4.3.4. Relatório da Implantação da Proposta de Educação do Campo 1993-94

RELATÓRIO DA IMPLANTAÇÃO DA PROPOSTA PEDAGÓGICA DESENVOLVIDA PELO AUTOR PARA O ENSINO FUNDAMENTAL RURAL NO MUNICÍPIO

Outro texto histórico que fala das atividades em Educação do
Campo em 1994, de janeiro a agosto. Revela o quanto o Serta em
Pernambuco e o MOC na Bahia foram pioneiros na Educação do
Campo no Brasil.

3.1. ANTECEDENTES EM 1993

O ano de 1993 foi o de construção da Proposta e a discussão com alguns municípios. O apoio inicial do Unicef permitiu a apresentação da Proposta, incluindo treinamentos para um grupo médio de 40 professoras, para os municípios de Gravata, Surubim, Orobó e Bom Jardim no Agreste de Pernambuco. No Estado da Bahia o MOC assumiu a apresentação para os municípios de Valente, Santo Estevão e Santa Luz, região trabalhada pelo MOC. Estes dados constam em relatórios anteriores.

3.2. METAS PARA O ANO DE 1994

Para o ano de 1994, o SERTA e o município de Surubim combinaram para estender a proposta a todas as escolas rurais, no total de 72. Este acordo implicava na capacitação de 320 professoras em média, preparação dos textos para as quatro unidades escolares, treinamento técnico para pelo menos uma professora de cada escola com mais de 4 professoras, reuniões de preparação e avaliação das unidades.

Realização de um encontro para explicar a proposta com detalhes para os municípios interessados. Foi realizado no inicio de fevereiro com a participação de 6 municípios.

Capacitação inicial e estudo da proposta com o Programa de Educação do MOC, uma equipe de Professores da Universidade Estadual de Feira de Santana, e Supervisoras e professoras dos municípios de Valente, Santa Luz e Santo Estevão.

Extensão para outros municípios do Estado na medida em que houvesse solicitação.

Estudo da Proposta com as comunidades rurais acompanhadas pelo SERTA e com as entidades que compõem a articulação do PROGRAMA DE DIFUSÃO E CAPACITAÇÃO EM TECNOLOGIAS ALTERNATIVAS (PAER – Programa de Apoio a Educação Rural da região de Campina Grande, AGEMTE – Associação de Grupos Especializados Multidisciplinar em Tecnologia e Extensão – da região de João Pessoa e Litoral Paraibano e o GTAE – Grupo de Tecnologia Alternativa e Ecologia da região de Arapiraca e Palmeiras dos Índios em Alagoas e o SERTA).

Desenvolvimento dos Princípios, da Metodologia, dos Objetivos da avaliação.

Redação das fichas pedagógicas para o ano no total de 20.

Abertura para outros contatos com pessoas, ou grupos interessados no conhecimento da proposta.

3.3. PRIMEIRA META: IMPLANTAÇÃO EM TODAS AS ESCOLAS RURAIS DE SURUBIM – PE.

O Município distribui suas escolas em 4 setores: A, B, C, D. Para efeito de treinamento, primeiro se fez um com as supervisoras, no total de 13. Depois os 4 setores foram divididos em 3 grupos, cada dia um treinamento separado para um grupo. Dois foram realizados na sede, e um no distrito de Casinhas.

Foram encontros de um dia, com mais de 80 pessoas cada um, com muito assunto para se estudar. O objetivo era estudar a proposta e desenvolver as fichas da primeira unidade, estudando bem pelo menos, uma das cinco. Fora as 37 que conheciam a proposta de 1993, para as demais foi o primeiro contato com a proposta.

Na primeira semana de maio se fez a avaliação com os mesmos grupos, onde se estudou as iniciativas que as professoras e escolas haviam tomados para aplicar a proposta, os resultados obtidos, as dificuldades encontradas e o estudo das fichas para a segunda Unidade. Desta vez, apenas durante meio dia, por conta de recursos do município.

Em todos os 3 dias foram constatadas muitas dificuldades e até mesmo um certo desânimo e desencanto por parte das professoras. Entre elas, vale salientar as seguintes:

DificuldadeDescrição
1Uma escola, por se localizar perto da cidade e alguns pais trabalharem em outras profissões, não quis se identificar como escola rural, e sim como urbana. Tanto em nível de direção como em nível de Professoras.
2Muitas se queixaram que a agricultura tão desgastada no município, que não motiva nem pai, nem aluno, nem professora para discutir tal Proposta.
3Outras ainda pensaram que a Proposta era para ensinar agricultura aos alunos e não se sentiam habilitadas para isso.
4Algumas argumentavam que a agricultura, as crianças já sabiam e os pais também, e não aceitavam discutir estes assuntos na classe.

Mesmo com essas dificuldades, muitas iniciativas foram tomadas e com bons resultados. A reflexão sobre as iniciativas de certo modo já foram uma resposta para as dificuldades apresentadas. Porém mesmo assim, levamos em conta e tentamos aprofundar com as professoras e as conclusões para o encaminhamento foram as seguintes:

EncaminhamentoDescrição
1O tempo foi muito escasso, e o grupo muito grande para conhecer a proposta. Teríamos de trabalhar com grupos menores, se possível por escola, quando com mais de 6 professoras, e juntando as de perto. Para isso foi feito um calendário de visita das supervisoras para essas reuniões, e nelas estudaram as fichas da segunda unidade.
2Observou-se também, que não houve empenho dos diretores e não houve reunião nas escolas para preparação das aulas e avaliação. Tentou-se uma coisa nova, com as estruturas antigas. Para isso foi decidido fazer uma manhã de estudo com todos os diretores e logo na quinzena realizada. O efeito foi um compromisso destes em criar condições para apoiar e cobrar das professoras um empenho maior na proposta.
3Como a compreensão da proposta ficou muito comprometida, avaliamos com as supervisoras em outra reunião, as dificuldades apresentadas pelas professoras. Como são dificuldades possíveis de acontecerem em todos os municípios falaremos dela em um documento especial.
4Como na avaliação faltaram várias professoras, ficou decidido que todas elas seriam notificadas pela secretaria mediante uma carta. Pela primeira vez, as faltosas sentiram que sua presença era notada e valorizada.

Novos resultados na Segunda Unidade

Os encaminhamentos foram assumidos e na avaliação dos dias 18 a 21 de julho, os resultados foram completamente diferentes da de maio. As supervisoras se descobriram na proposta e viram o quanto importante era o seu papel na implantação de uma proposta desta natureza.

Aumentaram muito a relação com as professoras, foram à escola que não tinham ido antes, obtiveram uma participação bem maior nas reuniões em número e qualidade, observaram nos materiais pedagógicos usados em classe uma evolução e compromisso. Mudaram o astral, passaram a ser mais procuradas na sede pelas professoras. Recolheram depoimentos e textos. Deram aulas simuladas.

Alguns depoimentos:

– Clareou muito mais agora, passei a entender.

– Encontramos muitas experiências com plantio, com insetos, com matos.

– Muitas professoras fizeram visitas aos roçados com os alunos.

– Houve escolas que fizeram plantio de plantas medicinais.

– Encontramos escolas com um “cantinho da ciência”, cheio de plantas, insetos, frascos, mato, plantas.

– Uma professora conseguiu juntar uma média de 50 vidros, com amostras de inseto trazidos pelos alunos.

– Outras conseguiram fazer reunião com os pais. Um dos avós presentes em reunião solicitou uma reunião na comunidade com o SERTA.

Como dificuldades maiores, apontaram a rejeição da própria comunidade em duas escolas e o roubo das plantas que os alunos plantaram com as professoras. Vimos que um dos fatores que contribuiu muito para a melhora foi que a chuva veio imediatamente depois do segundo encontro de maio, um inverno bastante atrasado, mas que chegou bom, e durou. Desde que começamos a discutir a proposta, em março de 93, que não havia inverno. Estava difícil as professoras entenderem a ideia do calendário na educação. A chuva possibilitou um entendimento maior.

3.3. Encaminhamentos para a terceira unidade

ItemEncaminhamento
1Todas as escolas receberam com antecipação o calendário geral das reuniões das supervisoras nas áreas rurais, para estudo da terceira unidade, aumentando consideravelmente o número de contatos no próprio local de trabalho com a supervisora municipal.
2Novos treinamentos serão marcados com os técnicos do SERTA para as professoras estudarem elementos mais técnicos do solo, planta, meio ambiente, microbiologia, e questões agrícolas.
3Serão combinadas visitas dos técnicos do SERTA àquelas comunidades que manifestarem maior interesse para participar em reuniões com os pais e as professoras.
4As supervisoras farão o levantamento de dados de forma mais sistemática. Por exemplo, se aparecer uma iniciativa original, anotar a professora, a escola, a comunidade e o relato datado da iniciativa. Esses registros servirão para a construção coletiva da Proposta Pedagógica, que não está acabada. Como também estimularão as professoras a documentarem suas próprias experiências.

3.4. META 2. APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA PARA MAIS MUNICÍPIOS.

Foi cumprida durante os dias 2 e 3 de fevereiro em Nazaré da Mata com a participação dos Municípios de Surubim, Machados, Taquaritinga do Norte, Glória do Goitá, Riacho das Almas, Passira.

O compromisso do SERTA com estes municípios foi de enviar as fichas de cada unidade, o que está sendo feito. E da parte dos mesmos, de informarem com antecedência o interesse na implantação da proposta.

Houve uma aceitação por parte das secretárias e supervisoras presentes. Por elas, levariam ainda este ano a proposta. Percebem que seria preciso envolvimento financeiro e político por parte do prefeito, e estes estão com seus orçamentos comprometidos para o ano de 94.

Passira já recebe orientação da Universidade Federal de Pernambuco, Machados já tinha se comprometido com outro grupo de capacitadores. Glória de Goitá acertou uma reunião no dia 29 de agosto com as professoras para uma apresentação inicial em vista da implantação no próximo ano.

Enfrentamos uma dificuldade concreta para a implantação em outros municípios da região. Durante o ano de 1993, fizemos muitos contatos com professoras do Estado, do departamento regional de Educação (DERE) do Vale do Capibaribe, para um trabalho conjunto com o Estado e os municípios. Logo depois do treinamento de fevereiro, as iniciativas destas professoras foram desativadas, por motivos alheios a vontade delas e a nossa.

3.5. META 3: APOIO AO MOC NA IMPLANTAÇÃO DA PROPOSTA EM 3 MUNICÍPIOS DA BAHIA.

Em novembro de 1993 e em março de 1994, Abdalaziz de Moura do SERTA coordenou dois treinamentos com o MOC de Feira de Santana. O primeiro para o conhecimento da proposta e o segundo para a Implantação nos municípios que se propuseram.

Posteriormente, em abril e julho, o MOC com representantes dos municípios e professores da Universidade Estadual de Feira de Santana realizou mais dois encontros para estudo das fichas pedagógicas e avaliação.

Recentemente, no dia 6 de agosto, esse grupo se encontrou com Abdalaziz de Moura para aprofundar os resultados da Implantação da proposta e os novos desafios.

O Município de Valente está desenvolvendo a Proposta com 30 professoras. Inicialmente tentaram com mais, porém como era difícil o acompanhamento, reduziram para 30, que por opção decidiram entrar na Proposta.

Reúnem-se no mínimo uma vez por mês na sede para estudo e avaliação. Apresentam um quadro de resultados satisfatórios e algumas dificuldades.

Santa Luz começou com 14 professoras, que também escolheram começar a Proposta. Reúnem-se mensalmente para planejamento e Avaliação. Tem muita dificuldade de transporte, porque para muitas regiões só existe no dia da feira, e as participantes têm que sair a partir das 11:30, por que do contrário, não tem mais transporte.

No encontro do dia 6/8, resultados foram apontados e dificuldades também. O aprofundamento das dificuldades faz parte de anexo. Alguns depoimentos valem registro.

Resultados:

– Os municípios no começo imitaram as fichas, e depois criaram outras adaptadas a Região, que planta sisal e fumo. O que indica uma compreensão da metodologia, que usa diversas técnicas de acordo com a série, o nível, a geografia, o calendário etc.

– Há professores que fizeram músicas sobre o tema da ficha.

– Na pesquisa sobre os matos, a professora não sabia o nome de nenhum, uma aluna sabia o nome de todos.

– A professora Luciene, de Valente, convidou uma mãe para ir a classe ensinar aos alunos e a ela. A mãe resistiu dizendo que não sabia de nada. Na classe, todas as perguntas que fizeram à mãe sobre as plantas, ela soube responder. Ela ficou muito feliz.

– “Convidei o dono de um motor de sisal para conversar com meus alunos. Ele antes nunca se interessou por nada da escola. Depois que esse homem deu as explicações para nós, sempre me pergunta pelos alunos, pelas aulas, e pela escola,” (Luciene, presente na reunião do dia 6/8, professora na comunidade do Peixe, Valente, classe multiseriada)

– Os pais sentem a diferença nos deveres, os alunos se motivam mais. “Professora, quando que vamos fazer outra pesquisa daquela?” alunos da segunda série.

– A leitura fica mais fácil quando o texto é produzido por eles. Quando participam, não se lembram da hora.

– “Conseguimos fazer pesquisas. Meus alunos são maiores, fiz um mutirão com 11 dos 18 alunos, e mais 4 jovens não alunos, medimos o terreno, levamos para a classe um monte de coisas para estudar, raiz, tocos, insetos, terra. Dos matos encontrados, identificamos pelo nome 32, não conseguimos identificar 15. Chamamos um velho para a classe, desses 15 ele identificou 9. Ficaram apenas 6 sem identificar o nome. Comentamos a serventia de cada um” José Machado, professor de classe multiseriada, Santa Luz.

– Uma professora marcou uma visita com os alunos, e no dia estava chovendo fino, a professora queria adiar. Reação dos alunos: “Vamos professora assim mesmo, a gente quando vem para a aula, a gente não leva chuva?”

– A professora confessa nunca ter visto seus alunos tão motivados para as tarefas de aprendizagem.

Dificuldades e Interrogações

– Relacionar os conteúdos das disciplinas com as fichas

– Desenvolver a terceira etapa da ficha: o transformar.

– Insegurança por parte das professoras com os conhecimentos agrícolas.

– Diferença do calendário no mesmo município, local que houve inverno e outro que não, fazer a adaptação da ficha nestas circunstâncias.

– Sistemática de avaliação dos alunos.

– Acúmulo de atividades na secretaria nas costas de quem acompanha as professoras.

– A aquisição da leitura e da escrita. A fase oral bem entendida pelos alunos, a escrita mais difícil.

– Aprofundamento teórico da Proposta

– Registro das experiências

– Sequenciamento nos anos seguintes.

Todas estas dificuldades foram debatidas no encontro. O resultado das discussões vai fazer parte de outro documento, pois são dificuldades comuns aos dois Estados. No final, houve uma avaliação e encaminhamentos. Colocaremos no final deste relatório.

3.6. META 4. EXTENSÃO A OUTROS MUNICÍPIOS FORA DA REGIÃO DO ESTADO QUE O SERTA ESTÁ PRESENTE.

Esta meta se concretizou em um município, o de Afogados da Ingazeira na Região do Alto Pajeú, Sertão de Pernambuco. Foram capacitadas durante dois dias 110 professoras, incluindo supervisoras. O treinamento se deu para o início da segunda unidade, uma vez que o inverno já era realidade desde março.

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