4.3.7. Formação com as Professoras de Chã Grande – PE – 1995

 

FORMAÇÃO COM AS PROFESSORAS RURAIS DE CHÃ GRANDE-PE
14 e 15/02/95

Texto que revela como foi o processo de construção histórica da proposta
de Educação do Campo do Serta, Documento de 1995 transcrito
conforme original da época. Publicado aqui pela explicitação que
conseguiu proporcionar sobre a Educação do Campo pelos participantes.

1. OBSERVAÇÃO PRELIMINAR

Em 1995, o SERTA está trabalhando três situações diferentes com as professoras rurais municipais em função da implantação da Proposta de Educação do Campo. O município de Surubim, do Agreste Setentrional, município com todas as características de Agreste, com plantio só de inverno, com pouca água e uma agricultura, sobretudo de sustentação familiar.

O município de Glória de Goitá, área de transição entre o Agreste Setentrional e a Zona da Mata canavieira, onde a cana influencia diretamente, com plantio em algumas de suas áreas, ou fazendo com que os seus moradores trabalhem na cana nos engenhos vizinhos de Vitória, Chã de Alegria, Lagoa de Itaenga, Carpina e Paudalho. Município com mais chuva que Surubim, com produção especial de mandioca e coco.

O município de Chã Grande, do Agreste, na microrregião do Vale do Ipojuca, onde há mais água, e os agricultores, que não trabalham na cana, trabalham com hortaliças para abastecimento comercial de Recife, e tem tradição de plantio de verão irrigado. Na parte sem água para irrigação, o plantio é, sobretudo, de mandioca e fumo.

São, portanto, municípios de tradições agrícolas diferenciadas e calendário de produção diferente. A Proposta de Educação do Campo leva em conta o calendário agrícola do município no desenvolvimento da mesma. E nos municípios de Pernambuco e Bahia, onde já se começou a usar a Proposta, o calendário de preparação do solo, do plantio, da colheita e da comercialização são bem definidos. Mas em Chã Grande este calendário é misturado. Planta-se e durante todo o ano, vende-se durante todo o ano, prepara-se terreno durante todo o ano. Neste caso foi preciso adaptar a Proposta. Para o SERTA foi um desafio muito rico, pois, o mesmo deve acontecer com vários municípios que queiram desenvolver a mesma Proposta.

A metodologia e os objetivos permanecem os mesmos, mudam apenas as técnicas, a maneira de distribuir as pesquisas, as dinâmicas das aulas e o calendário. Por ser uma situação nova, o SERTA resolveu detalhar alguns elementos do treinamento de Chã Grande com o objetivo de ir sistematizando mais a prática de capacitação, e de registrar a experiência em um contexto diferente dos até agora realizado.

2. PRIMEIRA PARTE DO TREINAMENTO: A PESQUISA SOBRE O TRABALHO DOS PAIS.

Após a ambientação do grupo, que consistiu na apresentação das pessoas, na história da proposta e nos objetivos do treinamento, houve a primeira dinâmica em grupo de duas professoras, para escreverem em uma ficha, o tipo de atividade e trabalho que os familiares dos seus alunos estavam fazendo durante os meses de fevereiro e março (correspondente a primeira unidade escola). Na medida em que escreviam, o animador recolhia, embaralhava e em seguida com a ajuda das professoras, foram colocadas no chão da sala, uma embaixo da outra. Nessa primeira exposição, foram retiradas por elas, as palavras repetidas. No segundo momento, o grupo foi juntar as atividades mais próximas umas das outras e formar blocos mais comuns. Por último, as fichas foram coladas num papel grande, distribuídas conforme os cinco blocos. O que segue agora são as fichas que foram coladas no papel. Trabalhar com essas fichas é um uso bem generalizado nos treinamentos que o Serta oferece as professoras rurais.

AGRICULTURAPECUÁRIASERVIÇOS DOMÉSTICOS
preparando a terra para plantar feijãocuidando dos animaiscuidando da casa
preparando a terra para plantar quiabocriação de gadocuidando das crianças menores
prep. a t. p/ plantio de fumo e mandiocacriação de aveslavando roupa
fazendo aração do terreno para plantiocuidando dos cavalospreparando a comida
estrumando a terratirando capim para o gado 
plantando hortaliças
cultivando mandioca
  
irrigando as hortas
fazendo adubação de chuchu
aplicando inseticida
tirando folhas secas do chuchu
limpando roça, forrando a terra para permanecer molhada
  
COMERCIALIZAÇÃOSERVIÇOS DIVERSOS
colhendo chuchu para vendertrabalhando no corte da cana
carregando hortaliças para a Ceasatrabalhando na construção civil
vendendo na Ceasa e nas feirastrabalhando como diarista na roça de outros

3. SEGUNDA PARTE: DESDOBRAMENTO DA PESQUISA

Esse quadro foi o que as professoras formaram. Não se entrou no mérito se era real, bem feito, completo ou incompleto. Como o grupo era pequeno, com 13 professoras e uma supervisora, os animadores passaram a fazer algumas perguntas ao grupo, entre estas convém registrar algumas:

Como se sentem vendo este quadro produzido por vocês?

Para a maioria foi surpresa, não imaginavam tanta coisa, mesmo vendo em casa seus familiares fazendo estas coisas, nunca tinham parado para pensar nisso. Mesmo participando, pois, a maioria delas é filha de agricultores, não tinham tido oportunidade de olhar com esses olhos. Sempre foi rotina, dia a dia, cotidiano sem valor, sem observação, sem pesquisa.

Quando menos esperavam, estavam as professoras falando da pesquisa, da situação dos agricultores, dos seus pais, deram depoimentos sobre os prejuízos que seus familiares e conhecidos têm tido no comércio dos produtos agrícolas, da exploração dos intermediários, do preço dos fretes, dos jovens que não querem mais saber de agricultura.

Neste momento, o papel dos animadores foi apenas de controlar para não falarem duas ou mais de uma vez só. Estes deram corda ao debate e deixaram que as professoras falassem, até o ponto das mesmas se sentirem capazes de tratar o assunto, de perceberem a gravidade dos problemas dos pais de seus alunos e de seus próprios, de observarem o abandono dos poderes públicos pela agricultura. Em alguns momentos, as opiniões de uma eram diferentes de outra, o que estimulava mais o debate. Umas antecipavam soluções sem aprofundar a questão, outras faziam juízo de valor.

Um dos objetivos da dinâmica era conseguir que professoras rurais conversassem sobre a vida, o trabalho dos pais dos alunos. Esse foi bem atingido, e mais outra pergunta foi formulada:

Quando vocês se encontram em reunião, falam por acaso desses assuntos?

A resposta veio de uma vez só na boca de todas: “Nunca… nunca… a gente só fala dos assuntos da escola, das matérias, das crianças, do salário, das dificuldades em classe”. Nesta oportunidade, as professoras iam constatando que a reunião delas não tinha nada a ver com o assunto, que uma coisa se apresentava separada da outra. Jamais havia passado pela cabeça delas, das supervisoras, que uma questão desta tivesse a ver com as reuniões delas. Sempre conceberam escola como não tendo nada a ver com a situação dos pais dos alunos, aliás, como os próprios pais também pensam e os alunos e a sociedade como um todo. Quem vai para a escola é para aprender a ler e escrever, contar e calcular.

4. TERCEIRA PARTE: APROFUNDAMENTO DA PESQUISA, O OBJETIVO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR

Com as reações das professoras à última pergunta, os animadores prepararam a terceira parte do treinamento, primeiro fazendo uma pergunta complementar à anterior:

Com os alunos, vocês falam destes assuntos, fazem algum texto, algum ditado, algum exercício de matemática, algum dever de casa?

As respostas já eram esperadas a partir do que já se havia conversado sobre a pergunta anterior. Também não costumavam fazer nada disso, só uma que já participava de outras atividades do SERTA, fazia debates e pesquisas sobre o assunto. Passou-se a nova dinâmica, em dupla, e depois em grupo de quatro, para responder a pergunta:

O que a escola tem a ver com estes assuntos e vice-versa?

A pergunta levantou questões importantes, sobre a natureza e o objetivo da educação e da escola. Constatou-se que a escola não contribuiu para a agricultura, pelo contrário, reforçou o êxodo, prejudicou a autoestima dos filhos dos agricultores, nunca valorizou o que eles e seus pais fazem. Estas questões são comuns em todos os treinamentos e este texto não vai desenvolvê-las aqui, pois o que se quer no momento é caracterizar a Proposta no município de Chã Grande.

5. QUARTA PARTE: ESTUDO SOBRE A PESQUISA

No município de Chã Grande há 3 produtos principais, o chuchu na área irrigada acompanhado de hortaliças em geral, e na área sem água, o fumo e a mandioca, plantados no inverno. A dinâmica era saber o que se tinha a pesquisar sobre estes três produtos, isto é, que conhecimentos poderiam se produzir a respeito destas culturas. Com o resultado desta dinâmica, seria estudada a Proposta Pedagógica de Educação do Campo. As respostas em fichas foram organizadas no quadro, primeiro as informações comuns aos três produtos, depois as específicas.

5.1. INFORMAÇÕES SOBRE OS PRODUTOS PRINCIPAIS DE CHÃ GRANDE

– área de terra a ser plantada

– qualidade do solo melhor para a lavoura

– período adequado para o plantio

– tempo e forma de preparar o plantio

– mão de obra da preparação do terreno

– custo desta mão de obra

– dosagem do adubo necessário para o plantio

– custo do saco de adubo químico

– custo do saco de adubo orgânico (gado ou galinha) qualidade e dosagem dos defensivos (venenos)

– custo dos defensivos

– riscos do uso dos defensivos, maneira de aplicar

– período de limpa e custos da mão de obra

– tratos culturais em geral

– doenças e pragas mais comuns

– forma de controle das pragas e doenças

– qualificação do produto

– compradores do produto

INFORMAÇÕES ESPECÍFICAS SOBRE

CHUCHUFUMOMANDIOCA
preço do material para instalação de uma horta: arame e estacaTempo de preparar a sementeiratempo de preparar o terreno
forma e quantidade da irrigaçãoForma de preparar a sementeiraforma de plantar e cuidar
Forma de plantar e cuidarTempo e forma de transplanteTempo de limpar
Produção média por planta por semanatempo da “capação do fumo”Tempo de fazer farinha
Preço de cento e milheiro na Ceasaforma de fazer a “capação”Mão-de-obra necessária
Preço por frete por sacoforma de secagemCusto comercial da farinha
Lucro ou prejuízo da semanacuidados para com a secagemLucros e prejuízos
 forma de enrolar o fumo 

O objetivo deste levantamento era para se perceber o quanto de produção de conhecimentos se pode ter com um determinado produto agrícola, e que para produzir conhecimentos, é necessário buscar as fontes, pesquisar com os agricultores, os familiares. Com esses dados foi discutida a metodologia da Proposta como se faz com os demais municípios. Aqui será apresentada de forma esquemática, de acordo com as suas duas primeiras etapas. No treinamento não houve tempo para se discutir a terceira etapa.

PRIMEIRA ETAPA: CONHECER, VER, PESQUISAR, OBSERVAR, PERGUNTAR

A Proposta de Educação consiste em levar os alunos a pesquisarem a realidade da sua família e do seu meio. Há temas suficientes para se pesquisar o ano inteiro. No treinamento se viu apenas sobre três produtos, em outros treinamentos se verá sobre outras coisas. A realidade, em parte, as famílias, os alunos e até algumas professoras já conhecem. Porém não basta este conhecimento, é preciso se desdobrar sobre ele, buscar informações mais precisas, mais sistemáticas e mais ordenadas. A pesquisa se torna um dever de casa, do qual a professora não pode abusar. Uma ou duas perguntas são suficientes para a professora retomar e desenvolver as disciplinas.

No caso do município de Chã Grande, como estes três produtos perpassam o inverno e o verão, as pesquisas iniciais vão se centralizar sobre eles. Serão o fio condutor para se compreender e aplicar a proposta, e fazer as mudanças necessárias na escola, na pedagogia, nas aulas, nas provas etc.

SEGUNDA ETAPA: DESENVOLVER, ANALISAR, DESDOBRAR, ENRIQUECER

O que a professora vai fazer com os resultados das pesquisas é computar os dados da melhor forma possível para veicular através deles os conteúdos de Português, Matemática, Estudos Sociais e Ciências. Esta parte foi dada no segundo dia de treinamento. Será transcrito só a parte que foi discutida no dia com as professoras conforme foi colocado no quadro. Como a professora poderá transformar os conteúdos destas pesquisas em conteúdos das disciplinas tradicionais? Há inúmeras possibilidades, de forma Inter e multidisciplinar, escolhendo os conteúdos que mais se adaptam às pesquisas e vice-versa. Com as pesquisas, aprendem o aluno, a professora e a família. Muitas questões as professoras não dominam, sobretudo quando são da cidade. Aprendem com os alunos e os pais.

O QUE SE PODE FAZER COM O PORTUGUÊS

(Varia de acordo a série e o nível dos alunos)

1. Pôr no quadro o resultado das pesquisas e conversar com os alunos sobre ele.

2. Provocar debates, diálogos e conversas sobre o tema pesquisado.

3. Explorar palavras, letras, sons, sílabas, ortografia, grupos vocálicos, consonantais etc.

4. Construir textos individual, grupal, coletivamente, explorar diversas formas o texto.

5. Fazer teatros, mímicas, encenações e desenho.

6. Fazer personificação com os elementos da natureza.

7. Criar estórias, contos e narrações.

8. Procurar músicas, cantos, poesias ou fazer paródias sobre o assunto.

9. Fazer ditado sobre o tema da pesquisa leituras

O QUE SE PODE FAZER COM A MATEMÁTICA

(varia de acordo com a série e o nível dos alunos).

1. As quatro operações fundamentais, todas a partir das situações concretas e vividas pelas famílias.

2. Unidade, dezena e centena (unidade, cento e milheiro), números decimais.

3. Escrever dinheiro no levantamento dos custos.

4. Aprender unidade de medida de superfície com o tamanho das áreas de plantio.

5. Percentagem e fração com a distribuição dos custos dos produtos.

6. Noção de conjunto

7. Tirar média da produção por área, planta, família, semana etc.

O QUE SE PODE FAZER COM O ESTUDO DE CIÊNCIAS

1. Relação solo – água – planta – sol.

2. Composição do solo, estrutura e textura.

3. A semente, a germinação, a planta e suas partes.

4. Matéria orgânica, decomposição reciclagem.

5. Microrganismos, tipos, papéis e reprodução

6. Doenças e pragas: origem, reprodução e controle, conhecimento e identificação.

7. Condições favoráveis e desfavoráveis para o solo, a planta, a fertilidade etc.

O QUE SE PODE FAZER COM O ESTUDO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

1. As pessoas da família que trabalham nas roças.

2. Funções de cada um na distribuição dos trabalhos.

3. A profissão de trabalhador rural e as que se relacionam mais com ela.

4. Os meios de transporte na roça, da roça para a cidade, desta para a Ceasa etc.

5. O comércio e a participação dos produtos agrícolas.

6. Remuneração pelo trabalho agrícola emprego e renda.

CONCLUSÕES E DEFINIÇÕES FINAIS

1. Identificação do preço do chuchu: Uma das professoras propôs cada semana organizar um quadro com o preço do chuchu na Ceasa, uma vez que ele é variável. A cada segunda feira no quadro apropriado, os alunos colocariam o preço do chuchu, no final do mês tirariam a média do mês, fariam diversas operações matemáticas, identificando a percentagem de aumento e diminuição do preço a cada semana.

2. Contato com os pais e associações: Onde existir associação, as professoras vão entrar em contato com as mesmas para conversar sobre a Proposta Pedagógica de Educação do Campo, e pedir o apoio dos mesmos junto aos pais para que estes apoiem a proposta.

3. Evento municipal no segundo semestre: Foi discutida com as professoras uma preocupação das associações do município de se fazer um evento no segundo semestre que chamasse a atenção da opinião pública e das autoridades para com a agricultura e o desenvolvimento rural. As professoras gostaram da ideia de participar da preparação na medida em que estudam com seus alunos a história, e a cultura do chuchu. Sua produção pedagógica e as pesquisas dos alunos e professoras durante o ano vão servir para enriquecer este evento com uma finalidade pedagógica e política.

4. Acompanhamento da supervisão municipal: A supervisora se responsabilizou de reunir as professoras para avaliar os encaminhamentos que forem dados nas escolas, socializar as notícias e programar as próximas etapas.

5. Uso das fichas pedagógicas: As professoras iam receber da secretaria municipal cópia das cinco fichas pedagógicas usadas nos outros municípios. Mesmo em Chã Grande, não usando diretamente as fichas, as professoras, iriam conhecer, para melhor adaptar à situação específica do município.

O encontro foi concluído com uma avaliação. Neste texto, não estão incluídas as outras partes do encontro. Não se trata de um relatório, mas de um texto para situar a adaptação da Proposta a situações diferentes. Relatou-se apenas as partes específicas de Chã Grande.

 

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