1.4 O PAPEL DA ARTE NA EDUCAÇÃO ESCOLAR E NO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Texto didático para estudo com estudantes do Curs0
 Técnico de Agroecologia, primeira versão de 2001,
revisado depois que o Curso Técnico do Serta foi
reconhecido como ensino profissional.

Esse texto, na sua primeira versão, foi inspirado em uma ação de jovens da região da Bacia do Rio Goitá, em Pernambuco. Eles fizeram um inventário dos artistas locais, da cultura regional e fizeram depois a apresentação, para a comunidade, dos resultados. A partir desse diagnóstico, organizaram, com os envolvidos, um Plano de Intervenção no campo da arte e da cultura, que ainda hoje gera frutos. Esse texto pretende aprofundar o novo olhar que esses jovens passaram a ter sobre a realidade do seu entorno e qual o papel que a arte tem na educação escolar e no desenvolvimento.

5.1. Um Mergulho na Etimologia das Palavras

Se vamos à origem de certas palavras, podemos encontrar o sentido original das mesmas, que podem ajudar nossas reflexões. A palavra latina COR equivale em português a CORAÇÃO. Fazer algo DE COR é fazer de CORAÇÃO, com o coração, com sentimento, carinho e afeto.

DE+COR+AR = Decorar é preparar um ambiente com o coração, arrumá-lo de tal forma que agrade as pessoas que nesse ambiente vão encontrar-se, preparar de tal forma que as pessoas se sintam bem e percebam os sentimentos do coração.

DE+COR+AÇÃO = Decoração é uma ação que se faz de coração, com o coração, com prazer e satisfação. O objetivo da decoração é a satisfação, o bem estar de quem vai frequentar um ambiente.

APRENDER DE COR, portanto, é aprender com o coração, com paixão, com sentimento, com ternura, com emoção, com gosto, com carinho. Esse é o sentido original do termo. O que fez nossa tradição escolar racionalista? Deturpou completamente o sentido original da palavra, e ainda achou pouco, criou outro termo com sentido pejorativo – DECOREBA.

Decorar passou a significar memorizar as informações para um teste, uma prova, um concurso. Algo que as pessoas fazem de forma mecânica, racional, sem cor, sem cheiro, sem sentimento.  Os resultados foram graves. Com o domínio absoluto do racional, as emoções, os sentimentos, a arte, o belo, o carinho, ficaram fora de nossas escolas, da nossa educação.

Podemos perguntar aonde esconderam todas as dimensões do belo, das emoções, dos sentimentos nas salas de aula em nossas escolas: que espaços têm a alegria, o coração, a emoção, o sentimento em nossas aulas? Como faz falta! Que transformações seriam capazes de fazer em nós e nos alunos se elas fossem consideradas? Que clima recriariam nos nossos ambientes escolares e nas relações entre as pessoas? Que atitudes novas provocariam se o coração tivesse vez?

Os gregos e latinos perceberam a importância da música, da ginástica, da criação de um clima e ambiente “de+cor+ado” para a aprendizagem. As religiões fizeram florescer a arte nos seus templos, para agradar aos seus fiéis. A televisão e o cinema usam da arte para motivar seus espectadores. E a escola, o que tenta fazer?

5.2. O papel da arte na construção da personalidade

Um dos objetivos dos educadores/as de arte é trazer de volta para o ambiente e o processo educativo o que as pessoas perderam ao longo de sua vida, ou que estão presente de maneira fragilizada, tais como a autoestima, o amor por si, a autoconfiança, o respeito, o sentimento do belo, do agradável, do sentir-se bem consigo mesmo e com os demais.

A recuperação do sentido da vida de muitas pessoas pela arte serve de prova do quanto a escola teria a lucrar se levasse em conta a arte na educação. Se uma educação com arte recuperou meninos e meninas de rua, se a arte recuperou prisioneiros, drogados, desesperados, podemos imaginar o que não seria capaz de fazer com nossos educandos das escolas!

A arte vislumbra futuros diferentes, anuncia as possibilidades inovadoras sobre uma determinada situação. Onde pessoas comuns veem somente pedra, pedaço de pau, lixo, tinta e cores, sons e palavras, os artistas veem obra de arte, o belo, o agradável aos olhos e ao coração. Em outras palavras, veem o futuro, a possibilidade de ser diferente. O artista nos ensina que a realidade e a potencialidade das coisas e das pessoas, não se esgotam naquilo que é visto, no “fenômeno” ou aparência. Existe outra dimensão escondida, a “essência” (Dialética do Concreto – Karel Kossic).

O desenvolvimento das pessoas e das instituições só é possível se alcançamos essas dimensões que não aparecem, que estão em potencialidade, que se escondem aos olhares superficiais. O Técnico em Agroecologia é essa pessoa que vislumbra e revela essas dimensões escondidas, essas potencialidades latentes nas pessoas, nas coisas, nas propriedades, na natureza e nas instituições.

Nesse sentido, o educador partilha da capacidade do artista. De forma particular, o Educador que é Técnico em Agroecologia. Isto quer dizer que a realidade local poderá se desenvolver, que tem potencialidades nem sempre expostas a vistas ou a olhares desatentos, ou a diagnósticos convencionais. Pode vislumbrar um futuro diferente. É o que o artista faz na arte e que o técnico faz na sua profissão! E o professor e educador social o que faz?

A escola será tanto mais eficiente e eficaz tanto quanto for capaz de descobrir potencialidade nos seus educandos/as e nas circunstâncias em que eles vivem. Se não descobre nada, é porque só percebe mesmo o fenômeno, o que está superficial, as notas, as lições memorizadas da aula.

Quando se descobre a essência, descobrem-se então, as potencialidades das pessoas, da natureza, das instituições. Podemos dizer que a arte é a grande ferramenta que abre o coração, os sentimentos e as emoções das pessoas, para aprenderem de cor, para fazerem o que só podem fazer se houver coração, se houver alegria, paixão, criatividade. O Técnico em Agroecologia é o educador que domina ferramentas para descobrir essas potencialidades ainda não reveladas, mas que estão como sementes à espera da chuva para nascer. E o professor e o educador social?

“A arte transforma restos humanos em verdadeiros homens”. Esse é o depoimento e o testemunho de Nélisson França, artista de Glória do Goitá, sobre o que a arte fez consigo, depois de ter perdido sua autoestima diante dos reveses da vida.  Ele fazia isso com a recuperação das coisas que encontrava no lixo. Onde nós enxergávamos só lixo, ele enxergava potencialidade e transformava em arte. O que nós jogamos fora, ele recuperava. Em linguagem religiosa, S. Paulo disse que onde abundava o pecado, superabundava a graça. Em outras palavras, aonde a pessoa não via mais chance, Deus lhe proporciona outras chances.  Onde só há o trapo humano, Deus recupera com sua graça. Podemos parafrasear, dizendo que a arte nas nossas escolas transformaria nossos educandos em verdadeiros protagonistas.

O Técnico formado em Agroecologia com a metodologia do Serta compartilha dessa visão. Uma propriedade rural, aparentemente sem recursos convencionais, sem dinheiro, sem potencialidades visíveis, olhada por um técnico educador, revela outras possibilidades.
Olhando a essência escondida nas pessoas, nas pedras, no mato, nos micro-organismos, nos insetos, no esterco dos animais, na matéria orgânica, no lixo, nas folhas, nos galhos das árvores, nas águas, nos relevos, no clima, na temperatura, no solo e no sol, o técnico educador ou o educador técnico descobre e vislumbra outras potencialidades. Transforma a aparente pobreza em riqueza, a aparente fragilidade em força, como o artista faz na vida.

Para isso, o técnico em agroecologia precisa apropriar-se desse novo modo de olhar para a realidade do seu entorno. Educar esse novo olhar é o objetivo desse texto e da disciplina que agora estudamos.

Não falamos de arte nas escolas como uma nova disciplina, e sim como um novo ambiente e um novo olhar. O português, a matemática, a história, a geografia, precisam ser ensinadas com sentimento, com emoção, com carinho, com o COR. Os espaços e lugares pedagógicos, as oportunidades de ensino-aprendizagem são muito mais amplas. Proporcionar aos educandos o contato, a pesquisa da sua realidade local, das condições do seu povo e de seu município, é ampliar em muito o espaço das 4 paredes da sala de aula. É educar o olhar dos educandos para descobrirem o que está para além das aparências. Trazer essa realidade para dentro da sala, para analisar, ser devolvida e provocar ações na comunidade, é ampliar muito mais ainda os espaços de aprendizagens.

 

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