RELATÓRIO DO ENCONTRO INTERMUNICIPAL DE PROFESSORAS QUE APLICAM A PROPOSTA DE EDUCAÇÃO DO CAMPO
Mais um documento de 1995, anterior a toda discussão
sobre Educação do Campo no Brasil. O Serta já fazia
encontros com professoras de municípios diferentes sobre
as experiências das mesmas.
Contribuição de Lúcia Farias
CAMARAGIBE-PE, 4 e 5 de julho de 1995
OBJETIVOS DO ENCONTRO
| Item | Objetivo |
|---|---|
| 1 | Avaliar o desempenho da Proposta no primeiro semestre nos 3 municípios. |
| 2 | Adquirir maior domínio sobre a metodologia e filosofia da Proposta |
| 3 | Trocar experiência sobre os seminários municipais do segundo semestre |
| 4 | Criar condições para a formação de uma equipe de professoras e supervisoras de forma permanente para desenvolver a Proposta com outras professoras e outros municípios. |
| 5 | Projetar o segundo semestre |
PARTICIPANTES
| Município/Entidade | Número de Pessoas |
|---|---|
| SURUBIM | 14 pessoas |
| CHÃ GRANDE | 3 pessoas |
| GLÓRIA DO GOITÁ | 10 pessoas |
| SERTA | 4 pessoas |
| MEB (convidada) | 1 pessoa |
| UFPE (assessoria) | 1 pessoa |
| Total | 33 pessoas |
PRIMEIRO MOMENTO
Constou da acolhida aos presentes, diversas dinâmicas de ambientação, distribuição de responsabilidades e exercícios de relax, para vivenciar a vida na escola no tempo de infância de cada participante e agora. Houve a apresentação detalhada do programa e um convite especial do Assessor para o grupo enviar alguém a III FEIRA LATINO AMERICANA DE ALFABETIZAÇÃO em Brasília, no final de julho, para apresentar a Proposta de Educação do Campo. Pelo município de Surubim, foram Telma Cabral e Marinês Oliveira, pelo município de Chã Grande com o apoio da Associação de Mutuns, Verônica Lira e pelo SERTA, Lael Gomes Pontes e A. de Moura.
SEGUNDO MOMENTO: AVALIAÇÃO
Foi apresentado um quadro com 14 pontos para em duplas formadas por municípios diferentes e depois em grupos de quatro darem um voto para cada ponto e justificar cada voto. Os conceitos foram 4: ÓTIMO, BOM, REGULAR, INSUFICIENTE. Em seguida foi formado um grande quadro para computar os votos e comentar as justificativas e provocar debates. Foi feita a observação inicial que o voto deveria se basear no conjunto da experiência e na realidade. Qualquer enfeite prejudicaria nossa análise. Os resultados para cada ponto foram os seguintes:
| Conceito | Total de Votos |
|---|---|
| BOM | 207 |
| REGULAR | 147 |
| INSUFICIENTE | 24 |
PROFESSORA APRENDENDO COM OS ALUNOS
Foi o item que mais teve pontos favoráveis. 28 bom contra um regular. Diversos testemunhos e depoimentos foram dados pelas professoras sobre o quanto elas estão apreendendo com seus alunos, com a produção de conhecimentos do grupo. Falaram de como este processo está provocando mudança nas relações delas com os estudantes, com a comunidade, e de como isso tem exigido uma nova postura pedagógica. Não são mais as “sabichonas” que sabem de tudo, as crianças não são mais tolas. São pessoas com saber, com experiências, com capacidade de produzir conhecimentos. A autoestima dos alunos aumenta quando eles percebem que a professora também aprende com eles.
COMPREENSÃO SOBRE A PESQUISA REALIZADA PELOS ESTUDANTES
Foi o segundo ponto com melhor número de votos. 26 bom contra dois regular. Inicialmente, o comentário nos treinamentos era que a pesquisa seria difícil de ser realizada, porque a realidade da vida rural tem sido muito dura, e os alunos poderiam rejeitar, como também seus pais. No entanto, depois de iniciada a Proposta, os resultados surpreendem dia a dia as professoras, os alunos e as famílias. Os alunos gostam. Os pais, depois de participarem de uma explicação, mostram interesse, aumentam a parceria com a escola, valorizam mais seus filhos, a professora, percebem mais ligação da educação com a vida, e passam a se interessar mais pelo conhecimento preciso. Verônica de Chã Grande deu o exemplo, do pai que a procurou emocionado para falar da sua alegria e satisfação, em ver pela primeira vez, sua filha de 10 anos, sentar-se com ele, para perguntar sobre o trabalho, que nunca filho nenhum que estudava tinha valorizado o seu trabalho de produtor.
PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO
Foi o terceiro ponto, 21 bom contra dois regular. Para quem estava acostumada a uma escola que só repassava conhecimentos da professora para o aluno, e agora experimenta uma realidade desta, foi um salto de qualidade na educação. “Quando meus alunos voltam com o resultado da pesquisa, é tanta coisa que eles trazem, fica tanto assunto para dar aula, que de repente, eu não sei mais se estou dando aula de português, matemática ou ciência” (Depoimento de Severina, Glória do Goitá, em um treinamento). Os exemplos insistiram na necessidade de as crianças aprenderem a estudar, mesmo que um dia saiam da escola. Isto é uma questão importante, pois muitos não continuam na escola, mas precisam continuar a aprender na vida, e a escola é quem precisa ensinar esta metodologia, enquanto eles têm chance de frequentá-la.
CONHECIMENTO SOBRE O MEIO RURAL
Este teve 21 votos para bom, cinco para regular e um para insuficiente. Foi lembrado que algumas pessoas pensam que a Proposta é uma escola de agricultura. Não se trata disso. A professora não é técnica agrícola. Ela tem o específico dela, que é o pedagógico. Conhecer o meio rural é muito importante, porém na escola, é mais importante o aluno, a professora e a família entenderem que se pode aprender português, matemática, ciência, estudos sociais a partir da realidade rural. Citaram o exemplo dos treinamentos agrícolas com os técnicos do SERTA que ajudaram muito na compreensão da Proposta e na segurança para desdobrar os dados das pesquisas. Mais importante ainda do que o próprio conhecimento das coisas do meio rural é a atitude da professora e do aluno, em valorizar esta pedagogia, aprendendo a partir da realidade que se vive e que se pretende transformá-la.
MELHORA NA APRENDIZAGEM DOS ALUNOS
Dezenove votos bom e nove regular. As professoras observaram que a aprendizagem está melhor, devido ao maior interesse e envolvimento dos alunos. Porém, não dispõem de elementos objetivos para comprovar a diferença em relação à escola tradicional, pois o próprio conceito de aprendizagem é diferente. Na Proposta Educacional do Campo entram conceitos novos, como aprendizagem de atitudes, de valores, de habilidades. E a aprendizagem não é só do aluno, mas também da professora e da comunidade. Neste sentido fica difícil fazer as comparações.
PARTICIPAÇÃO DOS PAIS NA APRENDIZAGEM DOS FILHOS
Dezoito votos bom contra nove regular. A grande constatação foi que onde as professoras estão conseguindo se reunir com a comunidade, a participação dos pais aumenta muito. Pelo menos uma reunião já muda a atitude da comunidade em relação à Proposta. “Em Surubim, numa reunião, uma mãe disse que mentiu sobre a quantidade de terra que possuía, na pesquisa que seu filho fez, e este, por sua vez, deu também um número errado. Agora, dizia ela, eu entendi o trabalho da escola, vou dar as informações corretas”. Ficou confirmado também que reunião da comunidade para conversar sobre a escola, tem aceitação maior do que reunião de pais. Reunião de pais já tem uma conotação pejorativa, ligada a reclamação das professoras sobre os filhos, e parece sempre coisa só de mãe.
VALORIZAÇÃO DA REALIDADE DO CAMPO
Dezenove votos bom contra 12 regular. Se a escola conseguir que o aluno aprenda a identificar a sua realidade cotidiana, as suas potencialidades, os seus limites, as crianças vão aprender identificar outras realidades. Algumas pessoas pensam que essa proposta é só rural, que para o mundo urbano não serve. Não é assim. Nós estamos desenvolvendo com professoras, alunos da área rural, porém, ela pode ser adaptada ao mundo urbano. A pedagogia é a mesma. As técnicas e métodos poderão variar muito, contanto que ensinem a criança a descobrir a realidade, a pensar sobre ela, a aprender e ensaiar a transformação da mesma. Quem aprende a analisar bem uma realidade, aprende a analisar outras.
ATITUDES E VALORES NOVOS APRENDIDOS NA ESCOLA
Quinze votos bom contra 12 regular. As professoras estão sentindo esta dimensão nova, mas estão ainda inseguras como introduzir na avaliação. Não sabem como expressar em nota ou conceito. Foi lembrado que a Proposta do Campo insiste em muitos valores e atitudes novas, tais como: autoestima dos alunos, valorização do saber da família e do aluno, troca de saberes entre a professora e o aluno, escola como instrumento e apoio ao desenvolvimento da comunidade.
OS PONTOS MAIS CRÍTICOS
Foram os pontos que tiveram mais votos regular do que bom, na seguinte proporção:
| Ponto | Bom | Regular | Insuficiente |
|---|---|---|---|
| Criatividade dos alunos | 12 | 14 | 2 |
| Motivação dos alunos | 11 | 12 | 0 |
| Desdobramento das pesquisas nos conteúdos das disciplinas | 8 | 20 | 0 |
OS VOTOS INSUFICIENTES
| Ponto | Bom | Regular | Insuficiente |
|---|---|---|---|
| Preparação das aulas, ligando pesquisa, dinâmicas e conteúdo | 6 | 15 | 7 |
| Interdisciplinaridade | 3 | 17 | 7 |
| Preparação para a cidadania | 0 | 20 | 7 |
Os pontos críticos e insuficientes ficaram para serem aprofundados durante o segundo semestre. Não houve tempo no encontro para isso. Houve apenas alguns questionamentos sobre os conceitos dados a alguns pontos, como por exemplo: interdisciplinaridade, as professoras não estudaram de forma sistemática esta questão, porém pelos depoimentos dados ao longo do encontro, estão praticando, mesmo sem ter uma consciência muito clara e explícita.
Preparação para a cidadania, como explicar a introdução de valores e atitudes novas, relações novas da professora com a comunidade e o aluno, valorizar a realidade, desenvolver a autoestima, ensinar a pesquisar a realidade? Estas inovações estão ou não preparando para a cidadania? Justificaram que sim, mas ainda não com a clareza e a consciência que precisam.
Preparação das aulas. Foi comum o sentimento das professoras em dizer que os estudos sociais é o assunto mais difícil para desdobrar das pesquisas. As fichas para preparação diária das aulas criadas nos três municípios já ajudaram muito. Algumas professoras gostariam de receber coisa mais mastigada, mas a reflexão feita no encontro não aprovou oferecer coisa por demais mastigada às professoras, pois assim, estaríamos contradizendo a pedagogia da Proposta, que insiste na necessidade de produzir conhecimentos, estimular a criatividade, partir da situação e nível dos seus alunos e também na importância da professora preparar a aula.
PALAVRA DO ASSESSOR JOÃO FRANCISCO DE SOUZA
João Francisco, professor da UFPE e secretário de Educação de Olinda, fechou esta reflexão, lembrando as conclusões da Conferência Mundial da Educação para todos em Jomtiem – Tailândia. Os documentos distinguem três dimensões da aprendizagem:
| Dimensão | Descrição |
|---|---|
| 1 | Os instrumentos de aprendizagem: a língua, a matemática, os cálculos. |
| 2 | Os conteúdos básicos da aprendizagem: os conhecimentos, as atitudes e os valores. |
| 3 | As formas de saber fazer, as habilidades e as técnicas. |
A Proposta de Educação do Campo contempla estas três dimensões, que são legitimadas e reconhecidas em documento universal. Antes, um ou outro educador falava destas coisas. Tinha um peso. Hoje, com este reconhecimento tem outro peso. Cabem aos educadores fazer valer estes três enfoques na aprendizagem.
CONCLUSÃO FINAL
Consolidar os pontos fortes:
Compreensão sobre a pesquisa, Aprendizagem da professora, Criatividade dos alunos, Motivação dos alunos, Produção de conhecimentos.
Reforçar os pontos médios:
Atitudes e valores novos, Conhecimento do meio rural, Valorização da realidade aprendizagem do aluno.
Investir nos pontos fracos:
Desdobramento da pesquisa, Preparação das aulas, Interdisciplinaridade, Participação dos pais.