ninguém acima ou superior a ele. Era a filosofia do Liberalismo, que não admitia nem controle social, nem político, nem religioso. Justificavam que se o mercado tivesse controle externo, ele não cresceria, ficava emperrado, sem concorrência, sem criatividade. Essa filosofia ou concepção de sociedade voltou a ser predominante no mundo da globalização, a partir da década de 90 com o nome de Neo-liberalismo.
O Neo-liberalismo é a concepção do Estado Mínimo, isto é, um estado que cuida só de coisas essenciais, gasta pouco e deixa o mercado livre para influenciar a sociedade. Nessa concepção a educação deve preparar o estudante para competir no mercado, tornar-se esperto e sabido, dominar a informática, a comunicação e os conhecimentos para melhor competir. Quanto melhor competir, mais sucesso, mais felicidade, mais status, mais dinheiro.
Nessa concepção quem decide sobre se há ou não desenvolvimento de um território é o mercado e o mercado globalizado. Quem ficar fora do mercado globalizado está sem futuro. Esse mercado antes era mais controlado pelo capital industrial, pela produção das fábricas, da agropecuária. Atualmente é mais controlado pelo capital financeiro, dos bancos. Antes para gerar dinheiro, as fábricas precisavam funcionar, empregar muita gente, pagar imposto, circular com as mercadorias no comércio. Com o capital financeiro ficou mais prático deixar o dinheiro aplicado nos bancos. O rendimento é maior e sem risco.
Os que usam essa concepção de sociedade dominada pelo mercado acham muito difícil querer mudar alguma coisa. Sentem-se sem força de remar contra essa maré forte. É de um jeito que tudo fica dependendo de dinheiro. O agricultor acha que não pode mais fazer nada na propriedade se não conseguir projeto, o prefeito acha que não pode fazer nada no município se não tiver o recurso na frente. E recurso para prefeito é só dinheiro, moeda.
Essa concepção deixa os pobres muito amarrados para pensar a melhoria de condições de vida. Deixa os jovens desempregados pensando que não são nada porque não tem dinheiro. Poderiam ser alguém se pudessem contar com dinheiro! Como conseqüência dessa concepção, as pessoas, a natureza, o solo, os valores, o trabalho, a inteligência das pessoas, a arte, a cultura e o direito deixam de ser recursos.
Exatamente, o que os pobres, os municípios rurais mais têm deixa de ter valor e o que menos tem é o que vira valor, que fica no domínio dos outros, dos países ricos ou das classes abastadas. Para pensar desenvolvimento com essa concepção, só se for um desenvolvimento dependente das decisões dos outros e não das populações nos territórios. Se houver boa vontade dos ricos, dos políticos, do Estado, dos Governos, poderá haver desenvolvimento!
Observem quanta coisa depende da concepção que as pessoas têm, ou em outras palavras, da filosofia que as pessoas escolhem usar para interpretar o mundo onde vide. Essa concepção não reinou sozinha na história. Houve quem questionasse e propusesse outra. Em que consiste essa outra? È o que veremos a seguir.
A outra concepção reconhece que as pessoas vivem em sociedade, com o Estado e o Governo e também o Mercado. Mas acha que o Estado e o Governo não são tão assim como aparece, ou como tentam aparecer. Esses não são tão imparciais e neutros, nem nasceu como uma necessidade sentida por todos. O Estado nasceu para atender ao interesse dos que possuíam mais poder e dinheiro. Esses tomaram de conta do Estado e dos governos. Fez com que o Estado e os governos protegessem os seus bens, as suas indústrias.
Na sociedade existe uma luta permanente de interesse, o estado media alguma coisa, mas não muito. O Estado e os governos ficam imprensados entre os interesses de classes sociais tão diferentes, a ponto de se tornarem antagônicas. É por isso que existe a “luta de classe”, porque os interesses dos trabalhadores nunca serão os interesses dos patrões. Na mediação que o Estado e os Governos fazem, o interesse dos poderosos sempre sai prevalecendo sobre os mais fracos.
Foi Karl Marx e seus seguidores quem mais aprofundou essa questão. Vejamos algumas conseqüências dessa outra concepção. Se o Estado não defende tão bem os pobres, os camponeses, os nordestinos, então ele não é o que se apresenta. Se um grupo tomou conta dele, tomou conta dos governos é porque alguma condição histórica favoreceu essa apropriação. E foi daí que Marx resolveu estudar toda a história humana para descobrir como foi que um grupo se apropriou do Estado e do Poder.
A partir de então ele desenvolveu outra concepção de sociedade. O que a sociedade apresenta hoje foi construído na história que passou por várias fases. A primeira fase, foi a da Sociedade Primitiva, onde as pessoas viviam da coleta de alimentos na natureza. Não havia acúmulo de riqueza e todos se abasteciam com o que colhiam. Sem excedentes, as famílias não precisavam estar dominando uma sobre as outras para ver quem mais tinha alimentos. Tudo era colocado em comum!
Porém quando a humanidade passou a domesticar animais e a plantar, passou a colher alimentos plantados acima das suas necessidades, passou a ter excedentes. Precisou armazenar os produtos. E nessa história de armazenar os produtos, começou a aparecer a necessidade de definir quem era o dono dos produtos armazenados. Começou a crescer “o olho grande” de uns sobre outros. Daí o passo para a escravidão foi curto.