Texto escrito para estudo com os estudantes do curso Técnico em
Agroecologia, primeira versão foi de 2002, inspirado no trabalho
dos Jovens da Bacia do Goitá-PE.
Depois do estudo do Texto sobre o Papel da Arte na Educação e na vida do Técnico em Agroecologia convém agora aprofundar a Concepção de Pessoa. É muito comum escutar que toda pedagogia traz dentro de si uma concepção de pessoa, de mundo, de sociedade. Dependendo dessa concepção de pessoa, a educação toma um rumo ou toma outro. A educação define qual será a gestão, o currículo, a didática, as estratégias dos planos de aula, o sistema de avaliação, a relação entre educador e educando a partir da concepção que tiver de pessoa.
Outra forma de dizer a mesma coisa é dizer que toda pedagogia tem uma filosofia que lhe dá o rumo. Numa linguagem comparativa, a pedagogia ou a educação é o barco, a filosofia é o piloto que usa o leme. A pedagogia é o veículo, a filosofia é o motorista que usa a direção. Posso ter um carro e dirigi-lo para o bem das pessoas, ou posso dirigi-lo para o mal, ou simplesmente não sair da garagem com ele, deixar só para enfeite.
Esse texto pretende explicitar melhor a compreensão do que seja a concepção que as pessoas tem de si e dos demais, homem ou mulher. Compreender isso é um ponto fundamental da formação do Técnico em Agroecologia. A partir da concepção que o técnico construir sobre si mesmo e sobre as demais pessoas, ele vai decidir que rumo seguir, que ação escolher, que relação manter com as demais pessoas. A professora, a partir da concepção que ela tem de si mesma, ela vai ensinar de uma forma ou de outra, vai relacionar-se com seus alunos de um jeito ou de outro. O agricultor, a partir da concepção que ele tem de si mesmo, ele vai trabalhar de uma forma ou de outra, vai entrar no sindicato ou associação de um jeito ou de outro.
5.1. O que significa concepção de pessoa.
No período em que não se valorizava a questão de gênero, os autores falavam da concepção de homem, hoje se fala ou da concepção de homem e de mulher ou da concepção de pessoa. A raiz da palavra vem do latim, é a mesma que conceber, gerar ou criar no útero uma criança mediante o amor de um homem e uma mulher. Esse sentido original da palavra não é à toa que a história lhe conferiu. Conceber uma ideia ou conceber uma criança é como dar início a uma criação. É como está no início e no princípio da ideia ou da criança. “É ser pai ou mãe da criança”. Usamos comumente a palavra “pai da criança” quando queremos nos referir a quem foi o pai de uma ideia, de um projeto, de uma inovação.
Numa linguagem simbólica e figurada, a história enriqueceu o conceito de concepção para significar mais do que a geração ou criação de uma pessoa. Passou a significar também a criação de uma ideia, de uma obra de arte, de um projeto. Nesse sentido dizemos que Paulo Freire concebeu uma filosofia da educação original, Bethoven concebeu a nona sinfonia, e Oscar Niemayer concebeu a arquitetura de Brasília.
Outros sentidos foram acrescentados a palavra “concepção”. Passou a significar a ideia fundamental que temos a respeito das pessoas, da vida, da sociedade, da natureza, dos valores, do trabalho, da cultura, da história, da política, do desenvolvimento etc. A respeito desses elementos básicos todas as pessoas formam, criam ou constroem suas concepções. É muito comum a pessoa assumir e assimilar a concepção de outras, como dos pais, das mães, dos professores, das autoridades, de um amigo, de um ídolo da arte ou da comunicação.
6.2. Todos desenvolvem concepção de pessoa.
Em geral a pessoa assume uma concepção sem pensar que está assumindo, de forma espontânea herda dos pais, da convivência familiar, do meio social onde vive, dos meios de comunicação. Não precisa ser refletida, consciente, sistematizada. Quando a pessoa vai tendo oportunidade de pensar, refletir, questionar as origens de suas ideias ela pode transformar essa concepção para uma forma mais consciente, refletida e sistematizada.
Querendo ou não, as pessoas têm suas próprias ideias ou concepções, ou imitadas dos demais, ou assimiladas de um líder ou de uma autoridade, ou reconstruídas e reelaboradas. Pode ter de uma forma muito consciente e explícita, quando a pessoa reflete muito, faz leituras de outros autores, escreve e desenvolve seus pensamentos. Mas pode ter de uma forma muito espontânea, inconsciente, irrefletida.
É como o sangue que pulsa nas veias, ou o ar que penetra nos pulmões. As pessoas não ficam pensando na pulsação do sangue, nas batidas do coração, mas se o coração parar de bater e o sangue deixar de correr, a pessoa morre na hora. A mesma coisa é o ar, se deixar de entrar e sair no pulmão, a pessoa morre asfixiado.
No entanto, o médico tem muita clareza do que seja a pulsação, o monge que medita e controla sua respiração, tem muita consciência do que seja a energia do ar que entra no pulmão. Nesse curso nós vamos fazer como o médico faz com a pulsação do sangue e o monge faz com a respiração. Vamos explicitar a concepção que temos e desenvolvemos sobre nós mesmos, e sobre os demais. Vamos procurar a fundo saber como nos concebemos, isto é, como olhamos para nós, como nos pensamos no mundo, na profissão, na família, na sociedade, na escola, no trabalho.
Em outras palavras, nós vamos aprofundar a filosofia. Filosofia todo mundo tem, todo mundo é filósofo, porque todo mundo tem concepção. Já a ciência é diferente, todo mundo não tem, só alguns adquirem conhecimento da ciência, da matemática, da física, da história, das línguas. Mas a filosofia é de um plano diferente ao da ciência. Toda pessoa desenvolve filosofia, maneira de conceber a realidade do mundo, só que uns desenvolvem com muito mais oportunidades, outros com menos.
O Técnico Educador em Agroecologia é um profissional que vai aprender a desenvolver filosofia, é um estudante de filosofia. O curso tem além dos conteúdos técnicos e científicos os conteúdos filosóficos. Os conteúdos filosóficos alimentam as posturas, as atitudes, as escolhas, as decisões durante e depois do curso.
6.3. Como o Educando olha para si mesmo
Dependendo da forma como o Educando se concebe, olha para si mesmo e imagina a si próprio, assume tal ou qual atitude diante da vida. Por exemplo, se ele olha para si como uma pessoa que não tem capacidade, que só traz problema para os pais e professores, que ninguém lhe escuta, nem lhe entende, esse educando vai se comportar seguindo sua concepção. Ele vai sentir-se inseguro diante dos outros, vai sentir-se tímido, acanhado, sem iniciativa, ou vai procurar um jeito estranho de chamar a atenção dos outros ou vai procurar reforço fora de si, na bebida, no apoio de um amigo ou de um líder para enfrentar o mundo.
Mas, se o Educando se olha com outra concepção, por exemplo, como alguém que tem potencialidade, capacidade, que tem uma palavra que lhe é própria, desenvolve ideias próprias, pode contribuir com a solução dos problemas, esse educando vai tomar atitudes de protagonistas, com autonomia, autoestima, autoconfiança e não vai precisar de apoio externo ou de estimulantes para se guiar na vida.
Essa diferença é muita maior do que imaginamos. E como vemos tem repercussão imediata sobre a vida das pessoas. Sobre o rumo da vida das pessoas. As concepções ajudam as pessoas a construírem as respostas sobre as grandes interrogações, sobre o para que, porque, qual o sentido da vida, do bem, do mal, do amor, do ódio.
Por isso é tão importante o Educando, como qualquer outra pessoa, ter mais clareza sobre suas concepções. No caso do adolescente, sabemos que tradicionalmente pinta-se um quadro onde esse é um aborrecente, um revoltado, uma pessoa imatura, que depende do dinheiro do pai ou mãe, depende da autoridade. Essa concepção não é a do nosso curso. A metodologia que desenvolvemos, transforma as pessoas em protagonistas da solução dos problemas. Isso, por conta da concepção de pessoa, que existe na metodologia.
A mesma coisa com os produtores que formamos. Nós não vamos fazer formação só com os conhecimentos de conservação de solo, de controle de pragas, de planejamento da propriedade. Vamos também desenvolver conteúdos filosóficos. Esses conteúdos vão orientar as técnicas. Com as professoras, não vamos fazer formação só com os conhecimentos didáticos, com psicologia, com sociologia, vamos, sobretudo, desenvolver filosofia, concepções pedagógicas. De acordo com a concepção filosófica, com a imagem que ela faz de seu papel, ela vai se relacionar com os alunos, com as famílias, com os textos, com as dinâmicas, com o planejamento e a avaliação.